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Estado de Minas BARULHO DE ENLOUQUECER

Poluição sonora: ruídos de todo tipo atordoam moradores de BH

São em média de 33 reclamações por dia na PBH e, afirma especialista, barulho ameaça a saúde pública


29/07/2023 07:30 - atualizado 31/07/2023 13:15
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 Imagine este cenário: buzinas, pessoas gritando, música alta, motores acelerando e microfones ecoando diversos tipos de mensagens. A quantidade massiva de sons pode causar certa irritação só de pensar, mas fica pior quando passa para a realidade. Na capital mineira, não é difícil encontrar tal sinfonia, especialmente na Região Centro-Sul da capital.

Não à toa, a regional concentra a maioria das reclamações de poluição sonora na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). Somente no primeiro semestre de 2023, foram 1.401 registros. A exposição excessiva a barulhos não causa apenas perda de audição, mas também problemas de saúde diversos, como ansiedade, dificuldade de sono e problemas cardiovasculares.

 

A preocupação com o barulho é assunto recorrente para quem mora próximo a um desses ambientes: bares, boates e casas de shows, templos religiosos, comércio em geral e construção civil. Segundo a PBH, essas atividades são campeãs de reclamação na cidade, que registrou 6.013 queixas entre janeiro e junho deste ano.
A diversão noturna de uns vira pesadelo de outros em bairros que concentram grande número de bares, como a Savassi, que ocupa o terceiro lugar no ranking das reclamações em BH
A diversão noturna de uns vira pesadelo de outros em bairros que concentram grande número de bares, como a Savassi, que ocupa o terceiro lugar no ranking das reclamações em BH (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press )

Em média, foram 33 ligações por dia, que se concentram em alguns bairros mais que em outros. Segundo um levantamento feito pela PBH, o Centro originou mais denúncias, seguidos bairros Santa Tereza, Savassi e Castelo.

 

O coordenador do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte, Fernando Santana, explica que a fiscalização nem sempre atua para cessar os problemas.

“Há uma discussão sobre a harmonização das residências com estabelecimentos comerciais, e as associações de moradores de todos os bairros recebem muitas reclamações de que a fiscalização não tem atuado para coibir os excessos. Isso tem causado problemas de saúde diversos, porque há pessoas passando a noite acordadas”, diz.

 

A lista de lugares barulhentos é extensa, mas a prefeitura afirma priorizar o pronto-atendimento, principalmente entre quinta e domingo, apesar de não conseguir suprir a demanda diária, pela quantidade de chamadas e falta de pessoal.

“Às vezes, o estabelecimento que levou uma multa, acumulou 10 moradores ligando e, quando constatamos haver poluição sonora em uma casa, já não medimos nas seguintes. Mas, se for necessário, a medição é feita em mais de uma solicitante”, explica Carlos Rocha, diretor de fiscalização da PBH.

 

As normas do silêncio

No Brasil, não há uma única lei federal que estabeleça e fiscalize os níveis aceitáveis de barulho, e cada estado e município criam as próprias normas.

Em Belo Horizonte, a legislação determina que sons não ultrapassem 70 decibéis (dB) em período diurno (7h01 às 19h), 60dB em período vespertino (das 19h01 às 22h) e 50dB em período noturno (das 22h01 às 23h59).

Durante a madrugada (0h e 7h), 45dB. Às sextas, sábados e vésperas de feriado são admitidos 60dB até as 23h.

 

Por sua vez, uma recomendação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), estabelece limites sonoros para diversos tipos de áreas habitadas, que vão de 40dB (quartos de dormir, bibliotecas), para 55dB (aeroportos), com máximo de 60dB. Apesar disso, a regra belo-horizontina segue outra lógica e não indica zonas de ruído, mantendo o mesmo limite para toda a cidade.

 

Um estudo do Centro de BH, bairro que mais recebe queixas, realizado pelo Cefet-MG e conduzido pela mestre em Engenharia Civil, Lorena Cachuit, mediu 72 pontos de uma área com aproximadamente 2km², que permeia as praças Raul Soares, Rio Branco, Estação e Parque Municipal.

Entre os resultados, a pesquisa constatou que existe mais tolerância da Lei do Silêncio de BH em relação à norma da ABNT, já que, pela recomendação da Associação, 97,1% dos locais medidos ultrapassam o limite permitido e saudável. Enquanto, seguindo a legislação da cidade, apenas 32,3% dos pontos aferidos excederam o limite.

 

O grande problema da permissividade do barulho é um desfecho crítico da situação: o incômodo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a poluição sonora a segunda maior causa de problemas na saúde de pessoas, por desequilibrar o corpo, aumentando a liberação de hormônios diversos.

 

Adoecimento da população

A poluição sonora é preocupante globalmente, por isso, o mapeamento de zonas ruidosas e dos efeitos delas no corpo humano é essencial para entender questões de saúde pública, como explica a fonoaudióloga e doutora em Saúde Pública, Fernanda Abalen. Em uma pesquisa no Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH), ela constatou que a poluição sonora pode afetar os seres humanos de duas formas: efeitos auditivos (perda da audição, zumbidos no ouvido etc) e não-auditivos (desequilíbrio no corpo).

 

A primeira é mais fácil de diagnosticar, ao passo que a segunda é pouco conhecida e de difícil associação, mesmo com evidências científicas.

“Há estudos que comprovam a relação dos problemas de saúde com barulho, mas socialmente, é muito complexo. Usamos como referências as normas regulamentadoras brasileiras, respaldadas por pesquisas que explicam os valores máximos saudáveis, mas um vizinho incomodado com o barulho ao lado é visto com maus olhos”, explica a pesquisadora.

 

Quando uma pessoa se sente incomodada com algo, isso provoca um desequilíbrio do organismo de maneira geral. No momento em que um som gera esse incômodo, isso desencadeia uma série de alterações orgânicas, que podem gerar pressão alta, dificuldade de sono, alterações digestivas, problemas cardiovasculares, ansiedade, estresse, distúrbios de aprendizagem e até infarto.

 

Mesmo aqueles que, porventura, não se incomodam com ruídos recorrentes podem ser afetados pelos distúrbios, por haver um fenômeno chamado habituação.

“A pessoa fica exposta por muito tempo e se acostuma. Ela afirma que não incomoda, mas relata, por exemplo, dificuldade para dormir, realizar tarefas de concentração, não tem boa digestão, entre outros problemas. A habituação não quer dizer que o organismo não sente”, completa a especialista.

 

"Inferno"
Para quem mora próximo a uma fonte de som já é difícil de lidar com os ruídos, porém, para quem está ao lado de duas ou mais, a situação se torna insustentável, garante Beatriz Alves, moradora do Condomínio Monjolo, no Bairro Floresta, Região Leste de BH. Há 20 anos no edifício, ela narra as mudanças ao longo do tempo.

“Junta todos os barulhos da região, a Praça da Estação com eventos e ensaios o ano inteiro; debaixo do Viaduto Santa Tereza com eventos; a Rua Sapucaí com todos os bares e uma casa de shows próxima ao prédio. Não era assim, mas tornou-se um inferno. Sou psicóloga e evito fazer atendimentos às sextas e sábados, devido ao barulho. Enquanto meu filho, que fazia home office até a noite, precisou se mudar”, conta.

 

Segundo Idelson Carmo de Araújo, síndico do prédio, as reclamações são constantes e os moradores já chamaram a fiscalização, a polícia e até acionaram a Justiça em alguns casos, mas nada resolveu completamente a situação.

“O impacto negativo no prédio está muito forte, há pessoas querendo se mudar por causa disso. Há quem não consegue dormir e precisa mudar de cômodo. Outros consideram colocar proteção acústica nas janelas, para barrar o som”, afirma.

 

 

QUEIXAS PELA CIDADE

 

Confira as regionais e bairros com mais reclamações em relação a ruídos

 

Centro-Sul 1.401

Pampulha 1.155

Oeste 736

Leste 719

Noroeste 616

Nordeste 561

Venda Nova 329

Norte 250

Barreiro 246

Total 6.013

 

Bairro com mais queixas:

 

Centro 728

Santa Tereza 571

Savassi 391

Castelo 390

Sagrada Família 384

Padre Eustáquio 377

Ouro Preto 362

Serra 356

Santa Amélia 343

 

 

Fiscais iniciam mapeamento

 

De acordo com a especialista Fernanda Abalen, é preciso haver um controle de ruído urbano, mas, para isso, se faz necessária uma medição e estabelecimento de áreas que estão acima das normas recomendadas pelos estudos. Entre as saídas, está a realização do mapa de ruídos, para gerir os níveis de poluição sonora.

 

O trabalho feito no Cefet-MG mapeou apenas o Centro da capital, mas, segundo a pesquisadora Lorena Cachuit, um dos objetivos era encontrar metodologias que facilitassem a criação de um mapa para a cidade inteira. “Isso vai auxiliar na fiscalização. Quando tiverem o mapa, servirá como parâmetro para medidas públicas”, diz.

 

Um mapa de ruído é uma ferramenta que revela, graficamente, a distribuição do nível sonoro e da propagação das ondas sonoras em uma determinada região, por um período definido. Em outros países, como os da Europa, essas representações são obrigatórias há décadas, mas, no Brasil, não há uma política avançada e poucas cidades concluíram algum estudo.

 

No último dia 18, fiscais da Prefeitura de Belo Horizonte iniciaram a medição sonora para elaborar o mapa de ruídos. O levantamento segue até outubro, de terça-feira a sábado, das 20h às 2h, em locais com e sem classificação de ponto crítico de poluição sonora. Ao todo, serão 5,4 mil medições em 1,8 mil pontos da capital.

 

O diagnóstico, segundo a prefeitura, permitirá o planejamento de ações mais efetivas para o bem-estar da população. "Será a possibilidade de visualizar as emissões sonoras e classificá-las conforme as demandas e particularidades de cada região", disse o Executivo municipal.


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