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Estado de Minas UMA VITÓRIA PARA LÍVIA

Bolsonarista é condenado por fake news que liga mulher à facada de Adélio

''Meu rosto foi vinculado a um crime. Agora, quero que minha imagem e meu nome sejam associados a uma justiça que foi feita'', diz vítima


20/05/2022 11:34 - atualizado 21/05/2022 17:07

Após Lívia Gomes Terra ser alvo de uma falsa acusação de crime feita pelo engenheiro Renato Henrique Scheidemantel, a sindicalista começou a ser atacada nas redes sociais
Após Lívia Gomes Terra ser alvo de uma falsa acusação de crime feita pelo engenheiro Renato Henrique Scheidemantel, a sindicalista começou a ser atacada nas redes sociais (foto: Arquivo Pessoal/Redes Sociais)

Acusada de ser a mulher que passou a faca para Adélio Bispo cometer o atentado contra o então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro, a bancária e sindicalista de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Lívia Gomes Terra, de 41 anos, obteve uma importante vitória junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O engenheiro carioca e bolsonarista Renato Henrique Scheidemantel, de 53, foi condenado por calúnia após publicar em suas redes sociais que Lívia teve participação na tentativa de homicídio do presidenciável.
 
Em 8 setembro de 2018, dois dias após o atentado contra Bolsonaro, a bancária foi surpreendida com uma publicação feita por Renato no Facebook que continha suas fotos, expondo-a como coautora da ação criminosa. Logo, o juiz da 27ª Vara Criminal do TJRJ, Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, entendeu que a “materialidade restou positivada” e aplicou uma pena de 10 meses e 20 dias de detenção, conforme consta na sentença assinada na última sexta-feira (13/5).
 
No entanto, a pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direitos – ou seja, uma conversão à prestação de serviços comunitários que serão determinados por um juiz da execução penal. Vale dizer que a branda condenação se deve ao fato de o crime ter sido praticado antes da criação do popular “pacote anticrime” definido nas diretrizes da Lei 13.964/2019. Com a nova legislação, os delitos virtuais passaram a ter pena mínima de 1 ano e 6 meses a 5 anos.

Conforme consta na decisão judicial, o engenheiro disse que seu perfil no Facebook foi invadido em 6 de setembro – alegação que foi refutada pelo juiz Flávio Itabaiana ao pontuar que Renato “continuou a postar diariamente” após o episódio. “Cumpre salientar que o querelado não efetuou nenhuma postagem subsequente para tentar diminuir o alcance destrutivo de sua postagem na vida da querelante”, afirma o juiz. 

“Impende salientar que não há que se falar em erro de tipo escusável na conduta daquele que, como engenheiro, possuía plena capacidade para distinguir e evitar a falsa percepção da realidade acerca dos elementos constitutivos do tipo penal em comento, agindo com a nítida vontade de obter um resultado determinado, vale dizer, de caluniar”, complementa o magistrado.

Virais de ódio nas redes

Em entrevista ao Estado de Minas na noite de quinta-feira (19/5), Lívia Gomes Terra lembra que após a publicação criminosa do engenheiro nas redes sociais, uma forte onda de ódio começou a se formar. “Com a exposição do meu rosto e nome ficava fácil me achar. Então, as pessoas entravam no meu perfil, pegavam outras fotos e faziam outras postagens [com as acusações]. Em poucas horas, a publicação dele [Renato] ganhou muitos compartilhamentos. Acabou que perdi a noção do tamanho que a coisa toda tomou”, conta.
 
Conforme a sindicalista, foram cerca de dois meses de ostensiva circulação de notícias falsas. Nesse sentido, a situação ganhou novos contornos e ficou mais grave quando correntes começaram a circular no WhatsApp com detalhes da vida pessoal e profissional da vítima. “Fizeram uma pesquisa sobre mim e expuseram que eu trabalhava na Caixa e inventaram até que meus pais eram militantes da esquerda. Meu número de telefone foi divulgado e, então, também recebi muitos ataques em mensagens privadas”, inicia.
 
“Descobriram ainda que, na época, eu era diretora da Federação dos Bancários do estado de Minas e do Sindicato dos Bancários de Juiz de Fora, que, inclusive, foi acusado de pagar os honorários do advogado do Adélio. Foi preciso colocar seguranças lá na porta, pois os sindicalistas passaram a correr riscos”, afirma.

Ansiolíticos, antidepressivos e terapia

Entre ameaças de morte e agressões verbais violentas diárias, Lívia diz que não teve condições de acompanhar tudo o que falavam contra ela devido ao alto fluxo dos ataques e ao abalo emocional ao qual foi submetida. “Só quem é vítima desse ódio é que consegue entender o que eu senti. É difícil colocar em palavras. Foi assustador!”, desabafa.
 
“Durante esse período, eu só saía à rua acompanhada para não correr riscos, mas, mesmo assim, acabei desenvolvendo pânico de sair de casa e transtorno de estresse pós-traumático. Foram quatro anos em que tive muitos momentos depressivos profundos e crises de ansiedade. Eu só conseguia sair para trabalhar e, mesmo assim, depois de passar muito mal. Houve vezes [no meio do trajeto] de ter que sair do carro para vomitar”, detalha.
 
Indagada sobre como avalia a decisão da Justiça, a bancária e sindicalista diz que “a sentença chegou tarde, mas é muito bem-vinda”. “É o início do fim de tanto sofrimento, mas não me cura, pois ficou um abalo psicológico muito grande. Ainda dependo de ansiolíticos, antidepressivos e terapia para lidar com as consequências que toda essa mentira me trouxe”, reflete Lívia, destacando que, na sua concepção, “a sentença assume caráter educativo”.
 
“Fui vinculada a um crime de repercussão nacional e que entrará para a história do Brasil. A internet não é uma terra sem lei e não podemos continuar vivendo num país em que as pessoas se sintam à vontade para fazer tanta crueldade por meio da internet. Por isso, faço questão que minha vitória na Justiça se torne pública. Anteriormente, meu rosto foi vinculado a um crime. Agora, quero que minha imagem e meu nome sejam associados a uma justiça que foi feita.”
 
Segundo Lívia, para muitas pessoas a sentença dada pode parecer pouco expressiva, mas, na visão dela, “ser condenado, mesmo sem cumprir pena, é muito”. “Ele não vai ter agora um certificado de bons antecedentes criminais e caso cometa algum outro crime, já não será mais réu primário”, finaliza.
 
Sem advogado particular, Renato Henrique Scheidemantel foi representado no processo pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro. À reportagem, a assessoria da instituição do estado disse que não vai se pronunciar a respeito da condenação. O Estado de Minas também tentou contato com o engenheiro, mas não obteve retorno até o fechamento desta publicação.


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