Jornal Estado de Minas

SOFRIMENTO EM DOSE DUPLA

Cidades mineiras de médio porte vivem esgotamento em dobro com pandemia


"Na terça-feira, perdemos a paciente mais jovem. Tinha apenas 30 anos. Deixou uma filhinha de um ano e 11 meses. A médica que cuidou dela me disse ontem: 'Chorei a noite toda'". O relato emocionado é do clínico-geral Cristian de Freitas Guimarães, coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Arnaldo Gavazza (rede filantrópica) e do Centro de Referência à COVID-19 em Ponte Nova, na Zona da Mata de Minas. Em outro hospital filantrópico, o quadro de horror se amplia. "É uma tristeza, nunca vimos situação assim. O que está nos preocupando é o grande número de pessoas mais jovens. Para ter uma ideia, 40% dos pacientes internados aqui no CTI têm menos de 50 anos", diz o coordenador do CTI do Hospital Nossa Senhora das Dores (de irmandade, 70% SUS), o cardiologista, intensivista e clínico geral Milton Irias.




 
A paciente que deixou a filha de um ano e 11 meses morava em Rio Doce e estava internada no Hospital Nossa Senhora das Dores. "Já perdemos outra, da mesma idade, vinda de Santa Margarida", conta Milton Irias. O médico relata o drama: "As equipes estão cansadas, faltam medicamento. Aqui no Hospital Nossa Senhora das Dores a capacidade na enfermaria chegou no limite. Temos 40 pacientes na enfermaria, filas grandes à espera. Muito triste."

 
Atendendo a uma região que congrega 21 municípios, com população estimada em 200 mil pessoas, o setor de saúde de Ponte Nova entrou em colapso e a situação ultrapassa o grau de alarmante. "Só nos resta rezar", resume Cristian. Segundo o médico, além da falta de médicos e fisioterapeutas, na última sexta-feira 15 pessoas estavam na fila do CTI. "Há esgotamento. Um médico ficou três dias diretos de plantão, todos vão se desdobrando. Estamos em busca de outros profissionais para trabalhar, mas está muito difícil", revela.
 
Destacando que o quadro passou de muito grave, o coordenador explica que os 107 leitos clínicos existentes no município estão lotados, o mesmo ocorrendo com os 35 de CTI. "Há quatro pacientes com COVID-19 intubados no nosso centro de referência. Precisamos também de mais equipamentos como ventiladores mecânicos, bomba de infusão de medicamentos e outros para salvar vidas", o médico. 





Retrato cruel


Para tentar atender maior número de pacientes, a direção do Arnaldo Gavazza atua para expandir o número de leitos e encontrar recursos. "Estamos tentando mais nove leitos, mas isso também não resolverá o problema. Afinal, a procura por atendimento não tem fim". Como retrato cruel da situação em Ponte Nova, município com 88 mortes de COVID-19, Cristian mostra a foto da entrada do centro de referência (hospital de apoio ou de campanha) com muitas ambulâncias vindas dos municípios que compõem a microrreregião de Ponte Nova: Abre Campo, Acaiaca, Alvinópolis, Amparo do Serra, Barra Longa, Diogo de Vasconcelos, Dom Silvério, Guaraciaba, Jequeri, Oratórios, Piedade de Ponte Nova, Ponte Nova, Raul Soares, Rio Casca, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado, Santo Antônio do Grama, São José do Goiabal, Sem Peixe, São Pedro dos Ferros e Urucânia.

 
Cada vez mais preocupado e sem enxergar saídas, o coordenador do Hospital Arnaldo Gavazza diz que os pacientes não são apenas pessoas idosas. "Estão internados ou aguardando leito crianças e jovens. A fila do CTI se forma no hospital, as pessoas esperam aqui mesmo." Com a vacinação muito lenta, agora na faixa etária de 75 a 79 em Ponte Nova, e os hospitais não conseguindo atender a demanda, Cristian vê, como fundamental, abaixar a taxa de transmissão. "Houve mudança no padrão do vírus, antes os quadros eram mais leves. Se há pacientes de todas as idades, é preciso se cuidar ".

Demanda sufocada


"Tem muitos médicos que chegam e falam que não vão ficar porque é COVID. Você vai repor no mercado e não encontra" - Danilo Carvalho, gerente da Santa Casa de Araguari (foto: Arquivo pessoal )
Enquanto os números da COVID-19 aumentam, o fluxo de trabalho em hospitais e os problemas decorrentes da pressão no sistema de saúde também sobem. Em centros médicos do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas, o quadro é dramático: ocupação de leitos no limite, médicos exaustos emocionalmente e dificuldades para encontrar medicamentos de intubação a preço acessível. Os gestores e profissionais de saúde ouvidos pelo Estado de Minas dizem que nunca viram nada igual.



Além de atender a população local, os hospitais também absorvem a demanda das microrregiões. É o caso do Hospital São José, de Ituiutaba, no Triângulo. O centro médico atende nove cidades da região, com população estimada de 250 mil habitantes. Na última quinta-feira, data em que foi feito o levantamento, o hospital estava com 100% de ocupação em todas as alas para pacientes com COVID-19, tanto na parte de enfermaria quanto na terapia intensiva. Ao todo, são 18 leitos de clínica médica e outros 10 de UTI. De acordo com o diretor administrativo da rede de saúde, Cleuson Oliveira, a demanda está em 100% há praticamente um mês. Com isso, houve sobrecarga de trabalho para os profissionais de saúde e, mesmo anunciando vagas, trabalhadores não são encontrados.


 
“O pessoal já está desgastado  devido à situação que estamos passando, e com a falta de profissionais isso agrava, porque você não encontra gente. Nós, inclusive, tentamos abrir mais leitos aqui, ficamos com publicidade o tempo todo em meios de comunicação para tentar contratar e não conseguimos”, resume Cleuson.

Araguari


Na vizinha Araguari, a situação é a mesma: dificuldade para contratar profissionais de saúde. A Santa Casa da cidade conta com 30 leitos de UTI, incluindo 20 custeados pelo Ministério da Saúde e 10 pela Secretaria de Estado de Saúde, estes últimos reativados em março. A ocupação, de acordo com a gerência do hospital, fica entre 27 e 28 vagas. A Santa Casa atende, além de Araguari, Tupaciguara, Indianópolis, Cascalho Rico e Araporã. Com a ampliação da estrutura, trabalhadores da rede de saúde tiveram que se dividir entre os pacientes da clínica médica e os que estavam na ala da COVID. No entanto, alguns pediram demissão ao serem informados que atenderam pessoas na UTI.




 
“Eu falava para o médico: 'Você vai ter que atender o COVID agora, não a clínica médica'. E ele: 'Então, estou saindo, porque vim para trabalhar numa parte clínica'. Tem muitos médicos que chegam e falam que não vão ficar porque é COVID. Aí, você vai repor no mercado e não encontra”, relata Danilo Coelho Carvalho, gerente da Santa Casa, que descreve o momento como “situação de guerra”, porque a equipe remanescente precisa se desdobrar para garantir atendimento aos internados. "Tem um médico e outro que é coordenador, função administrativa. O que ele faz? Ele se desdobra. Faz um plantão a mais do que deveria para cobrir o buraco. Na quarta-feira, teve um caso de última hora de um médico que se afastou por uma gripe e a médica que iria ficar com 10, ficou com 20 leitos”, conta.

Itajubá


Os profissionais de saúde da Santa Casa de Itajubá, no Sul de Minas, contam com a solidariedade da população e atendimento psicológico para suportar a carga de trabalho. De acordo com a superintendente Renata Finamor Alvarenga, a unidade teve que readequar o cardápio para a alimentação dos colaboradores, porque o horário em que conseguem parar para comer é irregular. “Fizemos a melhoria do cardápio, porque, infelizmente, o enfermeiro, o técnico, o fisioterapeuta e o médico conseguem parar para comer alguma coisa às 15h, 16h”.
 
O cotidiano desgastante também é amenizado com a participação da população, que vai até a Santa Casa deixar alimentos para os profissionais de saúde, como pizza e bolo. Doadores levam bolo, pizza, lanche, alguma coisa diferente, como citou um plantonista: “No meio da noite, em um plantão superdifícil, com taxa de ocupação de 100%, chega um bolo para adoçar a vida. Essa preocupação é importante”, afirma Renata, destacando que na quinta-feira todos os 20 leitos de UTI da Santa Casa estavam ocupados, além de 110% de demanda nas vagas de enfermaria. A microrregião de Itajubá é composta por Paraisópolis, Brazópolis e Maria da Fé, entre outros municípios.



Medicamento em falta ou caro


Outro desafio para os hospitais é a falta de medicamentos no mercado e o sobrepreço. De acordo com Danilo Coelho Carvalho, a Santa Casa de Araguari tentou comprar o anticoagulante enoxaparina, mas esbarrou em valores exorbitantes. “A Enoxaparina, que comprei a R$ 46, um cara me ofereceu a R$ 106. Em novembro, estava a R$ 25”, conta. O sedativo propofol teve preço triplicado de  R$ 9 R$ 27. Para tentar um preço mais em conta, unidades de saúde precisam entrar na fila dos laboratórios, como no caso de bloqueadores neuromusculares.
 
Em Ituiutaba, no Hospital São José, a situação se repete. De acordo com o diretor administrativo da rede de saúde, Cleuson de Oliveira, o estoque do “kit intubação” daria para cinco dias. Ele fez  ofícios ao poder público pedindo mais. “O maior desespero que nós estamos passando aqui é com o kit intubação. Quando conseguimos comprar, é a conta-gotas. O preço é exorbitante”, garante Oliveira, que fez um apelo para que autoridades tomem providências em relação ao abastecimento.
 
Em Itajubá, a Santa Casa trabalha com protocolo alternativo de sedativos para substituir as substâncias em falta no mercado. “O que temos trabalhado com o nosso comitê COVID é fazer protocolos de sedativos para conseguir  atendimento, mas dificulta muito, pois não é a droga específica que precisa gastar com uma outra quantidade, conseguir recursos para manter este novo protocolo e acaba trazendo prejuízos tanto para a instituição como para o paciente”, diz Renata Alvarenga, superintendente da Santa Casa.



Mais jovens internados


Os gestores também dizem que  o perfil das pessoas internadas mudou. Ao contrário da primeira onda, em que idosos eram maioria em leitos, atualmente os jovens são maior número. E o pior: em estado ainda mais grave em relação aos pacientes do passado. “Realmente, está tendo muito paciente novo agora. Mudou um pouco o perfil. Ontem (quarta-feira), por exemplo, os 10 pacientes que estavam na UTI estavam intubados. Muitas vezes, têm 10 pacientes na UTI, mas às vezes têm seis ou sete intubados, o restante fica na ventilação”, conta Cleuson Oliveira.

Em Araguari, por exemplo, a paciente mais jovem internada na UTI da Santa Casa tem 20 anos. Segundo Danilo Carvalho, o comportamento dos pacientes também mudou. Antes, eles procuravam a unidade de saúde de forma tardia. Agora, assim que percebido os primeiros sintomas, as pessoas buscam ajuda na UPA. “A média geral (de internados) fica entre 30 e 55 anos. 
 
Na Santa Casa de Itajubá, Renata Finamor teve a mesma percepção. Por isso, faz apelo aos mais novos sobre a importância do isolamento. “Os jovens têm que entender que todos estão suscetíveis a essa doença. Estamos com jovens em UTI e temos que prevenir porque o perfil mudou totalmente”, alerta, destacando que há fila por leitos na Santa Casa. Em Araguari, as medidas de isolamento da onda roxa já são sentidas na Santa Casa com a diminuição de atendimento de pronto-atendimento. Danilo Carvalho diz que a unidade recebia 30 a 40 pessoas por dia, número que caiu entre quatro e cinco pacientes. “Uma redução drástica. O isolamento demonstra que, até vacinar grande parte da população, é a medida mais eficaz”, destaca o gerente, que também frisa que um paciente não fica mais do que três dias na UPA aguardando por vaga no hospital. Também há fila por leito no Hospital São José, mas, segundo Cleuson Oliveira. O certo é que  a população precisa ter consciência da situação grave, diz.





O que é o coronavírus


Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp

Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?

Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.



Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 

Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'


Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência

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