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Estado de Minas

Reportagem flagra funcionários de gabinetes trabalhando em associações de vereadores


postado em 19/06/2011 07:58 / atualizado em 19/06/2011 10:03

Na ONG Balanço Social, mantida por Gunda, o coordenador é contratado do vereador na Câmara, segundo um professor(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Na ONG Balanço Social, mantida por Gunda, o coordenador é contratado do vereador na Câmara, segundo um professor (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)


Assessores pagos pela Câmara de Belo Horizonte trabalham como funcionários nas organizações não governamentais (ONGs) e instituições assistencialistas criadas pelos vereadores ou que trabalham para eles. A reportagem do Estado de Minas flagrou um assessor técnico de Divino Pereira (PMN) trabalhando na Associação Vem Viver, mantida pelo parlamentar ao lado da Igreja Nova Vida, que fundou no Bairro Santa Terezinha, Região Norte de Belo Horizonte. O servidor público Evandro Correia, de 28 anos, conversou com a reportagem por volta das 14h30 de quinta-feira e confirmou que trabalha no gabinete do vereador.

O servidor conhecido apenas por William, que trabalha no gabinete do vereador Gunda (PSL), também é funcionário de associação mantida pelo parlamentar. A informação é do professor de informática Anderson de Souza, que leciona na entidade Balanço Social, mantida por Gunda no Bairro Lindeia, no Barreiro, que oferece cursos de informática. Segundo o professor, William dirige a instituição e trabalha na área de comunicação do vereador na Câmara.

Cabo Júlio (PMDB) também usa funcionários do gabinete para administrar os cursos e dar aulas para seus eleitores. A coordenadora dos cursos, Lúcia Helena, e o professor de informática Rafael Wallace Braga são pagos com recursos da Câmara. Outra funcionária de seu gabinete, Gisele Brandão, também já deu aulas nos cursos do vereador.

No mesmo endereço onde funciona o escritório parlamentar do vereador Toninho da Vila Pinho (PTdoB), também no Barreiro, funciona a ONG Valorizar. O funcionário que dá informações sobre o gabinete também responde pelos serviços da ONG. É ele quem faz as inscrições nos cursos oferecidos. “Você às vezes pode me ligar e eu não estar aqui, estar lá na Câmara Municipal. Ele me manda para qualquer lugar”, disse Godinho, sem saber que estava falando com a imprensa.

Toninho negou que Godinho trabalhe na ONG Valorizar. “São lojas diferentes, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra”, ressaltou. Segundo ele, Godinho, lotado na Câmara Municipal, é voluntário da ONG. “Ele não trabalha lá quando está em serviço na Câmara”, justificou. O vereador disse que o ônibus é do escritório parlamentar, mas os cursos fazem parte da ONG. “ Esta ONG é uma parceria com o deputado federal Luis Tibé”, acrescentou.

A assessoria de comunicação do vereador Gunda nega que a instituição seja do vereador. Segundo informou a assessoria do parlamentar, que não foi localizado em seu gabinete para dar entrevistas, ele é um dos idealizadores e apoiadores do Balanço Social, que é um projeto e não uma organização não governamental.

‘COINCIDÊNCIA’

O vereador Divino Pereira também negou que um funcionário da Câmara contratado por seu gabinete trabalhe na associação Vem Viver. Segundo ele, Evandro foi localizado ontem pela reportagem na sede da associação por mera coincidência. “Ele foi lá separar um material de doação que vamos mandar para o Vale do Jequitinhonha”, explicou o vereador. O vereador afirma que o Vem Viver é um projeto que ele apoiava antes de ser vereador, mas que está sendo desativado por falta de apoio financeiro. Ele afirma que a sala aonde funciona o projeto foi cedida pela Igreja Nova Vida e que é usada atualmente só para reuniões da terceira idade e para os atendimentos para assuntos pastorais feitos por ele duas vezes por semana. “Tomei prejuízo vindo para a política. Ganho muito menos e não posso ajudar mais ninguém, pois os empresários que apoiavam o nosso projeto acham que vereador ganha bem e não precisa de ajuda”, reclamou o vereador, que garante não ser candidato à reeleição na eleição do ano que vem.

Cabo Júlio confirmou que funcionários lotados no seu gabinete dão os cursos no escritório parlamentar no Barreiro. “O aluguel é pago com dinheiro público porque os vereadores têm direito a ter o escritório parlamentar para divulgar e discutir seu trabalho na comunidade, mas os serviços e as festas sou eu quem paga”, acrescentou. Segundo ele, as atividades são suspensas em ano eleitoral.

Festa entre as benesses

Ônibus de Paulinho Motorista, que leva
Ônibus de Paulinho Motorista, que leva "o povo para cemitério, velório, para festa, para casamento", circula pela Av. do Contorno (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)


Nem só da distribuição de cursos profissionalizantes e velórios sobrevivem eleitoralmente os vereadores da capital mineira. Eles também são chegados em uma festa. O vereador Cabo Júlio patrocina bailes no Barreiro, sua principal base eleitoral, com direito a brindes e música. A bebida e a comida sáo por conta do eleitor. O vereador Gunda também é famoso na mesma região pelas festas apoiadas por ele. Quem promove os eventos é a organização Balanço Social.

O vereador Toninho da Vila Pinho também promove festas na comunidade do Barreiro. Uma delas, um arraial neste fim de semana. As faixas convidando as pessoas para a festa junina estão por todo o bairro. Nelas está escrito: “Apoio vereador Toninho da Vila Pinho”. Uma mulher que mora há 20 anos na região disse que o parlamentar sempre promove festas e que aproveita para pedir votos. O vereador disse que dá apenas apoio para divulgação. “A Vila Pinho é uma comunidade muito carente. Nu nem participo desses eventos. Sou evangélico e não gosto muito. Prefiro ir à igreja”.

O vereador Pablito (PTC) também promoveu uma festa para a população do Bairro Pindorama, Região Noroeste da capital, no mês passado. Todas as mães tinham direito a brindes, alguns deles fornecidos pelo gabinete do vereador. Logo na chegada, todas ganhavam um número inscrito no verso de um panfleto com a foto de Pablito, que não participou do evento, mas estava representado por um funcionária de seu gabinete.

Aos domingos, o vereador Paulinho Motorista (PSL) patrocina um pagode na Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza. Em abril, o vereador Heleno (PHS) apoiou uma festa de comemoração dos 65 anos de um time de futebol amador da cidade. A comemoração, realizada em uma quadra no Bairro Sagrada Família, contou com a participação do vereador, que distribuiu camisas para os veteranos do time.

No Dia das Mães, o vereador Geraldo Félix (PMDB) aproveitou a homenagem e prestou contas de seu mandato em um evento promovido no Bairro Bom Jesus, Região Noroeste. E ainda distribuiu brindes de valor elevado para a população, como micro-ondas e outros eletrodomésticos. Por causa disso, ele agora é alvo de uma investigação aberta pelo Ministério Público para avaliar se o evento caracterizou abuso de poder econômico ou compra de votos. A distribuição de qualquer brinde ou vantagem ao eleitor em ano de campanha pode ser caracterizada como compra de voto, de acordo com o Ministério Público Eleito.

Curral para se perpetuar no poder

O assistencialismo transforma os vereadores em agenciadores de servidores e não em legisladores e é o principal responsável pela sucessivas reeleições de quem adota essa prática. A análise é do sociólogo e ex-secretário de Planejamento de Teresopólis (RJ) Sandro Gripp. Ele á autor de um estudo do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre o assistencialismo nas câmaras municipais da região metropolitana fluminense.

Para o pesquisador, não há dúvida que as práticas assistencialistas são as principais responsáveis pela formação dos "currais eleitorais", que contribuem para a perpetuação dos vereadores no poder. Segundo ele, isso não é restrito ao estado do Rio de Janeiro, mas sim fenômeno típico da cultura política brasileira, como o coronelismo e o clientelismo. "Esse trabalho dos vereadores feito por meio de centros sociais, organizações não governamentais e outras entidades do gênero tem um impacto profundo na eleição e reeleição dos vereadores. Nosso trabalho cruzou as estatísticas de votação com o raio de atuação dos vereadores e foi possível perceber claramente o sucesso dessa prática." Ele afirma que o vereador que realmente desempenha seu papel de legislador geralmente tem uma votação pulverizada em toda a cidade e não concentrada somente em sua área de atuação social, que é como eles chamam os serviços prestados para a população.

Sandro Gripp também afirma que, na maioria das vezes, os vereadores que oferecem para a população serviços de ambulância, cursos profissionalizantes, medicamentos e toda sorte de benesses atuam no vácuo do Estado. "No lugar de levar o Estado para a população, eles aproveitam a ausência do Estado para formar seus currais eleitorais e se perpetuar no poder." Para o sociólogo, é extremamente difícil combater esse assistencialismo, pois a oferta de serviços só é considerada ilegal em anos de campanha eleitoral. "Mas é claro que essa distribuição de benesses é um artifício para obter a simpatia do eleitor e seu voto na próxima eleição".


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