
Ao encaminhar o caso para a PF dois dias depois do primeiro turno, Torres alegou existir um "histórico de erros absurdos" dos institutos que influenciaria o resultado das eleições.
As investigações da PF foram suspensas pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que apontou:
- a falta de justa causa para a investigação;
- a ausência de competência da PF para conduzir o caso.
O pedido de acesso feito pelo UOL pedia a íntegra da representação na qual o ministro afirmou que baseou seu despacho à PF. A solicitação foi inicialmente negada pelo governo, que alegou sigilo.
No entanto, após recurso feito pela reportagem, também por meio da LAI, a gestão disse que não havia razão legal para impedir o acesso aos registros.
Por que esses documentos são importantes?
- Porque demonstram que um ministro do governo atendeu a um pedido feito pela campanha de Bolsonaro, então candidato à reeleição, para investigar institutos de pesquisa eleitoral;
- O ataque aos institutos alimentou a narrativa de Bolsonaro e seus aliados no segundo turno das eleições;
- Torres disse publicamente que o documento apontou "condutas" que caracterizariam a "prática de crimes" dos institutos, mas a representação tinha somente uma planilha com o resultado de pesquisas em comparação com o resultado das urnas;
- A representação de Valdemar somente mencionou pesquisas que davam Lula na frente de Bolsonaro, ignorando institutos que pregavam vitória de Bolsonaro.
Integrantes do Ministério Público Federal e da PGR consultados reservadamente pelo UOL, além de especialistas em direito penal, veem como atípica a conduta de Torres e possível "dobradinha" de Valdemar com o ministro. Valdemar só citou pesquisas com Lula na frente.
A representação assinada pelo presidente do PL pedia uma investigação contra institutos de pesquisa sobre as divergências entre os votos recebidos por Bolsonaro e as intenções de voto divulgadas nos dias anteriores. O documento foi entregue ao Ministério da Justiça em 3 de outubro -um dia depois do primeiro turno.
"É consabida a importância que as pesquisas eleitorais têm no processo eleitoral, bem como a absoluta e efetiva influência que possuem nos eleitores, sobretudo naqueles ainda indecisos", afirmou Valdemar.
O presidente do PL poupou no pedido institutos de pesquisa que davam Bolsonaro na frente de Lula, como a Brasmarket, cenário que não se confirmou nas urnas. Estratégia semelhante foi adotada pela campanha eleitoral ao questionar os institutos no TSE, como mostrou o UOL em outubro.
O documento também não traz nenhuma prova de atuação dos institutos de pesquisa para prejudicar Bolsonaro. O pedido só anexou uma planilha com a diferença entre as pesquisas de nove institutos e a porcentagem de votos recebida pelo presidente no primeiro turno.
Foram citados os seguintes institutos: Ipec, DataFolha, Ipespe, Quaest, Atlas, PoderData, Ideia, MDA e Paraná Pesquisas.
Torres criticou institutos ao cobrar investigação. Após receber a representação de Valdemar, o ministro expediu um ofício diretamente ao diretor-geral da PF, Márcio Nunes de Oliveira.
O assunto: encaminhava o pedido de Valdemar para que fosse conduzida "competente investigação" de crime de divulgação de pesquisa fraudulenta -que pode levar a prisão de 6 meses a 1 ano, além de multa de R$ 100 mil. O ministro da Justiça ainda apontou no documento, sem apresentar provas, que "não é de hoje" que se discute "erros crassos e em série" cometidos por "alguns institutos de pesquisa".
Torres ainda deu exemplos de que as pesquisas teriam falhado ao captar votos nas disputas regionais -em todos os casos, porém, ele só mencionou aliados do governo.
Os casos foram:
O desempenho do ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), que foi para o segundo turno contra Fernando Haddad (PT), que liderava as pesquisas para o governo de São Paulo;
A reeleição em primeiro turno do governador Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro; A eleição do ex-ministro Marcos Pontes (PL) ao Senado por São Paulo;
A eleição do vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) ao Senado pelo Rio Juristas veem atuação incomum e possível "dobradinha" Os especialistas avaliam que a conduta de Torres é incomum e foge do padrão que se espera do titular da Justiça.
Embora o ministro possa -e até deva- encaminhar representações à PF, essas situações são consideradas excepcionais e não enquadram o caso das pesquisas eleitorais.
Além disso, apontam que Torres exprime a opinião sobre o caso, apontando "erros grosseiros" mas sem que a representação ou seu ofício apresentem elementos mínimos de prova.
"Ele carrega na tinta, ele extrapola e dá um norte. Ele está flagrantemente querendo conduzir a investigação, dando a linha para que a Polícia Judiciária atue. Nisso, ele atua com abuso de poder", diz Wálter Maierovitch, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor de direito processual e penal e colunista do UOL.
Para o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, "não é uma atitude comum". Na sua avalição, o PL também poderia ter procurado outro órgão, e não o Ministério da Justiça, para apresentar a representação.
"O presidente do partido político bem poderia dirigir-se diretamente à Superintendência da PF", diz Claudio Fonteles, ex-PGR.
O advogado criminalista Davi Tangerino, professor de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), diz que, ao procurar o Ministério da Justiça, Valdemar poderia ter buscado dar mais peso ao pedido de investigação, diferentemente do que poderia ocorrer se fosse diretamente à PF ou ao MP.
"Foram bater na porta do ministro da Justiça porque sabiam que esse seria o caminho ideologicamente falando mais tranquilo, não tenho dúvidas", diz Davi Tangerino, advogado criminalista
Ele pondera, porém, que a manobra não é irregular. E o que Torres e Costa Neto têm a dizer? A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça, que não respondeu às perguntas até a publicação deste texto.
O UOL também enviou e-mail ao PL e procurou contato com Valdemar Costa Neto por meio de assessores do presidente do partido, mas não teve resposta.