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Estado de Minas JUSTIÇA

Pedido de desculpas não livra de punição desembargador que humilhou guarda municipal

Especialistas em direito penal explicam se Eduardo Siqueira ainda pode ser penalizado em algum processo


24/07/2020 14:31 - atualizado 24/07/2020 15:24

Desembargador Eduardo Siqueira humilhou guarda municipal de Santos e rasgou multa por não usar máscara(foto: Rerodução/Redes Sociais)
Desembargador Eduardo Siqueira humilhou guarda municipal de Santos e rasgou multa por não usar máscara (foto: Rerodução/Redes Sociais)
O pedido de desculpas públicas do desembargador Eduardo Siqueira, que no último sábado, 18, humilhou e chamou de 'analfabeto' um guarda municipal em Santos não deve isentá-lo de investigação e eventual punição de ordem administrativa ou penal, avaliam advogados ouvidos pelo Estadão. Por outro lado, especialistas apontam que Siqueira pode ser beneficiado por eventual acordo de não persecução penal e se isentar de uma possível pena por difamação, caso os oficiais envolvidos apresentem queixa-crime contra o desembargador.

"É evidente que reconhecer o erro é importante e isso talvez seja considerado no julgamento dos processos instaurados. Mas esse pedido de desculpas não deve afastar a possibilidade de aplicação eventual de sanções. As investigações devem prosseguir, inclusive, para que sejam reafirmados os princípios que devem reger a atuação de todos os agentes públicos", afirma o criminalista Conrado Gontijo, doutor em direito penal pela USP.

O advogado defende que o pedido de desculpas do desembargador não é suficiente para que, juridicamente, ele deixe de ser investigado e, eventualmente, sancionado. "Como bem disse o ministro Marco Aurélio, do STF, na rua, no contexto dos fatos, a autoridade era o guarda civil, não o desembargador. Por isso, o guarda deveria ter sido respeitado", afirma.

O criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) explica que não só o desembargador, mas qualquer pessoa que cometa um ato como o de Siqueira, que em sua avaliação caracteriza desacato, pode ser investigada e processada.

"Mas, como o desembargador assumiu, o caso dele é típico para se enquadrar na nova vigência do artigo 28A do Código Penal - que dá a possibilidade de acordo de não persecução penal. Desta forma, ele poderá ser beneficiado pelo acordo a ser proposto pelo Ministério Público".

André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, sódio de Damiani Sociedade de Advogados, indica que 'sob a ótica do Direito Penal, a retratação por ofensas proferidas tem o condão de isentar de pena o agente que comete crimes contra a honra, nesse caso específico, especialmente o eventual cometimento do crime de difamação'. "No entanto, esta é uma hipótese a ser avaliada em juízo somente se houver uma eventual queixa-crime movida pelo ofendido contra o desembargador por este crime específico", ressalta.

Também com relação aos crimes contra a honra, Damiani aponta que o pedido de desculpas não tem nenhuma repercussão legal sobre eventual injúria, mas que também depende da iniciativa da vítima para dar início à correspondente ação penal.

"De outro lado, quanto ao delito de desacato potencialmente cometido pelo desembargador, cuja ação penal é de iniciativa do Ministério Público, a retratação não constitui qualquer impedimento legal à eventual instauração de processo penal", indica.

Em contrapartida, advogado Daniel Gerber, criminalista com foco em compliance político e empresarial, opina que 'o pedido de desculpas do magistrado revela que, ao fim, somos todos humanos e sujeitos a erros'.

"Sem dúvida alguma a incrível indefinição do que é certo ou errado no combate a pandemia da Covid-19, os abusos - ainda que excepcionais - que vemos em vídeos e relatos, por parte de autoridades municipais e estaduais contra cidadãos, e o próprio cansaço que o medo e a indefinição geram no espírito justificam um erro e servem como argumento para a aceitação de um pedido de desculpas. Sobre a eventual falta administrativa, há que se ponderar tais fatores, também, pois seria incoerente se ultrapassar, em eventual punição, a gravidade do ato em si", afirma.

Pedido de providências

Ao instaurar o pedido de providências contra Eduardo Siqueira, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, apontou que os fastos envolvendo o desembargador podem caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e no Código de Ética da Magistratura.

A Loman prevê, entre os deveres do magistrado, a 'urbanidade' e a manutenção de 'conduta irrepreensível na vida pública e particular', além de vedar ao magistrado 'procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções'. As indicações também estão dispostas no Código de Ética da Magistratura.

O Tribunal de Justiça de São Paulo também havia determinado a abertura de apuração sobre o ocorrido, mas Humberto Martins determinou que o caso fosse retirado da presidência da corte paulista para que não houvesse duplicidade de procedimentos. Na decisão o ministro citou 'enorme desgaste do judiciário'.

Após a investigação, caso a Corregedoria encontre indícios de infração de conduta, há dois tipos de punições possíveis para os desembargadores - disponibilidade e aposentadoria compulsória. A primeira seria algo que pode ser revertido, ficando o magistrado afastado da corte, recebendo salário. Já a segunda implica a saída do desembargador dos quadros do tribunal, mas também recebendo um valor de aposentadoria.

Caso encontre prática de crimes na conduta do desembargador, o CNJ pode ainda encaminhar o caso para o Ministério Público Federal. Isso não impede ainda a Procuradoria de instaurar uma investigação própria sobre o caso. A Procuradoria-Geral da República informou à reportagem que por hora não há nenhuma investigação criminal contra o magistrado no órgão.


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