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Estado de Minas REPORTAGEM Da CAPA

Cantinho da 'calma': um espaço para buscar tranquilidade

No momento da birra, é ativada uma parte do cérebro de sobrevivência, quando a criança fica reativa e com respostas motoras exacerbadas


25/09/2022 04:00 - atualizado 24/09/2022 18:14

birra
Psicóloga explica que a birra não representa uma vontade da criança de enfrentar, provocar ou irritar os pais - na verdade, ela sinaliza que está entrando em curto-circuito (foto: B17.ru/Divulgação)


O cantinho do pensamento ou da disciplina nada mais é do que uma forma de castigo sem maltrato físico, explica a enfermeira especialista em cuidado materno-infantil Marjorie Lobato. O método foi difundido no Brasil principalmente pela Supernanny, Cris Poli, no reality show que ficou famoso no SBT. Com o passar do tempo, cada vez mais, pondera Marjorie, muita coisa foi colocada em xeque.
"Sabemos que existe uma imaturidade que impede a criança de agir racionalmente e se organizar emocionalmente. Esperar que uma criança de 2, 3, ou 4 anos reflita sobre seus atos é a mesma coisa de pedir que ela dirija um carro: impossível", argumenta. "Você consegue se lembrar de como se sentia quando colocado de castigo? Ouso dizer que passava de tudo pela sua cabeça, menos o que seus pais queriam que você pensasse", continua.
 
 
A enfermeira Marjorie é mãe de Luiza, de 3 anos. Ela fala sobre a importância de ser exemplo para os filhos, e colocá-los isolados em um canto, em sua opinião, não os ensinará como agir. Muitas vezes, a tendência entre os pais é falar somente o que não fazer, em vez de mostrar o quê e como fazer. 
 
"Escuto muito as pessoas dizendo que foram criadas sendo colocadas no cantinho do pensamento e que foi ótimo, que  aprenderam a obedecer aos pais, mas essa obediência é adquirida por um preço bem caro. O que queremos ensinar a eles com isso?", questiona a enfermeira.  É muito comum, a especialista reforça, que, após o cantinho da disciplina, a criança sinta raiva e pense em formas de como retaliar, o que a leva inclusive a mentir, já que não quer repetir o castigo.
 
Marjorie esclarece ainda que a birra não representa uma vontade da criança de enfrentar, provocar ou irritar os pais – na verdade, está sinalizando que está em curto-circuito. E os motivos podem ser vários, como, por exemplo, a frustração por ter recebido um não ou simplesmente por não ter conseguido encaixar uma peça no brinquedo. "Importante é você saber que é ao sentir essas emoções que as liberações de hormônios são desencadeadas e assim eles se desorganizam. Vai demorar ainda um tempo para que a criança consiga nomear o que está sentindo e reagir de acordo", acrescenta.
 
No momento da birra, é ativada uma parte do cérebro de sobrevivência, quando a criança fica extremamente reativa e com respostas motoras exacerbadas – por isso se joga no chão, chuta, bate e se movimenta. "Tentar explicar com um sermão o motivo do 'não' é tão eficaz quanto falar para um bêbado que ele está dando vexame", compara. Nesses momentos, Marjorie ressalta que é importante estar perto, validar o sentimento, dizendo ao filho que entende o que ele está sentindo.
 
"Se conseguir, nomeie você mesmo a emoção, seja raiva, tristeza ou qualquer outra. O importante é estar por perto para ajudar a trazer o equilíbrio para aquele corpinho em descarga de adrenalina e cortisol. É fácil? Não, não mesmo, ainda mais quando os tapas recaem sobre nós. Mas esse é o momento de pensar que o cérebro maduro é o seu. Se nós, que somos adultos, nos sentimos desafiados por alguém com 3 anos, como podemos exigir equilíbrio e maturidade de uma criança?", questiona.
ESCOLHA A especialista cita o cantinho da calma, o que, a seu ver, pode ser uma boa alternativa. Esse cantinho, ela explica, deve ser escolhido com pais e filhos juntos, e não imposto. Funciona bem quando a criança já tem uma compreensão sobre combinados. Esse espaço serve para todos da casa. 
 
"É bem legal seu filho ver você indo até lá para se acalmar – mais uma vez, somos exemplos. Esse cantinho pode ter massinhas para serem apertadas, lápis e papel para desenhar e colorir, livros ou simplesmente almofadas, para ela bater", descreve Marjorie. Ter o canto da calma não significa, porém, que todos os  problemas acabaram e que, agora, a criança será um poço de tranquilidade.
 
Marjorie, mãe de Luiza
Marjorie, mãe de Luiza, fala sobre a importância de ser exemplo para os filhos e colocá-los isolados em um canto, em sua opinião, não os ensinará como agir (foto: Arquivo pessoal)
 
 
Dor emocional é similar à física  
 
Quando pais e filhos estão conectados, é mais simples entender as necessidades dos pequenos, o que também ajuda a evitar o estresse de uma birra. "Quando a criança se sente vista e amada, é liberada a ocitocina, hormônio do afeto, que favorece o crescimento e desenvolvimento neural", ensina.  
 
Outra coisa que todos os pais devem entender, diz Marjorie, é que a dor emocional é sentida pelos bebês e crianças da mesma maneira que a dor física – eles não conseguem discernir as duas coisas, e por isso parece que dói tudo – daí a birra, o chilique, o grito e o alvoroço. "É nessa hora de birra que nossos fi- lhos mais precisam de nós. É aí que estão desorganizados, com descargas de cortisol, precisando de equilíbrio", orienta Marjorie.
 
Marjorie entende, por outro lado, que não é fácil ficar tranquilo no momento da birra. "Tem dias em que nossa paciência está bem curta. Somos humanas, temos várias ou- tras tarefas e estamos esgotadas. Mas precisamos respirar fundo, pensar que o adulto somos nós e tentar retomar o controle da situação. Afinal, há um bebê no chão precisando de nós", diz.  
 
Na relação com a pequena Luiza, Marjorie admite que, assim como qualquer outra mãe,  experimenta seus perrengues. Para ela, conhecer sobre as limitações neurológicas da filha a faz ter mais paciência e empatia. 
 
"Mas uma noite maldormida, o cansaço extremo devido às múltiplas jornadas, me fazem perder a cabeça também. Há dias em que me sinto orgulhosa por conseguir contornar as situações, mas em outros me sinto o cocô do cavalo do bandido", brinca. E são nesses dias, ela avalia, quando percebe de forma mais evidente o tanto que criar a filha de uma maneira respeitosa faz diferença.
"A Luiza tem o tempo dela para digerir os acontecimentos e, quando se sente pronta, sempre me procura para conversar sobre o que aconteceu. Quando ela não consegue nomear o que sentiu, me pergunta: 'Por que eu falei aquilo com você? Por que eu fiz tal coisa?'. E sempre me faz refletir sobre minhas falas também: 'Por que você falou aquilo, você estava com raiva?'.” 
 
 


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