Na reunião dos Brics, Lula reage à interferência indevida de Trump
Somos um país do Ocidente, porém, com a globalização, nossa vocação natural de produtor de commodities de minérios e alimentos fez da China nosso principal parc
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebateu nesta segunda-feira a declaração feita pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula disse que “a defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o Estado de Direito”.
Trump havia publicado um texto em defesa de Bolsonaro no final da manhã. Segundo ele, o ex-presidente brasileiro e seus familiares sofrem uma “caça às bruxas”. Para o presidente norte-americano, Bolsonaro “não é culpado de nada”. Disse Trump: “O único julgamento que deveria estar acontecendo é o julgamento pelos eleitores do Brasil – chama-se eleição. Deixem o Bolsonaro em paz!”. De pronto, o ex-presidente agradeceu o apoio.
O comentário de Trump é resultado do trabalho de convencimento que vem sendo realizado pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O filho do ex-presidente está morando nos Estados Unidos e articula ações do governo Trump e de parlamentares norte-americanos contra o governo brasileiro e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do processo no qual o ex-presidente e mais cinco auxiliares são réus, acusados de liderarem a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023.
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Trump meteu a colher na política brasileira e ameaçou aumentar as tarifas para os países integrantes do Brics, cuja reunião se realizou no Rio de Janeiro, sob a presidência de Lula. “Eu não acho uma coisa muito responsável e séria um presidente da República de um país do tamanho dos EUA ficar ameaçando o mundo através da internet. Não é correto. Ele precisa saber que o mundo mudou. Não queremos imperador", disse, após o encerramento da cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro.
"Somos países soberanos. Se ele achar que ele pode taxar, os países têm o direito de taxar também. Existe a lei da reciprocidade [...] As pessoas precisam aprender que respeito é muito bom. A gente gosta de dar e gosta de receber, e é preciso que as pessoas leiam o significado da palavra soberania. Cada país é dono do seu nariz", disse Lula. O presidente brasileiro havia proposto a adoção de uma moeda alternativa ao dólar nas transações entre seus integrantes.
Por trás da troca de declarações, há dois aspectos a se considerar: um é o lugar do Brasil no mundo, hoje politicamente mais próximo aos países do chamado Sul Austral do que dos Estados Unidos, o que não se sustenta historicamente; o outro, é a interferência direta da Casa Branca na política interna brasileira, o que não é novidade nas relações do Brasil com os Estados Unidos. Num país dividido e radicalizado ideologicamente, essa interferência pode ser muito mais eficaz.
EUA versus China
Desde novembro de 2024, Trump ameaça os países do Brics com aumentos de tarifas caso optem por outras moedas em vez do dólar nas suas transações comerciais. A reunião do Brics no Rio de Janeiro não contou com a presença do presidente da Rússia, Vladimir Putin, nem do presidente da China, Xi Jinping. Por essa razão, foi considerada esvaziada.
Além do Brasil, reunia China, Índia e Rússia. A África do Sul foi o quinto país a ingressar, em 2011. Ano passado, mais cinco países aderiram ao bloco: Irã, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Arábia Saudita. Ainda em processo de confirmação, a Arábia Saudita tem participado das reuniões do grupo. Jogando parado, os Brics representam 40% da população mundial, 37% do PIB global, 26% do comércio mundial, 44% das reservas de petróleo, 53% das reservas de gás natural do planeta, 72% das terras raras e produzem 43% do óleo, 35% do gás e 70% da produção de carvão mineral do mundo.
O acrônimo Bric criado pelo economista Jim O’Neill, em 2001, ao apontar promissores mercados emergentes no início do milênio, mas não foi pensado como um grupo político. É aí que está o problema do grupo: seus integrantes do grupo têm muitos interesses econômico em comum, porém, não formam um bloco político homogêneo. Índia, Emirados Árabes e Arábia Saudita, por exemplo, são aliados incondicionais dos Estados Unidos. Rússia e Irã, da China são potências nucleares. Isso explica as ambiguidades das declarações conjuntas.
A participação do Brasil nos Brics é um dos eixos de sustentação da política externa brasileira, ao lado das relações com a Europa e a América Latina. Culturalmente, os laços dos brasileiros com os Estados Unidos são muito fortes, tanto na cultura como nos padrões de comportamento. O “americanismo” foi o principal vetor de desenvolvimento do país desde a II Guerra Mundial.
Somos um país do Ocidente, porém, com a globalização, nossa vocação natural de produtor de commodities de minérios e alimentos fez da China nosso principal parceiro comercial. Essa aproximação é inevitável e atrai grandes investimentos em logística, pois somos um país atlântico cujo comércio se voltou para o Pacífico. Essa contradição, com a volta de Trump ao poder, se tornou um fator de tensão com a Casa Branca, até porque o presidente norte-americano e Bolsonaro são aliados de natureza ideológica. Sua interferência na política interna brasileira está escrita nas estrelas.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.