A água benta da capela de um grande hospital de Belo Horizonte foi a chave para decifrar um enigma que já durava três meses. Nos anos 1990, houve um surto provocado por uma bactéria chamada Pseudomonas sp, que acometia frequentemente pacientes hospitalizados e submetidos a procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos e imunossupressivos, do tipo quimioterapia. “Depois de várias análises e estatísticas epidemiológicas, não se chegava à fonte da infecção”, conta Carlos Starling.
Num domingo de manhã, o médico foi buscar um livro que tinha esquecido na sala do hospital. “Era um livro técnico que queria ler ainda no fim de semana e fui buscá-lo.” Ao chegar ao hospital, ele se deparou com o fim da missa dominical na capela do hospital. “Fiquei observando a saída dos pacientes e esses familiares. Todos se benziam com a água benta que ficava dentro da igreja. Era um vasilhame comum a todos. Eles enfiavam o dedo lá dentro para retirar a água benta e passavam, em seguida, nas feridas cirúrgicas, nos cateteres e alguns até a ingeriam na esperança de cura.”
Ao observar a cena, Carlos Starling teve um insight. “Colhi a água benta para exame microbiológico. E lá estava a bactéria com o mesmo perfil das que foram isoladas nos pacientes infectados. Fizemos então a intervenção, esterilizando a água benta, colocando-a em frasquinhos indidivuais. O surto foi resolvido”, explica. “Eventualmente, a gente conta também com a sorte e a observação.”
Traduzindo sorte para perspicácia, intuição e experiência, Starling já conseguiu resolver outro caso digno de um detetive de branco. “Houve um surto de reações pirogênicas em outro grande hospital de BH. Depois da infusão de soro, os pacientes tinham calafrios, mas o surto não ocorria em pacientes pediátricos. Só em adultos. “O primeiro passo num surto é fazer a análise epidemiológica estatística para saber onde começou, quais pacientes são mais frequentemente acometidos, se alguma bactéria foi isolada ou não, e as pessoas que manusearam os doentes, e os produtos que porventura os mesmos estavam fazendo uso”, diz.
Específicos
Para ele também são encaminhados centenas de pacientes para exame de casos específicos. Um deles chamou muito sua atenção. O da paciente Leodozina Martins da Silva, hoje com 73 anos. “Ela chegou ao consultório gritando de dor, com uma grave lesão abdominal depois de uma cirurgia gástrica há 25 anos. As feridas, na verdade, nunca se fecharam completamente. Ela passou por inúmeros profissionais, biópsias e cirurgias, sem nenhum diagnóstico e tratamento definitivo.”
Fátima, nora de Leodozina, conta que ela passou por várias humilhações antes de chegar ao consultório de Starling. Outros médicos, inclusive, falavam até em câncer, mas nada era comprovado. Ela gritava noite e dia de dor porque as feridas abertas eram muito dolorosas. “Depois de vários tratamentos distintos sem resultado, levantei a hipótese de uma doença rara: o pioderma gangrenoso, de causa não esclarecida, provavelmente uma doença autoimune. Internada, recebeu tratamento adequado e as feridas se fecharam. Ela se curou dessa cruz que carregava há 25 anos.”