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Estado de Minas

Inadimplência cria mercado de precatórios em Minas

Demora do poder público para pagar dívidas reconhecidas pela Justiça leva credores a vender crédito a financeiras com deságio de até 60%. Mas especialistas não recomendam


postado em 12/03/2018 06:00 / atualizado em 12/03/2018 07:21

(foto: Arte/Quinho)
(foto: Arte/Quinho)
A inadimplência do estado criou um filão de mercado para bancos e financeiras: o comércio de precatórios. Sem a perspectiva de receber do poder público o dinheiro reconhecido pela Justiça – e do qual não cabe mais recurso –, credores estão vendendo o direito a preços bem inferiores em troca da garantia de pagamento imediato. As dívidas devem ser quitadas pela ordem cronológica, com algumas exceções legais. Para ter uma ideia, o último precatório pago pelo governo é de 2004.

A transferência de titularidade do precatório é feita por meio de  escritura registrada em cartório. Com a documentação pronta, a promessa das financeiras é de queo dinheiro esteja na conta do credor em até dois dias. Uma proposta tentadora para quem está na fila há anos para receber recurso que não sabe quando virá. Mas, obviamente, há um deságio sobre o valor de face do precatório – índice que dependerá do montante e da posição dele na fila para pagamento.

Ainda que esse desconto seja grande, o que resta para receber muitas vezes é a tábua de salvação para quem precisa do dinheiro rápido. É o caso de dona Dayse de Freitas Menezes, de 94 anos. Depois de ganhar na Justiça a correção na pensão que recebe do marido, que foi engenheiro do estado, ela viu os atrasados serem transformados em precatório em 2005. A legislação brasileira determina que todo precatório deve ser pago com recursos do orçamento do ano seguinte, ou seja, no caso dela seria em 2006, o que nunca ocorreu.

Quando completou 10 anos de espera, em 2016, ela resolveu negociar o precatório com uma financeira. “Esperamos anos para ela receber e ainda ia demorar muito mais. Estávamos muito apertados para pagar cuidadora, plano de saúde e remédio, então vendemos”, conta o filho Arlindo Vicente Freitas Menezes. O precatório de dona Dayse, calculado em pouco mais de R$ 253 mil, foi vendido por um valor bem menor.

Em busca simples no site do Tribunal de Justiça de Minas é possível acessar vários casos de credores que optaram por ceder o precatório de bancos e financeiras. A transferência é comunicada à Central de Precatórios  do Tribunal de Justiça  (Ceprec-TJMG), que inclui no processo o documento que oficializa a operação e informa a nova condição para o ente devedor. A reportagem encontrou exemplos de precatórios com valores entre R$ 120 mil e R$ 2,2 milhões que foram cedidos a instituições financeiras entre 2015 e 2017.

Especialista não recomendam

A despeito da pressa ou necessidade de receber o precatório, especialistas não recomendam a operação. O valor ofertado varia de 40% a 60% sobre o líquido do precatório – ou seja, depois de descontados o Imposto de Renda, contribuição previdenciária e honorários do advogado. E no cálculo também não são aplicados juros ou correção monetária.

“Os cálculos são feitos sobre o valor líquido, e não sobre o bruto, o que representa uma perda muito maior que o percentual informado. As financeiras acabam manipulando as informações e persuadindo os credores a vender”, alerta o advogado José Alfredo Baracho de Oliveira Júnior, presidente da Comissão de Precatórios da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil.

A operação de venda de precatórios não é ilegal, mas advogados responsáveis pelas ações que geraram os créditos reclamam que as negociações muitas vezes ocorrem sem o conhecimento deles, criando dificuldade para recebimento dos honorários. Um documento tratando do assunto será encaminhado nos próximos dias ao TJMG e à OAB pelo escritório Neves e Aramayo, especializado nesse tipo de ação.

Os honorários dos profissionais em ações de precatórios variam de 10% a 20%, e, para garantir o recebimento de sua parte em caso de venda do precatório, é preciso que o advogado faça a cessão de direitos dentro do processo – uma petição em que ele vai requerer o percentual combinado em contrato sobre o valor real do precatório, e não sobre aquele montante que a financeira vai repassar ao cliente. Mas, para isso, ele precisa saber que o precatório foi vendido.

PREJUDICIAL AO ESTADO “Advogados dessas financeiras estão recebendo procurações de pleno poder sobre o precatório e muitos não trazem ao conhecimento do advogado do processo. É como aliciar o cliente de outro advogado”, diz a advogada Flávia Neves. O escritório dela já enfrentou o problema várias vezes e nem sempre conseguiu receber o honorário de forma correta. Em caso de negativa do repasse pela financeira, cabe aos advogados recorrerem à Justiça com argumento de danos patrimoniais contra o estado e o cliente que o contratou.

O presidente da Comissão de Precatórios vai além. Segundo ele, o comércio desses créditos é ainda mais prejudicial para o estado. Isso porque, anualmente, o governo disponibiliza uma verba para negociar os precatórios com os credores com deságio em média de 50% sobre o valor bruto. Abatimento que as financeiras não vão topar fazer. “Quando a financeira compra um precatório, ela vai aguardar a ordem cronológica para receber o repasse. Ou seja, o estado vai ter que disponibilizar o valor total para pagar esse precatório”, alerta Baracho.

Atualmente, a Central de Precatórios do Tribunal de Justiça é coordenada pelo juiz Christian Garrido Higuchi. Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa informou que o magistrado não comentaria o assunto.

Estado espera pagar até abril

O governo de Minas espera que boa parte dos precatórios devidos – são mais de 10 mil – sejam pagos até o fim de abril. Mas, para isso, precisa da aprovação de projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa que autoriza o Executivo a contrair empréstimo de até R$ 2 bilhões destinados especificamente para a dívida com os credores. Metade do dinheiro será usada para pagar em ordem cronológica e a outra parte nas negociações diretas entre o estado e credores, em que há deságio de até 50% no valor da dívida.

“Estamos esperando esse empréstimo para fazer os pagamentos no fim de abril em volume bem significativo”, afirmou o advogado-geral do Estado, Onofre Batista. Diante de um caixa sem dinheiro, essa foi a alternativa encontrada pelo estado para pagar os credores. Minas Gerais tem hoje mais de 10 mil precatórios à espera de pagamento e em valores atualizados, a divida ultrapassa os R$ 4 bilhões.

O empréstimo no mercado financeiro está previsto na Emenda Constitucional  99 – aprovada e promulgada em dezembro do ano passado –, que concedeu prazo até 31 de dezembro de 2024 para que estados, Distrito Federal e municípios quitem todos os precatórios vencidos e que vencerão dentro desse período.

DEPÓSITOS EM CONTA ESPECIAL A norma determina que as parcelas mensais devem ser depositadas até o último dia do mês em conta especial gerida pelo Tribunal de Justiça e aplicado o mínimo de 1,5% da receita corrente líquida em favor dos pagamentos. E permite o lançamento de editais pelos tribunais de Justiça para a assinatura de acordos que permitam a antecipação do pagamento.

Em novembro do ano passado, o TJMG publicou edital com previsão de disponibilizar R$ 188 milhões para os acordos, que começariam a ser pagos este mês. Segundo Onofre Batista, no mês passado, o Executivo repassou R$ 7,2 milhões para o Judiciário fazer parte dos pagamentos. Procurado pela reportagem, o órgão não informou se os pagamentos já começaram.

Cabe ao credor apresentar o pedido de quitação com proposta de deságio, que pode variar de 25% a 40% sobre o crédito. Para definir a ordem de pagamento dos precatórios, são adotados alguns critérios, como os percentuais de deságio oferecidos, ou seja, recebe primeiro quem oferecer o maior desconto. A partir desses critérios, têm preferência os portadores de doenças graves e os maiores de 60 anos na data do requerimento de habilitação. Em caso de empate entre os credores, terá preferência o precatório mais antigo.

Saiba mais

O que é precatório

Precatórios são dívidas dos municípios, estados ou União reconhecidas pela Justiça. Elas podem ser alimentares (referentes a pensão, aposentadoria, auxílios), comuns (resultantes de desapropriação, fornecedores) ou trabalhistas. Com base na legislação brasileira, os precatórios devem ser quitados no exercício orçamentário seguinte ao de sua expedição. Isso, contudo, raramente ocorre, o que explica o grande universo de credores à espera do dinheiro.

Situação em Minas

10.991
Número de precatórios à espera de pagamento


R$ 1.266.368.654,12
Valor de face devido pelo estado, sem levar em conta juros e correção


R$ 4,5 bilhões
Valor estimado devido pelo estado


2004
Ano do último precatório pago pelo governo mineiro


Fonte:
Site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)


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