
Pietra representou a UFMG no projeto "Democracia, Cidadania e Justiça ao Povo Maxakali”, desenvolvido pela comunidade em parceria com o Tribunal de Justiça (TJMG) e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG), de Minas. Durante o último fim de semana, foram desenvolvidas ações de inclusão em aldeias indígenas nas cidades de Santa Helena e Bertópolis.
Quando regressava a Belo Horizonte, Pietra começou a explicar a respeito do projeto para um passageiro e teve a conversa interrompida por um homem de 35 anos, que questionou a ação como se ela fizesse parte do programa eleitoral do candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Ele perguntou algo como: ‘mas vocês estão levando essa coisa de urna eletrônica para os índios: isso para o Lula vencer as eleições?’. Eu respondi que as urnas são seguras, que o projeto buscava dar mais autonomia para os indígenas escolherem seus candidatos e exercerem o voto e que não indicamos voto a candidato nenhum durante o projeto”, disse a mestranda.
De acordo com o relato, o homem seguiu argumentando agressivamente sobre o projeto e suas supostas pretensões eleitorais, e outros passageiros entraram na discussão tentando dissuadi-lo.
Insinuação machista
Pietra contou que tentou intervir para mediar a situação enquanto o homem discutia com um idoso, mas não teve sucesso.
“O homem ficou irritado comigo e me falou que estava humildemente se colocando em posição de aluno, que estava querendo apenas que o senhor o ensinasse sobre política. Eu insisti que aquela não era a ocasião, que ele tem todo direito de aprender, mas que ninguém tem obrigação de atuar como professor dele, ainda mais naquelas condições. Para minha surpresa, o homem começou a gritar comigo: ‘então vai tomar no seu c*, sua vagabunda, metida a sabe tudo, comunista, enfia a urna no seu c*, você vai afundar o país com aquele ladrão do Lula, vai se f*’”, relata.
Pietra conta que ficou assustada com os xingamentos, mas reforçou que o homem estava sendo inconveniente, ao que ele respondeu dizendo: “Vai dormir então, mulher, e me deixa em paz. Quer vir dormir no meu colo? Aqui no meu colo você não vem não”. Ela disse que, se sentindo vulnerável pela insinuação machista, foi até o motorista do ônibus para relatar o problema.
O motorista pediu que o homem mudasse de poltrona, mas ele se recusou. Na primeira parada do ônibus, na cidade de Pavão, o motorista acionou a Polícia Militar (PM). O homem foi retirado do veículo, que seguiu viagem sem o agressor.
À reportagem, Pietra Vaz disse que não prestou queixa por injúria. Embora tenha se sentido ofendida e amedrontada, ela ficou mais tranquila pelo homem ter sido expulso do ônibus. “Foi uma experiência horrível, desgastante e que me deixa com medo dos acontecimentos no país nos próximos meses. Um ataque gratuito, motivado pela desinformação e pelo extremismo político que gera intolerância e faz as pessoas perderem a capacidade de se comunicar sem agredir”, relatou.

Atividades suspensas
Diante do ataque, a professora da Faculdade de Direito da UFMG e coordenadora do Observatório da Qualidade da Lei, Fabiana de Menezes Soares, informou que as atividades presenciais de membros do grupo estão suspensas. À reportagem, ela manifestou seu repúdio ao ocorrido no último domingo.
“Ela sofreu um ataque porque foi vista como uma pessoa que defende as instituições democráticas. A UFMG é uma instituição com alcance enorme e história na defesa da democracia, e nunca sofremos esse tipo de ataque, que tem um forte conteúdo misógino e aconteceu em um ambiente fechado, em que ele poderia ter partido para as vias de fato”, disse a professora.
Fabiana de Menezes ressaltou que o trabalho do Observatório da Qualidade da Lei e do projeto "Democracia, Cidadania e Justiça ao Povo Maxakali” é republicano e apartidário. A professora também disse que é importante que as instituições se manifestem repudiando atos violentos que atrapalham o acesso à democracia.
“Nós trabalhamos com linguagem simples em legislação e na difusão de textos normativos, então esse projeto para nós é um case brasileiro. Ele mostra a importância de existir uma aproximação da linguagem oficial, até mesmo com outras línguas, que é o caso do povo Maxakali. Agora temos que saber que tipo de medida o TRE e o TSE estão tomando para garantir que esses tipos de ataque não aconteçam”, apontou.
TRE
Em nota enviada à reportagem, o TRE-MG lamentou o episódio de agressão e ressaltou que o diálogo, a tolerância e o respeito a quem tem opiniões e preferências diferentes são fundamentais para a democracia.
O tribunal ainda deu detalhes sobre as atividades desenvolvidas no último fim de semana: "A votação simulada na urna eletrônica, que já tinha tido a sua primeira edição nos dias 21 e 22 de maio de 2022, contou com sistema de treinamento na língua Maxakali e elementos da cultura indígena representando os candidatos fictícios, divididos em três partidos (grandes animais, pequenos animais, animais que voam). O objetivo era familiarizar a comunidade com a urna eletrônica, visando uma melhor preparação para as Eleições 2022".
O projeto
Parceria entre TJMG, TRE-MG e a comunidade Maxakali, o projeto "Democracia, Cidadania e Justiça ao Povo Maxakali” também conta com o apoio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Defensoria Pública Estadual (DPMG), a Polícia Civil (PCMG) e a UFMG.
No último fim de semana, o projeto promoveu ações de fortalecimento da autonomia cidadã dos indígenas, e um dos objetivos foi aproximar a comunidade da tecnologia da urna eletrônica para promover a participação nas eleições gerais deste ano. As abordagens incluem a simulação de pleitos e a tradução de conceitos básicos sobre o tema para a língua maxakali.
