transtorno

Cerca de 6% da população mundial sofre do transtorno de personalidade borderline (TPB) e quase 10% dos pacientes diagnosticados no Brasil cometem suicídio, segundo estimativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Já o transtorno afetivo bipolar (TAB) acomete 140 milhões de pessoas no mundo, de acordo com a OMS

Anthony Tran/Unsplash


O DSM 5 é a sigla para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. O documento foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) para padronizar os critérios diagnósticos das desordens que afetam a mente e as emoções, os chamados transtornos mentais. E, conforme ele, existem mais de 300 tipos catalogados. No Janeiro Branco, mês dedicado a chamar a atenção para a saúde mental, vale destacar o transtorno de personalidade borderline (TPB) e o transtorno afetivo bipolar (TAB), ambos na lista de doenças mentais incapacitantes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
 
A psicóloga Renata Mafra Giffoni, coordenadora do curso de psicologia da Estácio BH, e o psicólogo clínico Thales Vianna Coutinho falam sobre os tabus em torno dos transtornos bipolar, borderline e da esquizofrenia. Tão importantes quanto a depressão e a ansiedade, são doenças que jamais devem ser ignoradas e precisam ser mais discutidas em razão de serem tão estigmatizadas, o que resulta em discriminação.
 
 
Cerca de 6% da população mundial sofre do transtorno de personalidade borderline (TPB) e, segundo estimativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), quase 10% dos pacientes diagnosticados no Brasil cometem suicídio. Já o transtorno afetivo bipolar (TAB) acomete 140 milhões de pessoas no mundo, conforme dados da OMS. No Brasil, cerca de 6 milhões de pessoas têm a doença, de acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB). Em relação à esquizofrenia, são aproximadamente 2 milhões de brasileiros com a condição, segundo dados da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Pessoas com Esquizofrenia (Abre).
 

"É preciso trabalhar com a sociedade para a necessidade de inclusão social, de desestigmatização da doença, de busca de tratamento e inserção" Renata Mafra Giffoni, psicóloga e coordenadora do curso de psicologia da Estácio BH

 
 
Antes de mais nada, Renata Mafra Giffoni destaca que transtornos mentais são um conjunto de sinais e sintomas que produzem alterações e sofrimentos psíquicos, afetando os estados emocionais, de pensamento e o agir. “Tais transtornos são estudados desde a psiquiatria clássica, a psicanálise, a psicologia e existem sistemas internacionais de diagnóstico e classificação, elaborados por pesquisadores e profissionais com expertise, que são o CID-11 (Código Internacional de Doenças – versão 11) e o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – versão 5). Os transtornos mentais podem ser causados por fatores psicológicos, biológicos e ou do desenvolvimento, podendo se apresentar de diferentes formas e graus – leve, moderado e grave. Podem acometer homens e mulheres e, geralmente, são manifestados no final da adolescência, início da vida adulta, a depender de cada quadro e cada caso.”
 
 
Giffoni explica que transtorno bipolar é uma condição que faz parte dos transtornos de humor ou do afeto. “No passado, era conhecido como ‘psicose maníaco-depressiva’ e consiste na alteração do humor, marcada por episódios de depressão e de mania (euforia). Vale ressaltar que depressão é diferente de tristeza. A tristeza é uma emoção básica, presente em todos os seres humanos, bem como a alegria. As crises de depressão e mania no transtorno bipolar são mais intensas. A depender do grau (leve, moderado ou grave) poderá afetar o cotidiano da vida, como o trabalho, a higiene pessoal, a alimentação e o sono, bem como as relações. A mania é um grado de exaltação, de euforia, de agitação. A pessoa pode se manifestar muito falante, com pouca criticidade, expondo assuntos íntimos, desinibição social e/ou sexual; aumento do gasto em dinheiro, como consequência de um provável 'delírio de grandeza'.”
 
O intervalo entre uma crise e outra pode variar, e a intensidade também. “Nesse intervalo, o paciente pode ficar assintomático e a variação dos episódios pode variar de uma pessoa para outra. Algumas podem ter mais ou menos episódios por ano. Como há intervalos assintomáticos entre os episódios, a procura por acompanhamento pode demorar e o diagnóstico e tratamento acabam sendo tardios.”

AUTODESTRUIÇÃO Já o transtorno de personalidade borderline, esclarece a psicóloga, também chamado de ‘transtorno de personalidade emocionalmente instável’, é mais frequente nas mulheres e, geralmente, começa a se manifestar no final da adolescência. “Personalidade é um conjunto de características psicológicas que determinam como a gente age, fala, sente, se relaciona com as outras pessoas. É a nossa 'identidade pessoal', e é ela que fala como vamos nos comportar diante da vida, responder aos problemas e a forma das reações a momentos específicos da vida e ao estresse. Um transtorno de personalidade ocorre quando, no meu jeito de ser, há sofrimento para mim e/ou para com quem convive comigo. É caracterizado por muita instabilidade de humor, muita hipersensibilidade, autoestima muito ruim (autopercepção muito negativa de si). Um padrão de relacionamentos conflituoso, tendência a se autodestruir. Comportamentos como impulsividade e ataques de fúria são frequentes.”
 
No borderline, a pessoa percebe a realidade com uma carga emocional tão grande que distorce a realidade. “Também pode se manifestar em diferentes graus: leve, moderado e grave. Nos graus leve e moderado, o indivíduo tem consciência e busca ajuda. Ambos sofrem muito. Quanto mais grave, menos insight, ou seja, menos consciência do que está ocorrendo. É possível identificar o tipo explosivo, em que ocorrem ataques de fúria e raiva e vem o arrependimento. E o tipo implosivo, em que ocorrem os mesmos sintomas, porém as reações são de autodestruição, automutilação, se drogar, se autoflagelar”, alerta a psicóloga. 
 
Renata Mafra Giffon

Renata Mafra Giffoni, psicóloga e coordenadora do curso de psicologia da Estácio BH

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 10/3/22
 

Diagnóstico pode ser confundido


Renata Mafra Giffoni avisa que o transtorno borderline pode ser confundido com o transtorno bipolar pelas alterações de humor, mas no primeiro há um sentimento permanente de que vai ser abandonado, vai ser sozinho. Frente à possibilidade de abandono real ou imaginário vem a instabilidade, a autoagressão e comportamentos de risco. O sentimento crônico de vazio leva à impulsividade, à falta de controle da raiva, muitas vezes desproporcionais. No bipolar, as oscilações de humor são em semanas, dias, em fases... no borderline, essas variações são em minutos, com frequências menores.
 
Para Giffoni, é fundamental destacar que “os transtornos mentais não têm cura, mas têm tratamento”. A psicóloga afirma que há muito estigma e discriminação com pessoas com transtorno mentais, o que é mais um grande obstáculo: “A história da loucura e os manicômios contribuíram para essa percepção social e é importante entender que pessoas com transtorno mentais não são necessariamente pessoas perigosas. É preciso trabalhar com a sociedade para a necessidade de inclusão social, de desestigmatização da doença, de busca de tratamento e inserção. De modo geral, os tratamentos são medicações, que variam de acordo com o transtorno e, por isso, o médico deve ser consultado, associados à psicoterapia. A depender do caso, a internação pode ser necessária e a participação em grupos de convivência. No Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) tem vários equipamentos de saúde que trabalham em rede para diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais”. 
 
A psicóloga enfatiza que, independentemente do tipo de transtorno, a ajuda deve ser procurada sempre que se identificar um dos sintomas já mencionados: “Não se deve achar que é frescura, que é exagero, que vai passar com o tempo. Observando sinais e sintomas que levam ao sofrimento psíquico, às alterações de comportamento, rupturas no modo de ser, pensar, agir e sentir, uma avaliação específica deve ser procurada, assim como qualquer outro problema de saúde”.
 

Três perguntas para...

 
AMR, pessoa diagnosticada com transtorno borderline (identidade preservada)
 
1 - Como se sente e quando percebeu que algo estava errado? 
Muitas vezes, ainda é difícil lidar comigo mesmo(a), ser eu, e saber que isso pode afastar pessoas de mim. Sempre tive atitudes impulsivas, fazia tudo que queria sem medo de me arrepender e não gostava de chorar na frente das pessoas. Tristeza sempre virava raiva. Mas isso tudo era normal para mim. Só percebi que tinha algo estranho quando entrei em um estado de não sentir nada, o que chamam de anedonia. Não tinha prazer nem no meu trabalho, que é algo que amo fazer. Achei que era uma depressão e fui ao psiquiatra.

2 - Quando você foi diagnosticado(a) com borderline?
Aos 28 anos, depois de um ano de tratamento. 


3 - Como foi feita a escolha do tratamento? Há quanto tempo recebe ajuda? Como vê a evolução do seu estado mental?
Antes de receber o diagnóstico, teve toda uma investigação para saber o que eu tinha. Quando foi falado, a escolha foi por um tratamento que primeiro estabilizasse o humor e os sintomas depressivos. Além de terapia, que confesso ainda ter dificuldade de seguir por um período longo. Já estou em acompanhamento há quatro anos e fui estimulado(a) a encontrar coisas de que gosto para além do trabalho, e a dividir isso com as pessoas, pois não tinha muitos amigos. Hoje, consigo falar um pouco mais de mim, comunicar de forma mais assertiva que algo não me agrada, em vez de ser agressivo(a). E o mesmo vale para sentimentos, como o amor. Consigo viver melhor, e o tratamento é fundamental. Abandoná-lo é entrar novamente em um ciclo de sentimentos, sejam de insegurança, dependência, abandono e outros que causam muito sofrimento.