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Estado de Minas Escassez e desperdício

Sede na Grande BH: o ranking das piores cidades em fornecimento de água

Dados nacionais mostram que quase 10% dos moradores da região mais populosa de MG não recebem água, enquanto mais de 43% do que é captado escorre sem proveito


11/09/2023 04:00 - atualizado 11/09/2023 05:36
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Rita Correia, de 81 anos, dona de casa, mostra torneira sem água no Bairro Borges, em Sabará, Grande BH
AQUI FALTA... Moradora da parte alta do Bairro Borges, em Sabará, Rita Correia, de 81 anos, enfrenta escassez de água da rede pública praticamente diária (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS)
Esmeraldas, Ribeirão das Neves e Sabará - É à noite que a espera pelo ruído da água chegando pela tubulação em direção à caixa d'água deixa de prontidão a dona de casa Rita Correia, de 81 anos. Imediatamente, ela para o que estiver fazendo e corre para as torneiras da cozinha, do tanque e da área de serviço. Moradora do Bairro Borges, em Sabará, na Grande BH, a idosa sofre com a escassez praticamente diária, e precisa deixar seus baldes preparados para as noites, quando a água do sistema local da Copasa costuma chegar às torneiras. Infelizmente, casos como o dela não são isolados. Pior: a ausência total de fornecimento aflige quase 10% dos moradores da região metropolitana da capital, em um cenário que chama a atenção ainda pelo elevadíssimo índice de desperdício do serviço.
 
Os que ainda contam com um abastecimento, mesmo que precário, precisam se preparar para usufruir do pouco que chega, quando chega.“Quem não aproveita a chegada da água, fica sem e precisa esperar para ver se o caminhão-pipa vai vir no outro dia. Quando vou lavar muitas roupas, a caixa não aguenta e esgota rápido. A gente é obrigada a pensar antes do que vai precisar no dia seguinte, para ver se usa a água quando ela chega ou se guarda”, disse, enquanto enfileirava baldes sob a torneira. Mas, naquela noite, para a sua triste surpresa, ao girar o registro, nem uma gota escorreu. “Tá vendo?!”, desabafou, vencida.
 
Assim como na casa de dona Rita, garantir o abastecimento de água tratada na Grande BH ainda é um desafio para a Copasa e para prefeituras que mantêm serviço autônomo. Com base no Sistema Nacional de Informações de Saneamento (SNIS), de cada 100 habitantes da área mais populosa de Minas Gerais, praticamente 10 não recebem fornecimento de água potável, o equivalente a 9,3% de uma população de mais de 5 milhões de pessoas nos 34 municípios (veja quadro). A situação é ainda mais grave quando se mede o desperdício, que chega a 43,7%, em média, da água captada na região metropolitana, mesmo volume de Belo Horizonte, ambos acima da média nacional, de 40,3%.
 
A Copasa, que fornece água para 21 dos 34 municípios da Grande BH, afirma que atende a “99,6% de economias residenciais ativas e inativas de água em relação ao número de imóveis existentes na área de abrangência” e que essa metodologia é a exigência da Resolução ANA 106 de 04/11/2021. “(São) Os indicadores para aferição do cumprimento das metas de universalização (abastecimento para todos) estabelecidos pela Lei Federal 14.026/2020, que prevê o prazo para meta de universalização de 99% até 2033”,informou a empresa.
 
Cruzando os dados referentes a desabastecimento e desperdício do SNIS, que tem sua base de referência no ano de 2021, o município de Sabará desponta na Grande BH como o de pior situação, na soma de baixo atendimento e perda elevada. Por esse critério, a cidade é seguida por Santa Luzia, Esmeraldas, Ribeirão das Neves e Vespasiano, fechando as cinco de pior situação.
 
Em Sabará, a cada cinco habitantes um não recebe água tratada, segundo os dados do SNIS. São 28.774 pessoas que precisam encontrar outras formas de abastecimento sem a garantia dos órgãos reguladores. O desperdício no município também é enorme. De toda a água captada, tratada e enviada pelo sistema de abastecimento, 62,39% se perde no caminho, entre vazamentos e conexões clandestinas.
 
No Bairro Borges, de Sabará, um dos problemas segundo os moradores é a falta de condições das caixas de abastecimento da Copasa. Uma delas, no alto de um morro sob o qual se abrem as ruas e casas, a ferrugem se alastra pela estrutura metálica, recentemente pintada de branco e com o logotipo da companhia de abastecimento. Na base da torre, furos escoam a água tratada que falta para muitos, escorrendo pela terra até a rua.
 
No lote vizinho, um incêndio transformou em cinzas a vegetação e atingiu também a caixa d'água, ampliando o desgaste da estrutura. O cercamento e as portas de acesso ao reservatório também ficam escancarados e há sinais de vandalismo, como na placa que descreve o sistema que foi jogada no chão.

Onde não falta, vaza

Se na parte alta do Bairro Borges a água não chega, na parte baixa a realidade é de mais desperdício de água tratada, com vazamentos aflorando do asfalto e dos passeios com frequência, chegando a amedrontar moradores pelo rico de lavar e remover o solo dos alicerces das moradias, o que traz preocupações com possíveis abatimentos e desabamentos.
 
É uma das preocupações do vigilante aposentado José Lázaro Marçal, de 72 anos, morador da Rua Rio das Velhas e que de repente viu se formar um pequeno chafariz no passeio diante de sua garagem. “Tem três dias que minha filha e eu ligamos todos os dias para a Copasa vir aqui resolver isso. O pior é que vai minando, vai tirando a terra debaixo da entrada da minha garagem, a gente fica com medo de formar um buraco, o cimento ceder e a roda do carro cair com o peso quando passar”, disse.
 
Fora as infiltrações escondidas sob o solo, a tubulação rompida despejava grande volume de água tratada pelo asfalto, engolida ao longo do trajeto por bocas de lobo da drenagem de chuvas, com destino ao Rio das Velhas. O restante seguia até empoçar diante da Escola Municipal Irene Pinto.
 
Uma equipe da Copasa compareceu ao local e abriu um buraco para acessar e reparar a tubulação, fechando depois a escavação. Interpelados pelo morador sobre a demora, os trabalhadores mostram o chamado com data do dia anterior. “É verdade. Fiz essa chamada no dia anterior e vieram hoje. Só esqueceram de dizer que fiz outros – dois dias antes e três dias antes. É sempre a mesma desculpa. E não duvido que logo ficaremos sem água de novo ou com outros vazamentos, porque essa tem sido a nossa rotina”, reclama o aposentado.

Combater perdas é indispensável

Os problemas que levam ao abastecimento deficiente e ao alto índice de desperdício da captação e distribuição de água são diversos e muitos deles estão ligados, avalia o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e diretor do Instituto Guaicuy, professor Marcus Vinícius Polignano. “A situação envolve a empresa de saneamento e a agência reguladora (Arsae). Realmente, temos uma taxa de perda muito alta. Pensando que temos uma fragilidade de disponibilidade no território e sofremos com a escassez imposta pelas mudanças climáticas, não dá para desperdiçar”, afirma.
 
Por outro lado, o ambientalista ressalta que há também ações como sabotagem, ligação direta e vazamentos da rede antiga. “O que se teria de fazer como política pública é estabelecer um plano de metas paulatino. Ter uma programação para que haja redução das perdas. Ao mesmo tempo, é necessário chegar à universalização, que é garantir o acesso a todos para abastecimento. Isso envolve políticas públicas, para ajudar o pequeno a ter condições. Subsidiar mais pode valer mais a pena do que ter esse nível de perdas.”
 
Segundo a Copasa, o índice de perdas é composto por diversos fatores, “entre eles o uso não autorizado por meio de fraudes nas ligações e pelo abastecimento de ocupações urbanas, a imprecisão técnica da medição e os vazamentos em rede”.
 
Para regiões de vulnerabilidade social, a companhia afirma estar desenvolvendo um projeto com ações de mobilização para adesão dos moradores às redes de água. “Só no Morro das Pedras, o projeto visitou 2.099 imóveis, tendo adesão de 2.005 famílias, com 1.330 obras realizadas. Diante do sucesso desse projeto, a Copasa está se preparando para expandir a iniciativa para outras regiões. Já para as ocupações urbanas, a companhia vem atuando, em conjunto com as prefeituras, no intuito de promover a devida regularização e a implantação das redes”, informou.
 
Com relação às perdas por vazamentos de água, a Copasa afirma investir em tecnologias para a sua identificação em 14 das 34 cidades da Grande BH. “O trabalho de pesquisa e correção imediata de vazamentos não visíveis tem produzido resultados positivos. Desde abril de 2022, início do contrato, já foram percorridos mais 16.500 quilômetros de rede e corrigidos mais de 4.500 vazamentos”, acrescentou a empresa.
 
Com relação à situação do Bairro Borges, em Sabará, a Copasa afirma que os vazamentos ocorridos já foram corrigidos. “As reclamações de desabastecimento na parte alta do bairro ocorreram em razão da redução de pressão causada por esses vazamentos. Com as manutenções realizadas, a situação foi normalizada. Já com relação aos bairros de Esmeraldas e Ribeirão das Neves, no entorno da BR-040, existem obras em andamento e previstas para os próximos meses com o objetivo de melhorar o abastecimento da região e reduzir a necessidade de reforço por caminhão-pipa.”

Os índices de pessoas que não recebem água encanada fornecida regularmente pelos serviços públicos em Santa Luzia, e Esmeraldas Ribeirão das Neves são parecidos com os de Sabará (21,41%), com falta de alcance do abastecimento chegando a 23,53%, 28,67% e 18,58% da população não atendida por água potável encanada, respectivamente. Contudo, os três municípios sob concessão da Copasa têm população significativa, o que transforma o quantitativo de não atendidos em um montante expressivo, com 52.022 pessoas desassistidas em Santa Luzia, 19.390 em Esmeraldas e 62.971 em Ribeirão das Neves.
 
Município vizinho de Neves, Esmeraldas está em situação tão ruim que parte de seus bairros à beira da BR-040 precisam ser abastecidos com caminhões-pipa que fazem a captação da água justamente em pontos da cidade próxima. Um deles fica no Bairro Cidade Neviana, na Praça Neviana, onde quatro caminhões se utilizam do hidrante instalado para levar água para várias comunidades às margens da rodovia, nos bairros de Esmeraldas, como Quinta São José, Vivendas Barbosa, Parque Sabiá e Novo Ceasa e até mesmo na própria cidade de Neves, como Vale da Prata, Metropolitano e Veneza.
 
Mesmo quem tem ligações de água e recebe o abastecimento pelo qual pagou ainda sofre com paralisações de fornecimento. Em 2021, ano do mais recente estudo do Sistema Nacional de Informações de Saneamento, a Grande BH teve 448 paralisações de fornecimento, o que representaria 1,2 por dia naquele período. A duração das paralisações somadas chega a 5.023 dias, ou média de 11,2 dias sem água somando cada interrupção de fornecimento.
 
Belo Horizonte registrou 0,6 paralisações por dia ou 1,2 a cada dois dias, sendo que a média é de 11,3 dias de duração para cada interrupção. Sabará registrou apenas seis interrupções de sistema e 69 dias de duração. Santa Luzia aparece com 20 interrupções e 227 dias e Ribeirão das Neves chegou a 25 suspensões de fornecimento por 312 dias.




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