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Estado de Minas OPINIÃO

A prisão antes do fim do processo e a constituição

Não se pode imaginar ser indispensável aguardar o trânsito em julgado, por "anos a fio", para só então prender alguém que a prova contundente dos autos revelou ser um maníaco, o chefão do tráfico, um serial killer (...)


postado em 03/04/2018 08:23 / atualizado em 03/04/2018 08:37

Ultimamente, ante a iminente prisão de Lula, esse é o assunto que praticamente domina o noticiário, as redes sociais, os encontros de família e as mais diversas conversas travadas pelos brasileiros.

As opiniões dos rábulas de plantão estão, contudo, impregnadas com paixões políticas e ideológicas e trilham caminhos tortuosos, que, na verdade, passam ao largo de um debate jurídico técnico e sério.

A questão é realmente complexa, pois envolve princípios jurídicos de ordem constitucional e penal, bem como o senso comum da população, perplexa diante da clara sensação de insegurança e de impunidade, indefesa diante dos estratosféricos índices de corrução, violência e criminalidade em geral.

Não se olvida da existência de entendimentos abalizados, da lavra de juristas de escol, que defendem a impossibilidade da prisão antes do trânsito em julgado.

Baseiam-se, com fervor, no inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna que dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

No entanto, d.m.v., ousamos discordar de tal posicionamento.

É que o dispositivo acima transcrito não trata de prisão e sim da declaração judicial acerca da culpa, essa sim só possível ser reconhecida, de forma definitiva, após o “trânsito em julgado”, ou seja após esgotados todos os prazos dos recursos possíveis.

Contra tal argumento, objetam no sentido de que só se poderia prender alguém que for considerado culpado, após o trânsito em julgado.

Entretanto, após vasculhar todo o texto constitucional nota-se que isso não está previsto em lugar algum da Carta, sendo, d.v., interpretação extensiva e subjetiva da norma.

Quisesse a Constituição prever tal situação, diria: ninguém será preso até o transito em julgado de sentença penal condenatória.

Aliás, quando a Carta Magna quis tratar da prisão e da privação da liberdade o fez sem rodeios, de forma direta, clara e específica, como se vê dos incisos LIV, LXI a LXVII, do mesmo artigo 5º.

Assim, não se podem tomar as expressões “culpa” e “prisão” como sinônimas.

 Tal interpretação distorcida conduziria, por simples lógica, à conclusão de que toda e qualquer prisão só seria possível após o trânsito em julgado, o que inviabilizaria, por exemplo, a prisão preventiva e a provisória ou temporária, todas de natureza cautelar, que, por óbvio, ocorrem antes do trânsito em julgado.

É que nem a prisão em segunda instância, nem a preventiva ou provisória são excepcionadas no inciso LVII, o que, por si só, mostra ser descabido tomar como absoluto o princípio de se exigir o trânsito em julgado como condição sine qua non (indispensável) para a decretação de prisão .

Tal exegese colide, inclusive, com o senso comum.

Não se pode imaginar ser indispensável aguardar o trânsito em julgado, por “anos a fio”, para só então prender alguém que a prova contundente dos autos revelou ser um maníaco, o chefão do tráfico, um serial killer, um terrorista, ou alguém que adentra a uma escola, shopping ou cinema e mata sem piedade dezenas de pessoas.

Ao contrário, longe de exigir trânsito em julgado, a Carta Magna, quando trata especificamente de prisão (inciso LXI do mesmo art. 5º), apenas prevê que ela deve decorrer de “flagrante delito” ou de “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” , não limitando sequer o grau de jurisdição.

Não se trata, ademais, como muitas vezes se prega, de direito universal ou intangível.

Ao contrário, nas principais democracias do mundo a prisão pode ocorrer em primeiro ou segundo grau, como por exemplo na Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França e Espanha.

Nesse mesmo sentido, há longas décadas, nosso Judiciário e o Supremo Tribunal Federal vêm entendendo ser possível a prisão após o 2º grau, antes, portanto, do trânsito em julgado, como se vê do acórdão prolatado à unanimidade no Habeas Corpus nº 68.726/DF (DJ de 20/11/1992).

Aliás, sob o prisma histórico, somente em curtíssimo período, entre 2010 a 2016, cogitou-se do contrário, retornando, no entanto a Suprema Corte, em 2016, ao entendimento anterior proclamado pelo Pleno do STF, nas ADC nº 43 e 44, em decisão de repercussão geral, que vincula todos os juízes e tribunais inferiores, tal como, na semana passada , decidiu o STJ à unanimidade (5 x 0), no julgamento do habeas corpus impetrado por Lula.

Nesse exato sentido, o ministro Edson Fachin, em um dos emblemáticos julgamentos sobre o tema, asseverou: “em 21 anos dos 28 que hoje completa a Constituição, vigorou essa compreensão”.

E se analisarmos o período anterior à Constituição em vigor chegaremos a idêntico resultado, pois vigia, à época, o princípio insculpido no art. 594, do Código de Processo Penal, que, desde 13/10/1941 determinava o recolhimento do réu à prisão como condição para interposição de recurso.

A lógica da prisão após o 2º grau é simples, pois, como o exame dos fatos e das provas esgota-se nessa instância, é bastante improvável a absolvição do réu.

Pesquisa realizada há poucos meses, pela Coordenadoria de Gestão da Informação do STJ, revela que em apenas 0,62% dos recursos interpostos houve reforma da decisão de segunda instância para absolver o réu.

Assim, sopesando-se os princípios de direito, a balança, que no início do feito pende em prol do acusado, ante o princípio in dubio pro reo, passa a pesar em prol da sociedade, evitando-se a eternização dos processos, dos recursos e a certeza da impunidade, que retroalimenta a criminalidade avassaladora, que assola nosso combalido Brasil.

Pode-se objetar com o argumento de que, ainda assim, há risco de prisão de um inocente.

Realmente ele existe já que a Justiça é imperfeita e falível.

Contudo, novamente a lógica volta-se contra o próprio argumento ao lembrarmos que tal risco decorre de todo e qualquer tipo de prisão, seja ela preventiva, provisória, ou mesmo a definitiva após o trânsito em julgado.

A mídia noticia, contudo, a pressão que vem sofrendo a Suprema Corte no sentido rever seu entendimento, agora para somente permitir a prisão após decisão do STJ.

 Se isso realmente ocorrer, mais uma vez a lógica será sacrificada, d.m.v. .

Ora, contra decisão do STJ também é possível interpor recurso para o STF (art. 102, III da CF/88) e, com isso, continuaria a ser admitida pelo Supremo a prisão antes do trânsito em julgado.

De tal fato resulta, inexoravelmente, a conclusão lógica de que o inciso LVII do artigo 5º da CF/88 não possui a exegese que pretendem lhe emprestar, já que igualmente permitiria a prisão antes do trânsito em julgado.

Então, se a prisão em 2º grau não fere inciso LVII do artigo 5º da CF/88, por que “cargas d’água” estaria o Supremo a decidir sobre a quaestio se, pelo mesmo art. 102 da própria Carta Magna, só lhe é possível decidir acerca de questão que ofenda diretamente a Constituição Federal?

Com a palavra a Suprema Corte.

* João Batista Pacheco Antunes de Carvalho é advogado e professor de Direito


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