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Estado de Minas

Vereadores de BH investem em balcão de serviços para atrair eleitor

Políticos extrapolam sua função de legislar e investem no assistencialismo ao oferecer gratuitamente cursos profissionalizantes, transporte e até assessoria religiosa


postado em 19/06/2011 07:51 / atualizado em 25/07/2017 10:48

No Barreiro de Cima, o escritório de Cabo Júlio, campeão dos serviços, oferece cursos de informática e artesanato gratuitos(foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)
No Barreiro de Cima, o escritório de Cabo Júlio, campeão dos serviços, oferece cursos de informática e artesanato gratuitos (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)


Curso de informática, ônibus para velório, formatura, festa de casamento e até orientação espiritual. Serviços distintos encontrados de graça e em um só lugar: na Câmara de Belo Horizonte. Vereadores da capital operam uma ampla rede de organizações não governamentais (ONGs) e associações para fornecimento ou intermediação de cursos profissionalizantes, assessoria religiosa e transporte de moradores dos bairros onde são votados que pode ser acessada por um telefonema ou uma visita ao Parlamento municipal.

Extrapolando a função constitucional de legislar e fiscalizar o Poder Executivo, os parlamentares orientam servidores dos gabinetes a encaminhar para as entidades que criaram os pedidos pelos serviços que chegam à Câmara. No sistema, de típico assistencialismo disfarçado de boa ação, eles chegam a usar assessores pagos pelo Poder Legislativo municipal como funcionários da ONG ou associação que criaram.

Depois de contato nos gabinetes da Câmara, a reportagem do Estado de Minas gravou conversas com representantes dos vereadores nos escritórios políticos que mantêm nos bairros. Os assessores descrevem os serviços fornecidos pelas entidades e garantem que todo o sistema é bancado pelos parlamentares. Ao serem entrevistados por repórteres que se identificaram como funcionários do jornal, no entanto, todos afirmam que o funcionamento das ONGs e associações ocorre por doações e voluntariado.

O gabinete do vereador Cabo Júlio (PMDB) é o campeão em serviços. Além de oferecer de graça cursos de informática, artesanato, dança, luta, inglês, balé, grafite e transporte, o peemedebista ainda abre o seu escritório de representação parlamentar, no Barreiro de Cima, nos fins de semana, para festas com banda ao vivo. Neste espaço, que é bancado com dinheiro da verba indenizatória, – só de aluguel o vereador gasta R$ 1,5 mil por mês –, também são realizados os cursos de informática e artesanato. As outras atividades são oferecidas na organização não governamental Projeto Generosidade e Amor em Mutirão (GAM), apoiada por Cabo Júlio.

Para se inscrever no curso de informática é preciso apenas dar o nome, endereço e telefone, como ocorre com todas as ONGs e associações de outros vereadores. Depois disso, o interessado entra em uma lista de espera e aguarda a ligação da funcionária do gabinete. Os cursos são três vezes por semana e têm duração de uma hora. “ Tudo é gratuito. É o vereador quem paga”, disse a assessora do escritório que atendeu a reportagem. No fim do curso, o vereador promove uma confraternização para os alunos e familiares, com direito a entrega de diploma assinado pelo próprio Cabo Júlio.

Nas festas patrocinadas pelo vereador, atualmente suspensas, os brindes são generosos. Todos os agraciados nas últimas festas foram fotografados ao lado do vereador exibindo cafeteiras, chapinhas, barbeadores, torradeiras e conjunto de panelas. As fotos estão em um site do vereador destinado a divulgar suas “ações sociais”. Além das festas dentro do gabinete parlamentar, vizinhos do local contam que Cabo Júlio, de vez em quando, também fecha a rua para fazer um agrado para a comunidade. “Ele costuma dar brindes aos seus eleitores em datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal”, contou um vizinho.

DISQUE-CONSELHO

O vereador Divino Pereira (PMN), uniu a igreja que fundou, chamada Comunidade Nova Vida, no Bairro Santa Terezinha, Região Norte de Belo Horizonte, com o escritório político e a associação que criou, a Vem Viver, que oferece cursos e uma espécie de “disque conselho”, chamado Televida. Problemas no casamento, no trabalho ou falta de dinheiro são direcionados a um pastor. “Se o caso for muito grave, a gente pede para que venha até aqui”, diz a atendente. Na fachada da igreja, que funciona ao lado da associação, uma placa diz: “Cura interior e crescimento emocional”.

No gabinete do vereador, as informações são de que a entidade já chegou a fornecer cursos para crianças, mas o serviço está parado. “Já o trabalho com os idosos está a pleno vapor”, diz a assessora, que pede e-mail e telefone para enviar informações sobre a associação do vereador/pastor.

Uma visita à ONG Cidadania, braço assistencialista do vereador Preto (DEM), revela a necessidade que os parlamentares de Belo Horizonte têm de conectar o mandato a uma instituição de “apoio social”. Depois de três anos funcionando em um galpão na Avenida Silva Lobo, na Região Oeste da cidade, o vereador tenta encontrar um imóvel na Vila Leonina, no Aglomerado Morro das Pedras, na mesma região, para onde a ONG será transferida. A avaliação é de que o galpão está longe demais do “público-alvo”. A sede fica a cerca de 1,5 quilômetro das prováveis futuras instalações. A ONG, hoje praticamente às moscas, oferece cursos de informática básica, bordado, cabeleireiro, canto, violão e manicure.

VELÓRIO

Fazendo jus ao seu nome político, o vereador Paulinho Motorista (PSC) é conhecido na região do Aglomerado da Serra, zona Sul da capital mineira, pelos serviços de transporte oferecidos de graça à população de sua base eleitoral. O eleitor só precisa ligar para o gabinete do vereador e agendar com a assessora Fernanda. Para velórios e transporte de crianças de escolas e creches do aglomerado, o serviço, feito com um ônibus, é de graça. Para festas e eventos nos fins de semana é preciso pagar o salário do motorista. A gasolina é por conta do vereador. Mas não é fácil conseguir uma data, já que a demanda é grande e a agenda está sempre cheia.

OS DIÁLOGOS

A reportagem, sem se identificar, gravou conversa com funcionários dos escritórios parlamentares do vereador
Cabo Júlio (PMDB), no Barreiro de Cima, e Toninho da Vila Pinho (PTdoB), na Vila Pinho. A assessora do gabinete do peemedebista falou sobre os cursos gratuitos oferecidos pelo parlamentar e garantiu que quem paga é ele. No “gabinete comunitário” de Toninho, onde também funciona uma ONG, o funcionário ofereceu um ônibus para levar “o povo para velório, casamento e festas”, além de cursos profissionalizantes, de informática e de inglês, todos gratuitos.

Escritório de Toninho da Vila Pinho


Repórter – Fiquei sabendo que o vereador ajuda com funerais. O pai de uma tia adotiva está com problema e a gente não tem dinheiro, ele está quase morrendo.
Funcionário – Você queria uma ajuda financeira, remédio, o que é?
Repórter – Pode ser ajuda financeira. Falaram também que ele ajuda com ambulância.
Funcionário – Ambulância a gente não tem. Nós temos um ônibus que leva o povo para cemitério, velório, para festa, para casamento. Entendeu? (…..)
Repórter – E o vereador dá uma ajuda de remédio ou para fazer o funeral?
Funcionário – Não, só o ônibus. Sabe por quê? Antigamente, os vereadores faziam isso. Davam tijolo, telha, areia, cimento, pedra, ajudavam. Só que hoje é proibido eles fazerem isso. Tem gente do próprio bairro que é investigador de outros vereadores. (…) Tem pessoas que engordam de ver o vereador entrar por esses canos. Só que hoje não pode fazer isso. Ele sabe disso e não faz. Agora, por exemplo, os cursos que ele oferece são de graça. É ele quem paga. Ele paga os professores do bolso dele. O ônibus a gente leva, pega seu pessoal. Ou pega na porta da sua casa ou do velório. E leva para o cemitério. Espera o sepultamento, pega o pessoal e leva para onde você quiser.
Repórter – E os cursos? São cursos de quê? (….)
Funcionário – Se você for fazer o curso profissionalizante, tem um pacote. É um curso só. Auxiliar administrativo, auxiliar financeiro, departamento pessoal, marketing pessoal, que é aquele negócio de propaganda né, marketing empresarial, empreendedorismo, consultoria, secretário. Tudo é uma coisa só. No curso de informática tem internet, Windows, Word, Excel e digitação. No inglês tem a conversação, que você aprende a falar em inglês e a gramática em inglês. Por enquanto são três. Agora abriu também uma unidade no Independência, para quem mora lá perto, tem lá uma ONG igual a esta aqui dos cursos. (…)
Funcionário – Você às vezes pode me ligar e eu não estar aqui, estar lá na Câmara Municipal. Porque eu fico assim. Ele me manda para qualquer lugar. Nem sempre eu estou aqui.

Escritório de Cabo Júlio

Repórter – Me mudei para o bairro há pouco tempo e estou querendo saber sobre o curso de informática.
Funcionária – O curso de informática é o básico. A gente tem três vezes na semana: segunda, quarta e sexta, uma hora durante o dia.
Repórter – O que eu preciso para fazer a inscrição? Já posso fazer agora?
Funcionária – Pode.
Repórter – Tem que pagar?
Funcionária – Não, é gratuito. (…..)
Repórter – O que mais vocês têm de curso?
Funcionária – Temos o curso de artesanato uma vez por mês durante uma semana. (…)
Repórter – É gratuito?
Funcionária – Totalmente.
Repórter – O vereador que paga?
Funcionária – É.
Repórter – Os cursos funcionam aqui mesmo?
Funcionária – É aqui mesmo.
Repórter – Quantas pessoas por turma?
Funcionária – Um por computador.
Repórter – Quantos computadores?
Funcionária – São sete computadores.
Repórter – O que mais tem aqui? O pessoal fala que vocês oferecem muitas coisas.
Funcionária – Tem essa ONG aqui que é lá no Barreiro de Baixo. O Cabo Júlio também apoia essa ONG. E lá tem vários cursos. Tem dança, tem curso de inglês também.
Repórter – O vereador que paga os cursos da ONG também?
Funcionária – É. (…..)
Repórter – O pessoal do salão me falou que aqui tem umas festas também. Eu quero saber quando vai ser a próxima.
Funcionária – Nós vamos ter reunião na semana que vem. Na semana que vem que a gente vai falar se a gente vai continuar, se não. Nós fizemos a festa aqui em janeiro.


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