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Estado de Minas ÊXODO E SOLIDARIEDADE

EM acompanha moradores que tiveram que sair de casa no Jardim Alvorada

Após a morte de cinco vizinhos em deslizamento de barranco, moradores do Jardim Alvorada buscam abrigo fora da área de risco, com ajuda de parentes e amigos, e já recebem doações


postado em 27/01/2020 06:00 / atualizado em 27/01/2020 08:30

Casado e pai de duas meninas, Adriano Santana carrega sacolas de alimentos, ajudado pelo cunhado, Francisco, que receberá a família provisoriamente(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Casado e pai de duas meninas, Adriano Santana carrega sacolas de alimentos, ajudado pelo cunhado, Francisco, que receberá a família provisoriamente (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
 

 

O sol apareceu na manhã de ontem, mas ainda não foi suficiente para iluminar os caminhos de muitas famílias do Jardim Alvorada, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte – a escuridão do medo e a fragilidade da dor norteiam os dias das pessoas residentes no bairro onde, no sábado, o deslizamento de barranco matou uma mulher e seus três filhos e um vizinho. “Não sabemos como será o futuro, mas o certo é que, agora, devemos sair daqui”, disse, ontem, o pedreiro Adriano Fragas Santana, de 33 anos, casado e pai de duas meninas, de 12 e 3.

 

Na manhã de ontem, Adriano subia a escada que leva da moradia à Rua Flor do Baile, carregando sacolas de alimentos, com ajuda do irmão e do cunhado, José Francisco Santos. “Fiz as compras de casa no sábado, incluindo carne, e estou indo para a casa da minha irmã, no Bairro Ouro Preto, onde vamos ficar”, explicou o pedreiro, que começou a bater em retirada na sexta-feira, temeroso de um abalo na moradia após a queda do muro lateral.

 

“Assim que passar a chuva e o solo secar, virei aqui para fazer os consertos, afinal, sou pedreiro e construí minha casa 'desde o chão'”, observou Adriano, nordestino natural de Sergipe, que chegou aos 18 anos a Belo Horizonte em busca de emprego. De tanta dor no corpo, de modo especial na coluna, ele foi levado no sábado ao Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, mas garante que está melhor. “Acho que foi o estresse.”

 

O vizinho Jonathan Silva Bráulio, de 32, autônomo, casado com Camila Nayara e pai de Lorenzo, prefere dizer que está precavido, e não com medo: “Medo, na verdade, é para quem vive numa situação pior do que a minha”. Decidido e de forma voluntária, Jonatham seguiu ontem para a casa dos pais, enquanto Camila e Lorenzo, para a casa da mãe dela. Também de manhã, ele juntava pertences para dar adeus temporariamente à casa que habita há quatro anos. “Moro no bairro desde que nasci.”

 

Jonathan Silva reúne os pertences, de saída para a casa dos pais. A mulher dele foi para a casa da mãe com o filho do casal(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Jonathan Silva reúne os pertences, de saída para a casa dos pais. A mulher dele foi para a casa da mãe com o filho do casal (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Moradores deixam o bairro pelo Escadão do Alvorada, enquanto a Defesa Civil atua na área para alertar sobre riscos, que persistem(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Moradores deixam o bairro pelo Escadão do Alvorada, enquanto a Defesa Civil atua na área para alertar sobre riscos, que persistem (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Tania Lopes, Vânia de Oliveira, Maria Alice e Gabriel de Oliveira juntaram donativos para quem teve que deixar tudo pra trás(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Tania Lopes, Vânia de Oliveira, Maria Alice e Gabriel de Oliveira juntaram donativos para quem teve que deixar tudo pra trás (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

 

 

Retirada


O êxodo provocado pelas chuvas cresce. Em vez de buscar abrigo na casa de parentes ou amigos, Fabrícia Aparecida Paulino, de 37, junto com os quatro filhos e a neta de um ano, julgou melhor alugar um quarto e esperar o perigo passar. “Saímos na sexta-feira, às 19h. Naquela hora, cada um foi para um lado, não tinha alternativa. Só deu jeito de retirar pouca coisa, tipo roupas”, lembrou Fabrícia, que, no meio de toda a confusão, pôde colocar em prática o ofício de eletricista. “Consertei o chuveiro da casa onde estou”, disse mostrando a façanha na tela do celular. Na quarta-feira, ela começa um curso técnico de eletricista e a trabalhar. “Estou bem animada.”

 

 

Ontem, equipe da Defesa Civil Municipal e representantes do serviço social da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) visitaram várias áreas do Jardim Alvorada, em especial na Rua Flor da Verdade, no ponto conhecido como Escadão. Os técnicos orientaram os moradores a abandonar as áreas de risco, como é o caso da encosta onde já caiu um barracão, não cortar árvores, como há no local, e esperar o solo secar para qualquer intervenção, pois ainda está muito encharcado.

 

Nilton Fagundes dos Santos, de 41, seguiu a recomendação à risca e foi para a casa do pai, Adélio Fagundes dos Santos, de 80, residente no local desde 1976. “Não tem como ficar mesmo!”, confessou. Ao lado, o servente de pedreiro Deivison Patrick e a mulher Crisleine Angélica Costa olhavam a casa onde vivem com os filhos Wlerisson, de 14, e Raynara, de 9. Em vez de ir para abrigos da PBH ou se cadastrar no programa de ajuda humanitária para vaga em pousadas, a família preferiu se alojar no bar do irmão. “Vamos ficar na parte de cima, com toda estrutura. Não está faltando nada lá”, disse Devison. Crisleine acrescentou que um abrigo não seria o ideal, pois Wlerisson é autista, sendo melhor, então, ir para a casa do irmão.

 

A PBH disponibilizou, nas administrações regionais, pontos de atendimento para ajuda humanitária, sendo necessário a família fazer o cadastramento para receber marmitex, cestas básicas, colchões, cobertores e lonas, além do direito, se necessário, a vagas de abrigamento. Ontem, o atendimento que funciona no Centro de Apoio Comunitário (CAC) Jardim Montanhês, na Rua Flor da Cobra, 10, atendeu cerca de 200 pessoas, com oferta de 120 marmitex. Hoje o local funciona das 8h às 18h. Na Região da Pampulha, há também o serviço nos bairros Suzano e Santa Terezinha.

 

Arlaine Dias põe em uma geladeira objetos que pertenciam aos amigos mortos no deslizamento. Em um canto, a panela de pressão onde o vizinho cozinhava feijão(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Arlaine Dias põe em uma geladeira objetos que pertenciam aos amigos mortos no deslizamento. Em um canto, a panela de pressão onde o vizinho cozinhava feijão (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

 

 

Panela de feijão


O domingo foi de lembranças e “descobertas” tristes para moradores de outras áreas do Jardim Alvorada, onde a maioria dos nomes tem nome de flor. Por volta das 12h, bem na frente do terreno onde estava a casa que sumiu do mapa, matando Maria Estela e seus três filhos pequenos, a vizinha Arlaine Dias recolhia DVDs que pertenceram à família e os colocava dentro de uma geladeira “deitada” sobre o passeio. “O filho dela tinha 6, o meu, Arthur, tem 5. Eram amigos”, contou Arlaine. Ao lado, no chão, estava uma panela de pressão, com feijão. “Era do outro vizinho. Também morreu.” Agora, Arlaine espera o retorno do vizinho Anselmo Pereira, de 55, para que ele leve a geladeira e os DVDs. “Moro numa parte do bairro que está segura, sem risco”, acrescentou a mulher.

 

 

Ainda na Rua Antônio Fernandes Melo, perto da Rua Flor da Verdade, Geraldo Pereira dos Santos, que já foi para o Bairro Engenho Nogueira, tentava demover o pai, João Ferreira dos Santos, de 78, da ideia de ficar no barracão onde mora. De longe, perto do barranco que desmoronou, dava para ver o idoso juntando telhas, puxando a bicicleta. “Vamos esperar até ele decidir ir embora comigo”, disse João.

 

 

Solidariedade


Enquanto muitas famílias deixam as casas com seus pertences, outras fazem o caminho inverso para levar donativos para quem precisa. Na manhã de domingo, Vânia Oliveira, aposentada, e o filho Gabriel de Oliveira Lima, de 19, e Tânia Lopes, com a filha Maria Alice Lopes, de 17, seguiam em direção à associação comunitária do Bairro Jardim Alvorada, para entregar sacolas com calçados, roupas de cama, agasalhos. “É uma forma de colaborar com quem, nestes dias, está precisando tanto”, afirmou Vânia.

 


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