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Estado de Minas

Cartão corporativo paga até motel

Servidores utilizam "dinheiro de plástico" para quitar despesas consideradas irregulares pela CGU. Presidência da República e Ministério da Justiça são os que mais usam cartão


postado em 16/10/2011 08:33 / atualizado em 16/10/2011 08:43

Quatro casos e uma certeza: os cartões corporativos ainda sofrem desvio de finalidade, 10 anos após terem sido criados para dar mais transparência aos gastos públicos. A fatura do servidor Nestor Santorum, lotado no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), na capital do Pará, traz um gasto de R$ 114 no Motel Holliday, estabelecimento que fica em Ananideua, Região Metropolitana de Belém. O pagamento foi realizado no meio da tarde de 29 de novembro do ano passado, uma segunda-feira.

O servidor, que gastou mais de R$ 11 mil com o cartão corporativo em 2011, nega a despesa. A assessoria do Sipam alega que Santorum comprou material de construção para fazer uma cerca no lugar de um muro derrubado por uma árvore, mas a loja estava com o sistema de recebimento eletrônico indisponível. A irmã do dono do estabelecimento de material de construção teria oferecido a máquina de seu motel para passar o cartão corporativo, “desvirtuando” a identificação do gasto.

Sem justificativa ficou o questionamento que o Estado de Minas encaminhou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de Minas Gerais sobre gastos de R$ 12,9 mil que duas servidoras da regional do IBGE fizeram em 21 de dezembro do ano passado, em diárias, no Tauá Grande Hotel Termas de Araxá. As servidoras Gislene Maria Ferreira e Vilma de Jesus Santos Cruz pagaram, juntas, 17 diárias com cartão corporativo. A assessoria do órgão não justificou a despesa até o fechamento desta edição.

Vídeos postados na internet mostram reunião de confraternização entre os funcionários da instituição batizada de 3º Encontro das Áreas Administrativas do IBGE, realizado entre 12 e 17 de dezembro de 2010. A data dos gastos, que caíram na fatura de janeiro, é a mesma informada pelo servidor José Haroldo Rocha, do IBGE do Rio de Janeiro, que pagou R$ 7,8 mil ao mesmo hotel com o cartão corporativo. A Controladoria-Geral da União (CGU) proíbe gastos com hospedagem: “Excluída nesse caso a possibilidade de uso do cartão para o pagamento de bilhete de passagens e diárias a servidores”.

Os três servidores citados fazem parte do universo de 7.465 funcionários em postos estratégicos que utilizam a modalidade de suprimento de fundo. Este ano, o governo já gastou R$ 39,9 milhões com os cartões corporativos. Os campeões de gastos são a Presidência da República e o Ministério da Justiça, na casa dos R$ 10 milhões e R$ 9 milhões, respectivamente (veja o ranking ao lado). Em terceiro lugar vem o Ministério da Educação, com R$ 3,8 milhões. Na pasta, destacam-se os gastos dos servidores do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, empresa pública ligada ao ministério.

Churrasco de primeira

Contrariando recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU) de que recursos públicos do cartão não devem funcionar como diária para custear despesas semelhantes às previstas no auxílio-alimentação recebido pelo servidor, a funcionária Marta Helena Cherini repete gastos em churrascaria famosa pelos altos preços cobrados. A fatura do cartão revela despesas na churrascaria no Rio de Janeiro e em Brasília. Outros dois funcionários do hospital também elegeram o estabelecimento quando estiveram na capital do país. Em resposta, a assessoria afirma que “os funcionários e dirigentes da instituição não recebem nenhum valor a título de diária ou suprimento de fundos para despesas com refeição. No caso de viagens a trabalho, as despesas com refeição são cobertas com o uso do cartão de pagamento”.

Apesar de o cartão ter sido concebido para suprir necessidades de almoxarifado e pequenos consertos que não têm vulto financeiro para a abertura de uma concorrência, pelo menos cinco gestores do Ministério da Defesa utilizaram o cartão corporativo em estabelecimentos de fast-food. O desvio da finalidade do suprimento também se repete nos saques em dinheiro vivo, procedimento condenado pela CGU. Os servidores João Monteiro de Souza Junior, do IBGE do Amazonas, e José Wilden Nazareno, do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) do Pará, utilizaram esse ano o cartão corporativo para sacar R$ 28,4 mil e R$ 26 mil em dinheiro, respectivamente, em vez de utilizar a função crédito, que permite o acompanhamento da utilização dos recursos públicos.

Gastos secretos chegam a 31%

Nos últimos quatro anos e meio, 31,5% dos gastos do governo com cartões corporativos foram secretos. Desde 2007, os órgãos da União tiveram despesas de quase R$ 290 milhões com este tipo de pagamento, sendo que pouco mais de R$ 92 milhões não têm a justificativa no Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU). A Presidência da República continua liderando o ranking dos que mais usaram o cartão. Ao Palácio do Planalto estão vinculadas a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a segurança da presidente Dilma Rousseff, cujos gastos não são revelados.

Nos últimos anos, o cartão corporativo se tornou um dos meios mais usados pelo governo para fazer despesas de diversas naturezas. Mas, em 2008, depois da denúncia de que ministros faziam utilização indevida do dinheiro de plástico, como é chamado na Esplanada, houve um controle maior dos gastos. Na época, a então titular da Secretaria Especial de Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, pediu demissão por ter usado o cartão para pagamento de gastos pessoais. Outros integrantes do governo também devolveram dinheiro aos cofres públicos, como ocorreu com Orlando Silva, do Esporte.

Além de criar regras para o uso do cartão, como limitar o número de saques na boca do caixa e instituir diárias para ministros, houve uma restrição ao número de servidores que poderiam utilizar este meio de pagamento. Porém, desde o último mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os gastos secretos mantiveram os níveis. Em 2008, por exemplo, a Abin fez despesas de R$ 6,6 milhões, quase o mesmo valor do ano seguinte. O mesmo patamar alcançado pela Presidência da República. Já a Polícia Federal subiu suas despesas de R$ 6,6 milhões em 2008 para R$ 13,5 milhões em 2009 e 2010 — um aumento de 104%. O governo não revela quais foram as despesas secretas, alegando que são informações protegidas por sigilo para a garantia da sociedade e do Estado.

Recorde Em 2011, segundo o Portal da Transparência, o governo já gastou R$ 39,9 milhões com cartões corporativos. Apesar de o ano ainda não ter se encerrado, o valor pode ser considerado menor do que em 2010, quando as despesas totalizaram mais de R$ 80 milhões, o maior volume de recursos dos últimos quatro anos. Também foi o período em que a Abin mais gastou, chegando a R$ 11,2 milhões, quase a mesma quantia desembolsada em 2007, quando a agência ficou encarregada de fazer o sistema de inteligência dos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro.

Além da Presidência da República e dos ministérios da Justiça — a quem a Polícia Federal é vinculada — e da Educação, a pasta do Planejamento figura no topo dos órgãos que mais usaram cartões corporativos nos últimos anos. Porém, as despesas não obedecem a um ritmo como ocorre com os gastos secretos. Em 2007, o ministério consumiu R$ 34,5 milhões, mas, no ano seguinte, os valores caíram para R$ 8 milhões e atualmente estão em R$ 2,2 milhões. O maior volume de recursos gastos foi no período em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estava realizando pesquisas de campo e censo demográfico. Seus funcionários utilizam cartões corporativos para saques e pequenas despesas em regiões distantes do país. 


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