ilustração dos neurônios

Nas doenças neurodegenerativas, a microglia entra em ação, mas de forma a prejudicar a autofagia, o processamento de substâncias tóxicas que prejudicam o organismo

Gerd Altmann/Pixabay
Criar formas mais eficazes de tratar a demência desafia cientistas, e uma das frentes de pesquisa é usar remédios desenvolvidos contra outras enfermidades para frear a neurodegeneração. Uma pesquisa liderada pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mostra como o cérebro se livra de proteínas tóxicas que, em excesso, levam a casos de demência e que uma droga criada para o tratamento contra o HIV, o maraviroc, pode interromper esse processo de invalidação de neurônios.

O cérebro e o sistema nervoso central têm as próprias células imunológicas especializadas, conhecidas como microglia, que protegem contra materiais indesejáveis e tóxicos. Nas doenças neurodegenerativas, a microglia entra em ação, mas de forma a prejudicar a autofagia, o processamento de substâncias tóxicas que prejudicam o organismo.

A equipe britânica identificou um processo que faz com que a autofagia deixe de funcionar adequadamente no cérebro de ratos com doença de Huntington, que é degenerativa. A micróglia libera um conjunto de moléculas que ativam um interruptor na superfície das células. Quando ativado, esse interruptor, chamado CCR5, atrapalha a autofagia e, portanto, a habilidade do cérebro de se livrar das proteínas tóxicas. Ao usar o maraviroc nas cobaias, a função foi restaurada.

"A microglia começa a liberar esses produtos químicos muito antes de qualquer sinal físico da doença ser aparente. Isso sugere, tanto quanto esperávamos, que, se vamos encontrar tratamentos eficazes para doenças como a doença de Huntington e a demência, esses tratamentos precisarão começar antes que o indivíduo comece a apresentar sintomas", detalha, em nota, David Rubinsztein, autor principal do estudo, publicado na revista Neuron.
 
Segundo os autores, a droga anti-HIV funcionou no experimento porque a chave CCR5 também é usada pelo HIV como uma porta de entrada em células humanas. No experimento, ela foi administrada, durante quatro semanas, em camundongos. As cobaias submetidas ao tratamento experimental apresentaram uma redução significativa no número de substâncias tóxicas no cérebro. O efeito foi percebido em cobaias com doença de Huntington e demência.

No segundo caso, além de reduzir a quantidade de agregados da proteína tau, o remédio retardou a perda de células cerebrais. Os camundongos tratados tiveram melhor desempenho do que os não submetidos à terapia em um teste de reconhecimento de objetos, sugerindo que a droga retardou a perda de memória. "O maraviroc pode não ser a bala mágica, mas mostra um possível caminho a seguir", acredita Rubinsztein.
 
Para Fábio Aurélio Leite, médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, se aprovado para uso em humanos, o medicamento poderá ter um efeito significativo na qualidade de vida de pacientes e familiares. "Ele pode fazer com que as pessoas sejam tratadas de maneira preventiva, até mesmo antes que apareçam os sintomas", indica. "Normalmente, quando temos pacientes com quadro demencial, eles acabam sendo tratados depois que a doença já começou a se manifestar, em um quadro já instalado."