
Com isso, o placar do julgamento já está em 4 a 2 contra a tese defendida pelos ruralistas, que afirma que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Após o voto de Barroso, a sessão foi suspensa e o julgamento voltará na próxima quarta-feira (6).
Zanin acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, para reconhecer que os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades indígenas não estão limitados ao marco temporal.
Segundo Zanin, é impossível impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que têm a proteção da posse exclusiva desde o império, e, em sede constitucional, a partir de 1934.
O ministro afirmou que a Constituição de 1988 é clara ao dispor que a garantia de permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos destes povos.
Zanin também acompanhou o voto do relator na parte em que reconhece o direito à indenização das benfeitorias decorrentes das ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé, mas foi além. Para ele, também é preciso indenizar o valor da terra nua, em casos decorrentes de titulação indevida concedida pelo ente público ao particular de boa-fé.
Ele disse que responsabilidade civil não se restringe à União, alcançando o ente público que gerou os danos causados decorrente da titulação indevida, devendo ser aferida caso a caso.
O ministro também afirmou que os procedimentos de demarcação de terras indígenas devem receber tramitação célere e prioritária, em razão do atraso de 30 anos do Estado brasileiro em cumprir o compromisso de concluir a demarcação das terras indígenas cinco anos após a Constituição de 1988.
Do lado de fora do Supremo, pelo segundo dia seguido, indígenas acompanharam a votação por um telão. A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) pretende manter a mobilização em Brasília até o fim do julgamento e já se prepara para seguir na capital federal até a próxima semana, uma vez que a expectativa é que não seja formada maioria ainda nesta quinta.
Pelo telão, o grupo comemorou o voto de Zanin. Havia apreensão sobre como o novo ministro se manifestaria.
VOTOS ANTERIORES
O julgamento havia recomeçado com o voto do ministro André Mendonça, que se manifestou a favor da tese. Ele fez uma longa retrospectiva histórica sobre os locais ocupados pelos indígenas desde o século 16 e disse que caso o marco temporal seja derrubado "descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis".
"Essa hipótese, que por si só já me parece demasiadamente insegura, é ainda mais problemática na questão atual, no campo de uma viragem jurisprudencial", acrescentou.
Para ele, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria "qualquer perspectiva de segurança jurídica" a respeito das demarcações.
Pelo critério do marco temporal, indígenas que não estivessem em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las. Essa tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois segundo eles validaria invasões e violências cometidas contra indígenas antes de 1988.
Em junho, Mendonça havia pedido vista (mais tempo para análise) do processo e apresentou seu voto nesta quarta.
Ele só vota na discussão sobre a fixação de uma tese constitucional a respeito da validade do marco temporal, porque está impedido de julgar o processo de referência para o caso -um recurso da Funai contra decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a favor da reintegração de posse de uma área tratada como de tradicional ocupação indígena em Santa Catarina.
Isso porque ele atuou, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), como advogado-geral da União nesse processo específico, e defendeu a tese que restringe as demarcações de terras indígenas.
Também votaram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, e a favor o ministro Kassio Nunes Marques.
Relator do processo, Fachin foi o primeiro a votar e refutou a tese do marco temporal, ainda em 2021. Ele disse que a teoria desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição.
Para o ministro, a proteção constitucional aos "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam" não depende da existência de um marco. Já Kassio Nunes Marques reafirmou o marco temporal.
Alexandre de Moraes votou contra a tese, mas propôs mudanças em relação à indenização que deve ser paga pela União a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.
Segundo Moraes, se não houver esbulho (usurpação da posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição, a União deve indenizar previamente o proprietário de terra localizada em ocupação tradicional indígena, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária.
COMO JÁ VOTARAM OS MINISTROS DO STF SOBRE O MARCO TEMPORAL
Placar está 4 a 2
CONTRA
Edson Fachin
O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam".
Alexandre de Moraes, com tese divergente
O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras -como no caso da Raposa Serra do Sol-, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para que o território fosse delegado aos indígenas.
Cristiano Zanin
Indicado por Lula disse que está na hora de aprimorar a interpretação constitucional acerca do tema, "reconhecendo-se de forma explícita o acolhimento da teoria do indigenato e proibindo-se qualquer retrocesso que reduza a proteção constitucional aos povos originários".
A FAVOR
Nunes Marques
Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele seguiu o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo
André Mendonça
O ministro defendeu que, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria "qualquer perspectiva de segurança jurídica" a respeito das demarcações. "Descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis", declarou.