microbiota intestinal

Estima-se que há 100 trilhões de bactérias que podem povoar o intestino humano: estudos ganharam força na última década

Courtesy of Pacific Northwest National Laboratory/Divulgação

É um número quase impossível de imaginar: 100 trilhões. Muito mais que as estrelas da Via Láctea ou a quantidade estimada de espécies de insetos no mundo. Nesse universo de bactérias, pode estar a peça que falta para a compreensão de doenças ainda desafiadoras, de depressão a fadiga crônica. Cada vez mais estudos indicam que a microbiota intestinal, uma das mais populosas do organismo humano, desempenha um papel em condições difíceis de tratar e também tem potencial de, entre outras coisas, aumentar a longevidade.

A importância dos micro-organismos que habitam o trato gastrointestinal é reconhecida há muito tempo, mas só recentemente cientistas começaram a desvendar a associação entre a composição da microbiota com um vasto rol de enfermidades, incluindo obesidade, asma, alergia alimentar, doenças atópicas e autoimunes. No ano passado, pesquisadores sugeriram, pela primeira vez, que alguns sintomas do transtorno do espectro autista (TEA) têm relação com o aumento de determinadas espécies e a redução de outras no intestino, o que desencadearia inflamações no cérebro.
 
 
"Foi apenas nos últimos 10 anos que se tornou possível para os ecologistas microbianos contemplar uma descrição da microbiota em qualquer habitat. Agora, novas tecnologias, como máquinas de sequenciamento genético, podem descrever rapidamente as comunidades microbianas em termos de marcadores genéticos", destaca a ecologista microbiana Carly Rosewarne, do órgão científico australiano Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation. "Um estudo recente, por exemplo, usou análise computacional para verificar quantos e quais tipos de micróbios existem no intestino e descobriu que as espécies bacterianas são ainda mais diversas do que se pensava anteriormente", relata a especialista.
 

 
microbiota intestinal

Estima-se que há 100 trilhões de bactérias que podem povoar o intestino humano: estudos ganharam força na última década

Courtesy of Pacific Northwest National Laboratory/Divulgação

É um número quase impossível de imaginar: 100 trilhões. Muito mais que as estrelas da Via Láctea ou a quantidade estimada de espécies de insetos no mundo. Nesse universo de bactérias, pode estar a peça que falta para a compreensão de doenças ainda desafiadoras, de depressão a fadiga crônica. Cada vez mais estudos indicam que a microbiota intestinal, uma das mais populosas do organismo humano, desempenha um papel em condições difíceis de tratar e também tem potencial de, entre outras coisas, aumentar a longevidade.

A importância dos micro-organismos que habitam o trato gastrointestinal é reconhecida há muito tempo, mas só recentemente cientistas começaram a desvendar a associação entre a composição da microbiota com um vasto rol de enfermidades, incluindo obesidade, asma, alergia alimentar, doenças atópicas e autoimunes. No ano passado, pesquisadores sugeriram, pela primeira vez, que alguns sintomas do transtorno do espectro autista (TEA) têm relação com o aumento de determinadas espécies e a redução de outras no intestino, o que desencadearia inflamações no cérebro.

"Foi apenas nos últimos 10 anos que se tornou possível para os ecologistas microbianos contemplar uma descrição da microbiota em qualquer habitat. Agora, novas tecnologias, como máquinas de sequenciamento genético, podem descrever rapidamente as comunidades microbianas em termos de marcadores genéticos", destaca a ecologista microbiana Carly Rosewarne, do órgão científico australiano Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation. "Um estudo recente, por exemplo, usou análise computacional para verificar quantos e quais tipos de micróbios existem no intestino e descobriu que as espécies bacterianas são ainda mais diversas do que se pensava anteriormente", relata a especialista.

Distúrbios nesse mundo diverso poderiam contribuir para a depressão, sugerem dois estudos publicados, recentemente, na revista Nature Communications. Segundo os autores, da Universidade de Amsterdã, na Holanda, trata-se "das evidências mais extensas, até o momento, de uma relação entre a composição do microbioma e os casos da doença". O conjunto de diferentes bactérias, vírus e leveduras que habitam o organismo chega a desempenhar um papel nas diferentes taxas do transtorno mental em grupos étnicos distintos, afirmam.

Na pesquisa, foram avaliados dados de 3.211 participantes de um estudo ainda em andamento, o Helius. Os sintomas depressivos dos pacientes foram associados a um microbioma com bactérias menos diversas, no qual algumas espécies estão sub-representadas. Esse fator de risco, inclusive, foi tão forte quanto outros já conhecidos, como consumo de álcool e excesso de peso. Os resultados foram validados em um estudo do centro de pesquisas Erasmo MC, também na Holanda. Dessa vez, os pesquisadores utilizaram outro levantamento de base populacional, com informações de mais de 23 mil indivíduos.

O resultado confirmou a descoberta anterior e acrescentou a associação entre 12 grupos bacterianos e depressão. Segundo os autores, essas bactérias produzem substâncias como glutamato, butirato, serotonina e ácido gama amino butírico com função de neurotransmissores, os mensageiros químicos do cérebro diretamente associados a transtornos mentais quando em desequilíbrio. "Esses neurotransmissores são de grande relevância na depressão", diz Edward Villeta, psiquiatra e professor da Universidade de Barcelona, na Espanha.

Dietas

O médico ressalta que os estudos não estabeleceram uma relação de causa e efeito. "Supõe-se que o estresse crônico produz inflamação, e que é isso que altera a microbiota, mas também não sabemos se algumas das alterações são compensatórias", explica. "Ainda é muito cedo para falar em tratamentos. Por um lado, há indícios de que uma dieta balanceada - por exemplo, a mediterrânea - pode melhorar a saúde mental, embora não seja um tratamento adequado por si só para a depressão maior. Por outro lado, seria prematuro e fantasioso considerar, hoje, o transplante fecal como alternativa terapêutica."

Em seu laboratório, John Cryan, vice-presidente de pesquisa e inovação da Universidade de Cork, na Irlanda, estuda o impacto das dietas na saúde mental, uma associação que seria explicada pelo efeito de determinados alimentos na composição da microbiota. "Nosso estudo mais recente mostrou que comer mais alimentos fermentados e fibras diariamente, por apenas quatro semanas, teve um efeito significativo na redução do estresse percebido pelos participantes", conta.


Segundo o especialista em microbiota, uma explicação seria a relação entre o cérebro e a flora intestinal, conhecida como eixo intestino-cérebro. "Ele faz com que os dois órgãos estejam em constante comunicação, permitindo que funções essenciais do corpo, como digestão e apetite, aconteçam. Isso também significa que os centros emocionais e cognitivos do nosso cérebro estão intimamente ligados ao nosso intestino."

Um tratamento, seja de depressão ou de outra doença, com foco na microbiota não é tão simples quanto parece, contudo. Se fosse assim, os probióticos seriam o santo graal da medicina. Cryan diz que pensar nas pílulas ou pozinhos vendidos nos mercados como solução para equilíbrio da flora intestinal é absurdo. Ele ressalta que a ciência precisa se atualizar nesse campo e pesquisar as melhores cepas indicadas para cada distúrbio específico. "Estamos agrupando-os como se fossem o mesmo", alerta.