mulher trabalhando cpm computador

Ainda que o cenário em relação ao aumento da procura de informações e oportunidades no contexto acadêmico e do mercado de trabalho para pessoas com deficiência tenha apresentado vários avanços no aspecto da inclusão, ainda há muito a ser feito, incluindo a melhoria da infraestrutura

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Considerando o histórico de exclusão e falta de acessibilidade, ingressar no mercado de trabalho ou mesmo na escola ainda são desafios para pessoas com deficiência (PCDs). A não inserção na sociedade afeta diretamente a saúde mental das pessoas que vivem com essa condição, gerando uma intensificação do isolamento e dificultando o processo de desenvolvimento da linguagem e aprendizado. 

Henrique Freitas da Silva, coordenador da equipe de Neurologia Clínica do Hospital Mater Dei Santo Agostinho, explica que a atrofia muscular espinhal (AME) atinge os neurônios motores, ou seja, apesar de afetar a condição física, a AME não afeta diretamente a cognição. Com a estabilização dos sintomas, o paciente pode desenvolver a habilidade de digitar, andar, entre outras, gerando oportunidade de participar ativamente na sociedade. 

Ainda que o cenário em relação ao aumento da procura de informações e oportunidades no contexto acadêmico e do mercado de trabalho para pessoas com deficiência tenha apresentado vários avanços no aspecto da inclusão, ainda há muito a ser feito, incluindo a melhoria da infraestrutura para receber essas pessoas e transformar os ambientes em espaços igualitários, confortáveis e seguros. É o que aponta Natália Barnabé, psicóloga e psicanalista. "A pessoa está ali, mas não é incluída nas mesmas medidas que os outros, ocasionando o não aproveitamento das potencialidades e possibilidades que o ambiente poderia oferecer.”



A psicóloga esclarece que, devido a esse cenário complexo, o acompanhamento psicológico se faz necessário como parte do tratamento de PCDs e, mais especificamente, da AME. A inabilidade ou dificuldade afeta as pessoas com a doença, que se veem dependentes de cuidados, diminuindo sua autonomia – além das dificuldades no mercado de trabalho, o capacitismo e a falta de socialização. Fatores que geram falta de autoconfiança e sensação de frustração, entre outros.

Quadro sobre a doença

Quadro sobre a doença

Soraia Piva


AVANÇO

Para a gestora em recursos humanos e consultora em capacitismo Patrícia Lorete, há um aumento de programas voltados para a inclusão, como investir em palestras sobre empoderamento para os funcionários com deficiência. Mas ela esclarece que a cultura organizacional ainda tem muito que melhorar em relação à inclusão equitativa. “Infelizmente, algumas empresas ainda contratam apenas para cumprir a cota de pessoas com deficiência, sem proporcionar um ambiente acolhedor, inclusivo e com oportunidades reais de desenvolvimento. É importante que haja um compromisso genuíno com a inclusão de colaboradores com deficiência.”

Trabalhar a inclusão, saúde mental e oportunidades são temas que envolvem desconstruir o capacitismo estrutural. A busca por direitos igualitários não é apenas responsabilidade de quem tem a doença, mas de um processo contínuo de conscientização, educação e mudança de atitudes coletivas. “É da socialização que se pode alcançar potencialidades para ampliar as compreensões e os entendimentos de outras realidades, que podem não ser semelhantes àquelas consideradas padronizadas, mas que são tão importantes e enriquecedoras quanto qualquer outra nestas posições de trocas e compartilhamento”, comenta Natália. 

Leia também: O autismo e o mercado de trabalho

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.

Série documental “Viver é raro” 

foto da série antológica documental 'Viver é raro'

foto da série antológica documental "Viver é raro"

Telaviva.com.br/Reprodução


Lançada em março deste ano, a série antológica documental "Viver é raro" conta a história de sete crianças com doenças raras. No primeiro episódio, o público é apresentado à história da campeã mundial Laíssa Guerreira, bailarina, ativista da causa de doenças raras e atleta de Bocha Paralímpica. Guerreira teve os primeiros sintomas da atrofia muscular espinhal (AME) tipo II aos 2 anos, mas só aos 8 anos foi diagnosticada com a doença. 

Três perguntas para...

Cristina Iwabe, fisioterapeuta motora especialista e pós-doutora em Neurologia/Neuromuscular pela Unicamp

Cristina Iwabe, fisioterapeuta motora especialista e pós-doutora em Neurologia/Neuromuscular pela Unicamp

Arquivo Pessoal

Cristina Iwabe, fisioterapeuta motora especialista e pós-doutora em Neurologia/Neuromuscular pela Unicamp

Quais são os principais desafios que pacientes com AME enfrentam em relação à acessibilidade em diferentes ambientes?
Infelizmente, o Brasil não é preparado para que as pessoas com deficiência possam circular nos diferentes ambientes, seja em praias, ruas, shoppings, escolas ou parques. A acessibilidade engloba não somente o acesso aos lugares, mas também o trajeto que o indivíduo precisa fazer até chegar ao local, e infelizmente isso não é considerado. 

Durante seus 15 anos de experiência, você tem visto um aumento significativo de profissionais especializados no cuidado com pessoas com AME? 
Nos últimos anos, o tratamento de pacientes com AME tem se tornado mais evidente devido à entrada dos novos medicamentos disponíveis. Com isso, a reabilitação na área das doenças neuromusculares também tem se tornado mais evidente, porém, infelizmente, não há profissionais que sejam realmente capacitados e especializados nessa doença, e principalmente estejam atualizados sobre as novidades terapêuticas. Hoje em dia, o tratamento fisioterapêutico na AME é muito diferente do que era realizado antigamente, e o profissional deve ser capacitado, treinado por um determinado tempo para se tornar apto a atender um paciente com AME e não prejudicar a sua função motora. 

Recentemente, medicamentos como nusinersena, risdiplam e zolgensma foram disponibilizados para os pacientes via Sistema Único de Saúde (SUS). Quais outros avanços e mudanças você observou ao longo desse tempo no tratamento da AME?
Na área do tratamento clínico e medicamentoso, esse avanço com a introdução dos novos medicamentos já é um grande avanço. O que é muito novo para todos, e que na verdade ninguém conhece de fato, é a evolução dos pacientes ao longo do tempo após a introdução dos novos medicamentos. E isso também vale para a área da fisioterapia. Em relação aos métodos de tratamento, não há novos avanços, mas sim, novas perspectivas, novas formas de abordagem e exercícios que podem e devem ser feitos para otimizar a funcionalidade que eles estão adquirindo e tentar prevenir deformidades e desalinhamentos que vão aparecer.

Palavra de especialista

Jeniffer Danielle Machado Dutra, nutricionista do Comitê Científico da ONG Amigos da AME e especialista em nutrição parenteral e enteral

Jeniffer Danielle Machado Dutra, nutricionista do Comitê Científico da ONG Amigos da AME e especialista em nutrição parenteral e enteral

Arquivo Pessoal

Jeniffer Danielle Machado Dutra, nutricionista do Comitê Científico da ONG Amigos da AME e especialista em nutrição parenteral e enteral

Nutrição é um dos pilares do cuidado com paciente


“O cuidado na atrofia muscular espinhal (AME) deve ser realizado de maneira interdisciplinar e a nutrição é um dos pilares. A nutrição na AME é complexa, por isso ter o acompanhamento de um nutricionista que entenda a doença e olhe para a pessoa de forma individualizada faz toda diferença, uma vez que esses pacientes podem apresentar alterações metabólicas, distúrbios gastrointestinais e mudanças significativas de peso, tanto desnutrição quanto obesidade. A nutrição adequada auxilia na qualidade de vida dos pacientes, principalmente, considerando as novas terapias. O acompanhamento nutricional deve ser realizado pelo profissional que estude doenças neuromusculares e entenda as particularidades, para que sejam alcançados benefícios como manutenção ou melhora do estado nutricional, reposição adequada de nutrientes e manejo das alterações gastrointestinais e metabólicas.”
 
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.