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Estado de Minas GOVERNO

Decreto das relicitações frustra empresários que investiram alto

Para especialistas em infraestrutura, decreto que autoriza devolução de concessões que não cumpriram obrigações deixou muito a desejar


postado em 25/08/2019 06:00 / atualizado em 25/08/2019 07:41

Trecho administrado pela Via 040: empresa foi a única, até agora, a aderir o decreto de devolução amigável da concessão
Trecho administrado pela Via 040: empresa foi a única, até agora, a aderir o decreto de devolução amigável da concessão

Brasília – Aguardado por mais de dois anos por concessionárias com dificuldades financeiras e sem condições de honrar os contratos, o decreto das relicitações chegou tarde demais e frustrou as expectativas. A regulamentação da Lei 13.448 de 5 de junho de 2017, que autoriza devolução de concessões que não cumpriram obrigações, só saiu em 6 de agosto de 2019 e, na opinião dos especialistas em infraestrutura, deixou muito a desejar, sobretudo, para empresas que fizeram investimentos substanciais. Isso, explicam os analistas, porque a forma como a indenização será feita, calculada pelas agências reguladoras competentes e paga pelos vencedores da relicitação, não dá segurança jurídica.

Por isso, a Invepar, responsável pela Via 040, que administra 936 quilômetros, entre Brasília e Juiz de Fora (MG), foi a primeira concessionária – e única – a protocolar, nesta semana, junto à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), o pedido de adesão ao processo de devolução amigável. As demais (veja quadro) ainda estudam o decreto.

Companhia que tinha manifestado interesse, a Aeroportos Brasil Viracopos, administradora do terminal de Campinas (SP), entrou em recuperação judicial neste meio tempo. O que se resolveria em 2017, pode não ter eficácia agora, porque, com o socorro da Justiça, conseguiu suspender cobrança de multa e de outorga e deve aprovar o plano para equacionar suas dívidas. Ainda por cima, o decreto não deixa claro se quem está em recuperação judicial pode aderir ou terá que abrir mão do plano.

''Lamentavelmente, isso (decreto das relicitações) ocorreu três anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O país passou por um período turbulento da economia. Houve estrada, no Rio de Janeiro, por exemplo, em que o fluxo caiu 40%''

César Borges, presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias


A demora para a lei virar decreto foi causada justamente pela divisão entre os técnicos do governo sobre como calcular a indenização aos concessionários antigos pelos investimentos realizados. Acabou prevalecendo a posição do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, que considera os investimentos não amortizados para ressarcir as concessionárias. Como a alternativa – um processo de caducidade da concessão – é o pior dos mundos, o governo aposta que interessados aparecerão, mesmo que as condições do decreto sejam contestadas por empresários e especialistas.

Os administradores das rodovias da chamada terceira etapa de concessões do governo Dilma Rousseff são os principais interessados no decreto. Isso porque a recessão econômica levou ao não cumprimento das metas. Os contratos foram projetados para um movimento nas estradas que não se confirmou após a crise. As empresas pediram reequilíbrio econômico-financeiro para adequar as exigências à real movimentação nas rodovias concessionadas. Contudo, os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), feitos com base em projeções superestimadas, foram suspensos. Além disso, os consórcios vencedores tinham entre os sócios grandes construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato.

'Melhor que nada' Para o presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), César Borges, o decreto saiu e isso é melhor do que nada. “Lamentavelmente, isso ocorreu três anos depois de os problemas se agravarem, em 2016. O país passou por um período turbulento da economia. Houve estrada que o fluxo caiu 40%”, assinala.

Borges explica que a regulamentação cria uma série de obstáculos até chegar à relicitação. “É preciso a concordância de ambas as partes, poder concedente e concessionária. No caso, ANTT e empresa. Só que a agência não faz isso sozinha. A concessionária faz a proposta à ANTT, vai para o Ministério da Infraestrutura, ao PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) e depois à Presidência da República. Só então, aprovada a devolução, se faz um termo aditivo. Nisso aí vão dois anos”, diz.

O presidente da ABCR diz que o decreto não avançou porque não define exatamente como será a indenização dos bens reversíveis que não foram amortizados. Borges acrescenta que a ameaça de caducidade por parte do governo pode empurrar as empresas para a judicialização. “A caducidade é uma possibilidade, mas não é algo que o governo imponha, porque o outro lado, achando que será penalizado, vai acabar no Judiciário, o que é uma solução muito ruim. Os maiores prejudicados são o usuário, porque está pagando pedágio sem serviço, e o Brasil, por conta da falta de infraestrutura adequada”, alerta. “Essa ameaça é a pior saída.”

Sem acordo, sustenta Borges, o imbróglio só vai aumentar. “Com o apagão das canetas, as decisões têm sido proteladas”, revela. O advogado Murilo Jacoby Fernandes  explica que as autoridades têm medo de assinar documentos, como os aditivos de reequilíbrio econômico-financeiro, porque essas decisões envolvem valores muito altos. “Como é tudo na casa dos milhões, o apagão das canetas acaba levando à judicialização”, esclarece.

Limitação de prazo é um dos problemas 


No entender de Fernando Marcondes, sócio da área de infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, o decreto das relicitações decepcionou. “Esperava-se que fosse mais flexível. O decreto parece que não quer que as coisas aconteçam. A expectativa era que houvesse possibilidade de prazo maiores e participação mais efetiva do governo, oferecendo condições melhores de proteção”, avalia.

O especialista Maurício Zockun, do escritório Zockun Advogados, compartilha da opinião. “Foi um caroço de angu. Não saiu do jeito que se imaginava”, afirma. Ele destaca que o problema maior são as indenizações. “Qual o valor dos investimentos não amortizados? Isso vai ficar a cargo da agência reguladora, o que não dá muita segurança. Além do mais, a empresa que ganhar a relicitação fica obrigada a pagar os valores da antiga concessão. Que concessionário vai aceitar isso?”, questiona.

Outro grande obstáculo, segundo ele, foi que o decreto deveria atender a concessões problemáticas. “No caso de Viracopos, havia expectativa que a movimentação atingiria um volume muito maior de usuários, foi tudo feito com projeção superestimada. Houve problema de caixa, entraram em recuperação judicial”, assinala. “Também atingiu inúmeras rodovias, porque se imaginava que o número de usuários justificaria as contrapartidas”, lembra.

Para as concessionárias que não fizeram investimentos substanciais, vale a pena entregar, analisa o advogado. “Nas demais, que estão com concessões maduras, a discussão vai além, porque precisam renunciar ao pleito de reequilíbrio. Se há falha no empreendimento, terá de recuperar, porque senão pode levar à caducidade”, alerta. As relicitações também devem demorar para ocorrer, pontua Zockun. “Estão condicionadas a passar pelo PPI, que tem de qualificá-las. Isso vai demorar pelo menos uns dois anos. O horizonte é longínquo”, assinala.

Lado positivo Nem todos especialistas acham o decreto ruim. Miguel Neto, sócio do Miguel Neto Advogados, pondera que muitas concessionárias estavam esperando pelo decreto. “Demorou a sair, porque tentou, de alguma maneira, colocar ali dentro todas as necessidades. Acho que o mercado vai enxergar muito bem”, opina. “A regulamentação deixa na mão das agências reguladoras a decisão sobre quanto o detentor de uma concessão problemática deve receber sobre o que já foi investido. Isso não é uma penalização para as empresas. Provavelmente, não serão indenizadas de tudo, mas não vão ficar sem nada”, diz. “O decreto vai ajudar a negociação que já existe entre as interessadas em devolver e quem quer relicitar”, aposta. (SK)
 


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