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Estado de Minas AS EDITORAS DAS EDITORAS

Ana Cecilia Impellizieri Martins: identidade feminista

À frente da Bazar do Tempo, editora enfatiza a produção literária das mulheres nos mais de 130 livros publicados desde 2015


04/08/2023 04:00 - atualizado 04/08/2023 00:14
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Ana Cecilia Impellizieri
Ana Cecilia Impellizieri afirma que, mesmo com predomínio das mulheres, os homens ainda têm vez na Bazar do Tempo: "Não os abandonamos, mesmo que tenham uma presença menor" (foto: Carolina Arantes/Divulgação)

 

Em 2015, quando fundou no Rio de Janeiro a editora Bazar do Tempo, Ana Cecilia Impellizieri Martins, hoje com 45 anos, vinha de uma experiência como jornalista, pesquisadora e editora. Queria, neste voo solo, lançar bons livros sem um foco específico. Publicou, na fase inicial, títulos de fotografia, poesia e ensaio, editando autores com quem tinha trabalhado em experiências anteriores, como Ferreira Gullar, Cleonice Berardinelli e Eduardo Jardim.

 

Mal sabia ela que oito anos mais tarde a Bazar do Tempo se dividiria entre o Brasil e a França e que enfatizaria a produção literária feita por mulheres, que hoje dominam o elenco da editora. 

 

"Se a gente não nasceu com isto, acabou criando uma rede (de escritoras). Realmente uma autora vai puxando a outra e hoje publicamos muitos livros feministas. Mas há uma diferença entre ter livros feministas e ser uma editora feminista. A Bazar é uma editora feminista, mas nem todos os livros de mulheres são feministas stricto sensu."

 

A Bazar atinge seu oitavo ano com cerca de 130 títulos publicados - a previsão é de que sejam 16 em 2023. Já venceu três Jabutis, o mais recente deles, vencedor na categoria de melhor livro de ciência de 2022, "Um tempo para não esquecer", da pneumologista Margareth Dalcolmo, uma das maiores referências brasileira no combate à COVID.

 

O casamento com um francês levou Ana Cecilia a se mudar para Paris. "No começo acharam estranho eu tocar uma empresa a 10 mil quilômetros de distância. Aí veio a pandemia e todo o mundo começou a trabalhar como eu já trabalhava. Hoje em dia ninguém acha mais estranho", comenta ela, que vem ao Brasil anualmente pelo menos umas três vezes.

 

Está inclusive no Rio neste mês. Veio para a posse de Heloisa Buarque de Hollanda na Academia Brasileira de Letras (em 30 de julho), ocupando o lugar de Nélida Piñon. Buarque não, Teixeira. A escritora de 84 anos anunciou recentemente que vai abandonar o sobrenome do primeiro marido (o advogado Luiz Buarque de Hollanda) e adotar o Teixeira, de origem materna.

 

O próximo título dela, que a Bazar vai lançar em setembro, será o primeiro com a assinatura Heloisa Teixeira. Foi a pensadora, por sinal, uma das responsáveis pela virada editorial. Já com quatro títulos, e com o quinto previsto para 2024, a coleção "Pensamentos feministas", inaugurada em 2019, foi uma aposta grande.

 

Com Heloisa coordenando a coleção, os livros reuniram artigos de autoras brasileiras e estrangeiras. Os títulos inaugurais foram "Pensamento feminista: Conceitos fundamentais" e "Pensamento feminista brasileiro: Formação e contexto". "Foi uma aposta, de investimento e de tempo, que deu muito certo. Encontramos um público leitor ávido pelos conceitos e referências e entendi ali que tinha um vazio editorial nessa área."

 

A coleção é hoje o bestseller da editora - os quatro títulos somam 40 mil exemplares vendidos. "Os primeiros livros traziam textos seminais em termos das lutas no Brasil pela representatividade. Fiquei muito tomada pela temática", continua Ana Cecilia. A editora passou a publicar livros de autoras que haviam participado da coleção, como "A invenção das mulheres" (outro dos mais vendidos da Bazar), da socióloga nigeriana Oyèrónké Oyewùmí.

 

Clube de assinaturas

 

O processo acabou gerando outra iniciativa. No início de 2021 a Bazar lançou o Clube F., um clube de assinaturas com livros escritos por mulheres. Mensalmente, e antes mesmos das livrarias, os assinantes recebem um título em uma caixa (acompanhada de brindes). Já foram lançados livros de Virginia Woolf, Alice Walker, Hannah Arendt, entre várias outras.

 

O que veio como uma alternativa para as dificuldades impostas pela pandemia acabou se tornando um dos carros-chefe da editora. "Ele é importante porque garante a saída de um número de vendas. Isto dá segurança para a gente apostar em outros nomes."

 

Para além disto, o clube de assinaturas vem contribuindo para a criação de um catálogo "onde as mulheres tenham representação forte nas mais diferentes áreas: história, ciência, ciências sociais. Todo o mundo sabe quem são os grandes historiadores, cientistas (homens). Queremos criar uma bibliografia para a produção das mulheres. Mas tentamos fazer um equilíbrio entre ficção e não ficção para que as pessoas tenham um panorama das mulheres através do tempo. Muitas estrangeiras chegam ao Brasil com muito atraso", comenta Ana Cecilia, lembrando o emblemático caso de Angela Davis, cujos livros só começaram a ser publicados no país mais de três décadas depois de sua publicação original.

 

Ainda que as mulheres sejam maioria - não só entre os livros publicados, mas também entre os profissionais que atuam na Bazar - os homens ainda têm um lugar na editora. "Não os abandonamos, mesmo que tenham uma presença menor, porque temos fidelidade com alguns autores há muito tempo. Eles ainda estão nas nossas linhas de preocupação, como o Bruno Latour (filósofo francês que trata de ciência e sociedade), o (português) Mário Cesariny na poesia, o Newton Bignotto (filósofo mineiro), de quem já lançamos dois livros (e há outro título em breve", acrescenta Ana Cecilia.

 

 

Entrevista/ Ana Cecilia Impellizieri Martins (Bazar do Tempo)
“Sontag faria sentido em nosso catálogo”

 

Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?

O sistema de consignação e altos descontos são desafios permanentes para as editoras do país, sobretudo as menores e independentes que têm lastro limitado para investir em grandes tiragens, lidar com inadimplência etc. Acredito também que o passo mais importante que precisamos dar é aprovar a lei do preço único (ou fixo) que é uma maneira de proteger as livrarias e garantir, assim, a saúde da cadeia do livro.

 

Quais os próximos capítulos de sua editora?

O nosso foco é consolidar o perfil da editora nos campos que atuamos, ampliando essa biblioteca de autoria feminina, do Clube F., somando nomes representativos nas áreas da ficção e da não ficção; e continuar sendo casa das autoras e autores que estão no nosso catálogo. Também estamos abrindo espaço para autoras brasileiras que têm feito pesquisa importantes, como a historiadora Luciana Brito, a antropóloga Janaína Damasceno. E estamos recriando a linha infantil, que tem papel importante na perenidade do negócio, considerando vendas de governo e adoção em escolas. Estão saindo livros da Veronica Stigger, Eduardo Viveiros de Castro e Fernando Vilela; Adriana Calcanhotto e Duda Machado e Luiz Antônio Simas. Estamos, sobretudo, trabalhando para seguir crescendo de maneira sustentável.

 

Que livro ou autor, brasileiro ou estrangeiro, gostaria de ter sido a primeira a editar?

Somos muito felizes em editar tantas autoras e autores que formam o nosso catálogo hoje, Heloisa Teixeira, Alexandra Lucas Coelho, Helena Cixous, Audre Lorde, Maryse Condé, Heloisa Starling, Eduardo Jardim, Luiz Antônio Simas, Newton Bignotto, Hannah Arendt, Marguerite Duras, Anne Carson (ah, como começo a citar, a gente acaba deixando tanta gente de fora…). Mas pensando na pergunta, acho que Susan Sontag faria muito sentido no nosso catálogo. E recuperar obras de escritoras brasileiras como Dinah Silveira de Queiroz, que a editora Instante tem feito tão bem. Mas há trabalhos que ainda podem ser feitos nesse sentido. 


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