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Estado de Minas UTILIDADE PÚBLICA

Grupo usa linguagem dos moradores para levar informação a favela de BH

Equipe de comunicação formada por pessoas que moram ou têm ligação com a comunidade produz conteúdos sugeridos pelos moradores da Pedreira Prado Lopes


02/02/2021 15:25 - atualizado 02/02/2021 16:39

Uma nova forma de comunicar com a comunidade da Pedreira Prado Lopes(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A.Press)
Uma nova forma de comunicar com a comunidade da Pedreira Prado Lopes (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A.Press)
Um carrinho de mão, com equipamento de som e microfone, circula todas as manhãs pelas ruas e vielas da Pedreira Prado Lopes (PPL), na Região Noroeste de Belo Horizonte. A linguagem informal, divertida e descontraída chama a atenção das pessoas que começam a sair de casa para trabalhar para os riscos de contaminação pelo novo coronavírus e para que mantenham as medidas sanitárias, entre outras abordagens. 
 
O serviço de informação é apenas parte de um trabalho de comunicação que vem ganhando corpo junto à população de um dos mais antigos bairros da capital. Tudo começou com a união de ideias entre duas sonhadoras: Valéria Borges Ferreira, de 54 anos, educadora infantil e nascida na comunidade, e a jornalista Élida Ramirez, de 42, que mantêm laços familiares na Pedreira.

Aluna de uma escola da extinta Febem, instituição que atendia a crianças em vulnerabilidade social, Valéria, aos 12 anos, resolveu criar um jornalzinho da Pedreira, que falasse de obras necessárias e as condições precárias de vida de seus moradores. "A escola, que funcionava dentro da favela, e tinha uma linha de ensino bem progressista, apoiou na ideia."

Com outros dois colegas, uma menina que também escrevia (Nice) e um menino ilustrador (que ela não lembra o nome), levantavam as "pautas", redigiam e os professores corrigiam. O informativo era impresso em mimeógrafo a álcool, cedido pelo educandário, grampeado e distribuído de mão em mão.
 
"Quando faltava o álcool, os moradores contribuiam com moedinhas para comprarmos", conta a professora. Ela precisou abandonar cedo a ideia, porque "na época tinha que trabalhar como doméstica".
 
De outro lado, Élida, que em sua infância visitava avós e primos que moravam na PPL, sonhava com um "jornalismo comunitário", construído a partir do olhar e das muitas linguagens daquela comunidade. Em sua experiência em TV, se incomodava com discursos "que não cabiam naquele território". 
Edésio Ferreira/EM/D.A.Press(foto: Valéria e Élida se uniram para realizar o sonho antigo)
Edésio Ferreira/EM/D.A.Press (foto: Valéria e Élida se uniram para realizar o sonho antigo)
Destinos cruzados e uma amizade construída pela convivência durante anos, as duas descobriram nas exigências do isolamento social e da surpreendente desinformação mundial de uma pandemia, a oportunidade de unir seus sonhos.

"Todo mundo isolado e o bicho pegando aqui na Pedreira", conta Élida. Ela percebia que o discurso generalizado de ministérios, organizações, governos, não chegavam da mesma forma àquele local. A realidade da periferia é outra. Como falar de isolamento sem vozes que não eram ouvidas e não se sentiam representadas pelos meios tradicionais de informação.
 
Ainda em abril, início do isolamento, para falar dos cuidados da pandemia a partir da própria população, de sua identidade, pensaram em um formato de jornal com linguagem sugerida a partir de cada grupo social. Ao mesmo tempo, como distribuir um jornal obedecendo o distanciamento social? Jornal ambulante foi a solução encontrada. Carrinho, equipamento de som e microfone. Uma intervenção nas ruas, com segurança sanitária dirigida às pessoas que não acessam  as redes sociais. 
 
Ao mesmo tempo, criaram uma vinheta com a chamada "Cê viu isso?" com pílulas de um minuto, distribuídas pelos diversos grupos de Whats App, e vídeos espalhados pelas redes Facebook e Instagram. A ideia foi tomando corpo e se expandindo. Um jornal ambulante e mutante, onde apareceram demandas de outros grupos: jovens, idosos, crianças, LGBT.
 

A hora dos "coroas"

 
Nair Rodrigues, 60, nasceu e sempre viveu na PPL. A partir de sua própria experiência sexagenária,"onde o corpo muda, as limitações aparecem, vem a menopausa, a gente tende a se recolher". Ela percebia que era um assunto pouco disponível entre as pessoas na comunidade. Que havia outras pessoas, outros grupos com sentimentos e percepções semelhantes sem oportunidades de se expor, de conversar, de trocar experiências. 
 
Ela trabalhou anos com faxinas e já percebia que "o corpo já não respondia com a mesma disposição". Ao ser convidada pelo grupo sugeriu que a troca de experiências entre pessoas a partir de sua faixa etária poderia ser muito positiva.

Criou então a coluna "Sessentona", onde, em conversa com um convidado, discute assuntos como problemas e soluções, tristezas e alegrias, dificuldades e superações. A cada 15 dias a coluna corre as redes sociais.
 
"Esse momento de pandemia sugere muitas pessoas depressivas, carentes, sozinhas. Estar bem com a gente mesmo é o melhor remédio, a melhor saída. Cobrar e sugerir posturas, alvos, sabedoria para lidar com essa situação", ensina Nair.

Iara Meira, 43, autônoma, nasceu na região de Venda Nova e mudou-se para a Prado Lopes há oito anos. Disse que encontrou no grupo de comunicação, a oportunidade de colocar a questão LGBT visível no aglomerado. No jornal virtual, é responsável pela coluna "Rasgando o Verbo", onde todos, independente da orientação sexual, podem se expressar sobre esse conteúdo. "Os heterosexuais têm as portas abertas, mas nós precisamos forçar as portas para termos visibilidade e respeito", observa. 

PPLinda prepara estreia


Uma nova personagem se prepara para estrear nas redes do "Cê viu isso?". A boneca preta PPLinda, criada pela pedagoga e professora de artes da educação infantil Gabriela Reis, 34, também nascida na Pedreira. A PPLinda foi construída com massa de jornais, rolinhos de papel higiênico e carinhosamente ornamentada com roupas coloridas, adereços de sua própria criadora. Com um microfone, ela usará linguagem voltada às crianças de até 6 anos.

"Em nossa apresentação, falaremos sobre o que é um vírus, porque há uma pandemia, a razão do isolamento social e medidas sanitárias. Tudo numa linguagem bem divertida, atrativa. Criança sabe que algo está acontecendo e precisa ser bem informada", observa.
 
O grupo criou uma vaquinha virtual para arrecadar fundos para os primeiros equipamentos. Já dispõe de um estúdio, para gravação de vídeos e áudios, edição e circulação de sua produção. As reuniões de pauta acontecem uma vez por semana. Como um jornal virtual e itinerante, e também sempre mutante, o "Cê viu isto?" está aberto a novas ideias, colaboradores e financiadores. 
 
A equipe conta com os trabalhos da produtora Érica  Arruda responsável em organizar materiais, marcar pautas, gravar colunas e sugerir temas. Todos os dias são postados materiais nas redes sociais. São dois vídeos semanais.

A equipe prepara uma edição mensal do "Cê Viu Isso?" que terá Valéria como apresentadora, gravando cabeças para costurar o material e com duração de 5 minutos. Outro produto o  "Cê Viu Isso por aí?", que circula nas ruas é quinzenal, mas a proposta é que seja diário. Alex Viana Monteiro, grafiteiro,  faz o Cê Viu Isso por aí? modulando o som e convocando as pessoas a participarem.
 

Pedreira foi a primeira comunidade surgida na capital


A Pedreira Prado Lopes (PPL) é a favela mais antiga de Belo Horizonte, com registros de início entre 1900 e 1920. Antes da ocupação, como o nome indica, o local era uma mina de pedras que auxiliou na edificação da capital mineira. Hoje, a Pedreira Prado Lopes tem quase 10 mil habitantes, e é um dos grandes berços do samba e da cultura urbana de BH.
 
A comunidade fica na região do Bairro Lagoinha. Segundo a História dos Bairros de BH, publicação da PBH, a região fica muito próxima ao Centro da cidade e à chamada zona urbana. Por isso, atraiu funcionários públicos, comerciantes, artistas, industriais e operários que exerciam suas atividades no Centro. Também naquele bairro havia grande número de operários italianos. 
 
Sua ocupação aconteceu de forma desorganizada, com ruas tortuosas que destoavam da ordem estabelecida no centro da cidade. Era um local de moradia de pessoas pobres e de desempregados, principalmente após uma forte crise econômica ocorrida na década de 1910. Cada um construía seu barraco, sem nenhum planejamento, muitas vezes, em áreas invadidas, como na Pedreira Prado Lopes.


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