Jornal Estado de Minas

PENSAR

Maria Carolina Fenati: inspirações de dois continentes

 

O ano era 2008. Maria Carolina Fenati, 40 anos, estava em Lisboa estudando para seu  doutorado em Literatura Portuguesa Contemporânea. Entre os dias que ficava sozinha com os livros na biblioteca, surgiu o desejo de compartilhar seus estudos e pesquisas literárias com mais pessoas. 





 

“Foi uma escolha continuar com aquilo que já fazia voluntariamente, ou seja, pesquisar, escrever e publicar junto. A Chão da Feira começou assim, de maneira bem amadora mesmo, pouco a pouco, com uma publicação mensal de uma coleção que temos até hoje, o ‘Caderno de Leitura’”, conta Carolina, que batizou a editora com o nome da rua em que vivia na capital portuguesa. 

 

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Formada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), logo ela teve a ajuda de outras três amigas, que até hoje se dividem na coordenação da editora: Júlia de Carvalho, Cecília Rocha e Luísa Rabello.

 

Os primeiros anos da Chão da Feira Edições refletem o contexto em que Carolina estava inserida: a Universidade de Lisboa e um cenário geográfico europeu, que pautaram  diretamente o cardápio de autores, o catálogo de livros e os assuntos da editora. 





 

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Ao retornar ao Brasil em 2017, no fim do doutorado, Carolina percebeu que outros autores surgiram, e também outras questões. “É engraçado como as regiões geográficas correspondem a uma certa região bibliográfica e do imaginário. Não há como negar que aquilo que pensamos está muito ligado aos outros sentidos, quer dizer, ao que vemos e ouvimos, ao que cheiramos, ao que está ao nosso redor”, conta. 

 

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Com a experiência em dois países e os olhares de quatros mulheres, a Chão da Feira busca publicar textos nos quais os desejos de ver, sentir, ler e escrever são, também, reafirmação de esperança política.  “Nós publicamos livros de todos os lados. Brasileiros, portugueses, franceses. Na coleção dos cadernos, os autores variam muito geograficamente”, explica Carolina. 

 

Ela destaca as diferenças entre publicar em Portugal e no Brasil. “Aqui, é tão difícil quanto urgente trabalhar com edição. Ao mesmo tempo, o território é amplo e vasto de narrativas – portanto, trabalhar aqui é duro, mas também é tomar contato com a variedade dos modos de dizer, pensar e escrever”, defende.





 

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Um dos principais projetos da editora é a revista “Gratuita”, que já está na quarta edição e, como o próprio nome diz, é distribuída sem custos para o leitor. A editora também carrega um cunho social. Trabalhos de grupos minoritários brasileiros (mulheres, negros, LGBTQIA+) têm espaço e oportunidades dentro da Chão da Feira Edições.

 

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“As questões que me proponho pensar na editora, desde as temáticas dos textos até o tempo do trabalho, são, de algum modo, inspiradas na mulher que vou me tornando e que tenho tentado. Que se desvie dos destinos da frustração e da amargura que tantas vezes me parece estarem à nossa espera no futuro”, disse a editora.  “Editamos como quem planta”, conclui. (ACP)

 

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Entrevista/Maria Carolina Fenati (Chão da Feira Edições)

 

Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?

Por um lado, tornar os livros objetos amáveis e sobretudo acessíveis a mais pessoas. Isso implica colaborar para que a leitura seja de fato um direito (e não um privilégio), e pensar em políticas públicas, bem como em parcerias editoriais, que tornem o preço de capa dos livros mais baixo, e portanto mais acessível. Por outro, é fundamental diversificar a prática editorial, tanto no sentido de publicar temas, escolhas estéticas, modos de narrar variados, quanto trabalhar para que diferentes pessoas ocupem os cargos de editor, escritor, revisor etc. É preciso democratizar o acesso aos livros e o acesso à prática editorial – estes são alguns dos maiores desafios.





 

Quais serão os próximos capítulos de sua editora?

Vamos publicar ainda este ano um livro infantil e livros escritos por mulheres sobre a experiência da maternidade.

 

Quais livros ou autores, brasileiros ou estrangeiros, gostaria de ter sido a primeira a editar?

Não saberia responder exatamente essa pergunta. Porque, afinal, há tanto por publicar que fico muito contente por ver autores e autoras incríveis surgindo em diferentes editoras, inclusive de independentes e de pequeno porte. O decisivo é que a gente possa publicar fazendo variar a paisagem da literatura – publicar o que era inimaginável, impensável, improvável. Poderia responder assim: espero ser a primeira a publicar algo que ainda não conheço, e desejo isso também aos meus amigos e colegas editores.