Muita gente que passa pela Avenida Bandeirantes, na altura do número 866, no Bairro Mangabeiras, não imagina o que aquele prédio representa para a história da dança contemporânea brasileira. A sede do Grupo Corpo, a mais importante companhia do país, é o espaço onde, sob a batuta dos irmãos Pederneiras, foram criados balés que revolucionaram a linguagem da dança. Montagens que conquistaram plateias em turnês por 41 países, além do Brasil.
Contudo, nada se compara à emoção vivida pelo diretor artístico Paulo Pederneiras às vésperas da estreia de “Piracema”, que inicia sua trajetória nesta quarta-feira (13/8), no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, e chega a Belo Horizonte para a temporada de 27 a 31 de agosto, no Palácio das Artes. Razões ele tem de sobra.
Comemoração dos 50 anos do Corpo, o espetáculo foi criado de forma inédita na história do grupo e da dança. Por sugestão de Paulo, a coreografia é parceria de Rodrigo Pederneiras e Cassi Abranches. Ex-bailarina da companhia, há uma década ela estreou na função, assinando “Suíte branca”. A partir de “Piracema”, assume o posto de coreógrafa residente.
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O trabalho começou com cada um, Rodrigo e Cassi, em seu quadrado. Em salas separadas, sem que ninguém visse o que o outro estava preparando, duas coreografias surgiram a partir da trilha sonora encomendada à compositora Clarice Assad.
Cada um deles criou e ensaiou sua versão com 11 bailarinos. A piracema marca a jornada dos peixes rio acima para recomeçar o ciclo da vida. O Grupo Corpo escolheu este fenômeno como símbolo de sua trajetória de criação e resistência nestes 50 anos.
Primeiro encontro
Em 13 de julho, os dois grupos, totalizando 22 bailarinos, se reuniram para o primeiro ensaio conjunto. “Foi um encontro muito legal, emocionante”, afirma Paulo, garantindo que em nenhum momento teve medo do resultado da “encrenca” proposta por ele.
Mais que receoso, ele ficou curioso. “É claro que eu sabia que não seria fácil. Eles também tinham essa percepção. Tanto que, quando coloquei a ideia, houve uma resistência muito grande de ambas as partes.”
Paulo revela que houve momentos de impasse, quase de desistência da ideia. “Eu disse: ‘Não, isso tem de dar certo. Vamos continuar até fazer isso dar certo.’ E fiquei muito feliz com o resultado. Tenho a impressão de que eles também, ao verem duas maneiras diferentes de movimentação’”.
'Piracema' estreia em São Paulo, na próxima quarta-feira (13/8). Temporada em BH vai de 27 a 31 de agosto, no Palácio das Artes
No momento inicial, Rodrigo e Cassi não acreditaram na proposta. “Ninguém nunca fez”, diz ela.
Um dos temores de Rodrigo Pederneiras era o choque entre ele e Cassi, que também é sua nora, casada com Gabriel Pederneiras, diretor técnico do Grupo Corpo.
“Foi o oposto. Houve aproximação maior. Quer dizer, o exercício de você saber que tem de abrir mão, eliminar o que você fez para que outra coisa aconteça de forma mais legal. E essa outra coisa não fui eu que fiz, foi ela. Abrir mão às vezes é difícil, mas foi relativamente tranquilo”, garante Rodrigo.
Coreógrafa residente dançou no Corpo por nove anos
Cassi concorda. “Houve realmente uma integração. (A coreografia) Foi feita para ser integrada, conseguimos trabalhar muito bem juntos. Fiquei 10 anos fora (do grupo), então fui criando outro repertório a partir do DNA que tenho. Não seria coreógrafo distante do Corpo que estaria dividindo uma noite com ele, né? Trago outros elementos, mas a minha origem fica bem clara”, explica.
A bailarina Cassi Abranches estreou no Corpo em “Santagustin” (2002), com trilha de Tom Zé e Gilberto Assis. Nove anos depois, deixou a companhia com “Sem mim”, com trilha de Carlos Núñes e José Miguel Wisnik sobre a obra de Martín Codax.
Bagunçado
Rodrigo destaca a importância de Cassi. “Ela conhece a nossa forma, o nosso jeito de trabalhar, que é bem diferente de outras companhias. A gente tem um jeito um pouco mais solto, mais relaxado, até um pouco mais bagunçado. Esta peça (“Piracema”) tem uma coisa que é muito legal, porque em certos momentos as coisas se completam, se encaixam. Existe uma soma”, afirma.
Cassi Abranches diz que traz consigo o DNA do Grupo Corpo. A partir de 'Piracema', ela passa a ser coreógrafa residente da companhia mineira
Mas houve choques também. “Quando a gente olhava, falava assim: ‘Isso que eu fiz não dá para ir junto com o que você fez. O que nós vamos fazer?’. Aí a gente partia por uma terceira via, e acho que os momentos de choque nos aproximaram mais”, reitera Rodrigo. No dia da entrevista ao Estado de Minas, duas semanas atrás, ele estava fazendo mudanças.
“Talvez, com as próximas interferências de luz e figurino, a gente reconheça mais alguma coisa para ajustar”, admite Cassi Abranches.
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“PIRACEMA”
Nova coreografia do Grupo Corpo, que será apresentada em programa com “Parabelo”. De 27 a 30 de agosto, quarta a sábado, às 20h; e 31 de agosto, domingo, às 18h. Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos de R$ 280 a R$ 39,80, à venda na plataforma Eventim e na bilheteria.
