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Time que luta para não morrer


postado em 01/03/2019 05:10

Pelo campo do Novo Ideal, que foi usado como heliponto pelos grupos de resgate, passaram centenas de corpos retirados do mar de lama pelos bombeiros(foto: Renan Damasceno/EM/D.A Press)
Pelo campo do Novo Ideal, que foi usado como heliponto pelos grupos de resgate, passaram centenas de corpos retirados do mar de lama pelos bombeiros (foto: Renan Damasceno/EM/D.A Press)


Enfileirados e vestidos com o uniforme alviverde, os jogadores do Novo Ideal faziam a festa dos torcedores no Córrego do Feijão nas manhãs de domingo nos jogos da equipe. Jovens, crianças e adultos se acomodavam nos poucos lugares no chão próximo à igreja para ver um dos orgulhos da comunidade, o popular time amador fundado em meados dos anos 1980. Hoje, já não existe mais festa. O clima de luto tomou conta dos atletas que sobreviveram, e a equipe, que tem vaga garantida na elite do Campeonato Amador da cidade, ameaça se extinguir. O modesto campo da comunidade deu lugar ao heliponto que desde o primeiro dia da tragédia vem ajudando no resgate das vítimas do rompimento da mineradora da Vale e por onde chegou a grande maioria dos corpos resgatados até agora. Em vez de jogadores e árbitros no gramado, o cenário atual é de desolação.

O Novo Ideal foi uma das maiores vítimas da catástrofe ocorrida no mês passado, já que o lateral-direito Reinaldo, funcionário da pousada Nova Estância, o volante Gil e o meia-atacante Zinho, que trabalhavam na mineração, morreram no desastre. Outra perda importante foi da advogada Sirlei Brito Ribeiro, de 47 anos, moradora da comunidade, que ajudava a buscar os recursos para quitar as despesas do pequeno time. A tragédia pode também representar o fim da equipe: além da dificuldade para obter novo patrocínio, o campo do Córrego do Feijão foi todo contaminado pela lavagem dos dejetos da mineração e pelo resgate dos corpos em decomposição.

Para substituir o campo, que se tornou impróprio para a utilização, a comunidade prevê a construção de um complexo poliesportivo, com custos arcados pela Vale. A Prefeitura de Brumadinho emitiu ofício na semana passada exigindo que a empresa financie um novo estádio para o Novo Ideal, com vestiários e arquibancadas. “Hoje, aqui não é um campo de futebol, é um cenário de guerra, uma base militar. Como vamos pensar no futuro? Nossas crianças têm o direito de exigir, porque elas sofreram trauma e têm problema psicológicos. As mães também. O projeto agora tem que se fortalecer. Aqui ficou um lugar fúnebre”, ressalta o vice-presidente da Associação Comunitária do Córrego do Feijão, Luciano Lopes, que trabalha em projeto social de prática esportiva com 65 jovens de 8 a 20 anos.

Em novembro, o Novo Ideal foi o vice-campeão da Segunda Divisão local e subiu para a elite. O último troféu conquistado pelo time foi o do Festival Córrego do Feijão, em dezembro, ao golear o Novo Horizonte por 10 a 4, em casa. O título foi coroado com festa e cerveja. Mas ninguém pensava que o crescimento da equipe seria interrompido por uma tragédia sem precedentes. “Tínhamos a expectativa de fazer papel de destaque. Mas, com a tragédia, pelo visto, o Novo Ideal vai acabar. O sentimento é de tristeza. Sem dinheiro, não há como bancar todas as despesas. Tínhamos um sonho, mas ele foi encerrado”, afirma o presidente Vicente Antunes, de 54, responsável por reconstruir o time, buscando novos jogadores e recursos para comprar uniformes, patrocinar as viagens e adquirir remédios para os jogadores – segundo o dirigente, R$ 40 mil seriam suficientes para a equipe jogar as competições.

SAUDADE O presidente se lembra com saudade dos jogadores que se foram: “Reinaldo era um menino humilde. Era titular, mas quando foi para o banco, aceitou calado, apoiou o time. Já o Gil era um cabeça de área excelente, jogava sério, com amor à camisa. Por fim, o Zinho era matador. Poderia colocar ele em qualquer circunstância que daria conta do recado. Era o coringa do time”.

A morte dos três companheiros foi uma catástrofe para o zagueiro Buiú, de 32, que também vivia a expectativa de disputar a elite de Brumadinho. Segundo ele, a tragédia jogou na lama o objetivo construído em muitos anos: “Joguei minha vida toda aqui. O sentimento é de impotência, porque não temos o que fazer. A gente sonha, é uma diversão. Todos nós trabalhamos, temos nossa profissão, mas, nos fins de semana, era uma diversão séria. São muitas pessoas que saíam de suas casas para assistir ao nosso time jogar. Conseguimos chegar à Primeira Divisão e todos estavam alegres. Mas três companheiros se foram e o sonho fica travado”.


Uma amante do futebol

A comunidade do Córrego do Feijão a chamava de Doutora Sirlei. Advogada, professora, secretária municipal de Desenvolvimento Social de Brumadinho e apaixonada por futebol, Sirlei de Brito Ribeiro, de 48 anos, foi uma das maiores incentivadoras do Novo Ideal, do Córrego do Feijão. Graças à amizade com empresários de Brumadinho, ela, que morava num sítio na comunidade, levava o patrocínio à equipe da comunidade e garantia recursos para a disputa dos campeonatos.

Sepultada em 30 de janeiro, Sirlei estava em casa no momento do rompimento da barragem. Pessoas próximas contam que ela morreu abraçada com a cadela de estimação. A advogada já estava consolidando uma parceria para o Novo Ideal em 2019 que garantiria R$ 20 mil ao clube. De acordo com Vicente Antunes, a advogada era presença certa nas partidas da equipe aos domingos. “Estava sempre nos ajudando. E nas festas da comunidade, ela nos doava as mercadorias para vendermos e então conseguir recursos para o time. Sem ela, agora tudo ficou complicado”.

O envolvimento da advogada com o futebol era tão grande que ela contribuía com os campeonatos locais de outra forma: como presidente do Tribunal de Justiça Desportiva de Brumadinho, julgava os casos de indisciplina e eventuais problemas com os jogadores e equipes nas competições. Mesmo ajudando o Novo Ideal, nenhum clube questionava suas decisões arbitrais no futebol local.
O secretário de Esportes de Brumadinho, Vanílson Porfírio, lamenta a perda de Sirlei e entende que o futebol local ficou pobre: “Tivemos uma reunião com ela três dias antes. A Sirlei estava ajustando parceiros para ajudar o Novo Ideal. Quando você acorda, parece um pesadelo. Não dá para acreditar em uma fatalidade. E ela era tão ligada na área de esportes. Vai nos custar para apagar tamanha tristeza”.

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