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Mariana, 3 anos e meio depois: nenhuma casa pronta no novo Bento

Este é o cenário na vila que a Renova prometeu reconstruir: um canteiro de obras. Enquanto isso, na cidade, mais de 800 famílias ainda esperam indenização


postado em 05/05/2019 06:00 / atualizado em 05/05/2019 07:57

(foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
(foto: Fotos: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

A crise de segurança nas barragens de rejeitos em Minas, que se seguiu ao desastre que deixou 235 mortos e 35 desaparecidos em Brumadinho, na Grande BH, com o rompimento das represas da Mina Córrego do Feijão, da Vale, acabou por obscurecer uma outra tragédia, até então considerada o pior dano socioambiental da história do país. Ao completar três anos e meio, hoje, a catástrofe da Samarco segue como uma ferida aberta em Mariana, com uma reparação contestada por especialistas e uma dívida humana, social e ambiental muito distante de ser quitada.

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A nova sede do subdistrito de Bento Rodrigues, por exemplo, votada em maio de 2016, já teve sua data de inauguração alterada três vezes: para 2018, depois para março deste ano e atualmente é aguardada para o primeiro semestre de 2020. Não está concluída sequer uma das 226 casas programadas no local do reassentamento, enquanto a vila que teve 80% de seu território destruído por uma avalanche de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro acabou se tornando uma extensão da Barragem do Fundão, um complexo de diques e casas arruinadas, onde o que não foi tomado pela água e pela lama vai aos poucos sendo engolido pela mata.

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Entre as críticas ao processo de compensação e reparação de danos desde o rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, há diversas contestações a procedimentos, desempenho e até em relação à própria formação da Fundação Renova – criada para lidar com os efeitos da tragédia. O Ministério Público em níveis federal e estadual só aderiu em agosto do ano passado ao Termo de Transacional de Ajustamento de Conduta (TTAC) que criou a Renova em 2016, formando um novo acordo de governança (TAC Governança).

Um dos indicadores da eficácia questionável do modelo é o fato de que a mineradora Vale – uma das criadoras da Renova ao lado da BHP Billiton e da Samarco – preferiu não repetir o formato, mas sim criar uma diretoria própria e específica para tratar do processo de recuperação  em Brumadinho. Embora veja falhas nas duas formas de lidar com o problema, o relator especial das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, a Água e o Esgotamento Sanitário, Leo Heller, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, considera o modelo da Renova ruim por negligenciar a vontade dos atingidos.


Segundo o relator da ONU, assim que ocorreu o desastre em Mariana houve diversas reuniões entre os governos dos estados atingidos, a União e as mineradoras envolvidas, tendo à frente a Samarco, operadora da barragem, a Vale e a BHP Billiton, suas controladoras. “Foi nascendo uma proposta de uma fundação pública de direito privado com direção indicada pelo estado. O direito privado era para que tivesse mais agilidade para compras e seria conveniente administrativamente. Mas essa proposta não prosperou, e sim a de uma fundação totalmente privada, que é a Renova”, diz Heller.
O relator foi uma das vozes que se ergueram contra a formação da fundação, por temer uma intrusão demasiada das empresas no rumo das ações de reparação de danos. “Penso que meus receios daquela época se confirmaram. A Renova, hoje, é uma fundação que tem quase que total dependência das controladoras. Elas indicam a direção, as decisões são tomadas e o que prevalece é o que as controladoras querem, mesmo com alguma participação dos atingidos”, critica.

Para Heller, há uma grande desconfiança dos representantes dos atingidos, que acabam preferindo não participar das tomadas de decisão da Renova. “Primeiro, porque essas lideranças têm uma sensação de que, mesmo compondo os conselhos da Renova, a sua capacidade de influenciar nas decisões é muito pequena. Segundo, acabam tendo a impressão de que podem acabar sendo usados para legitimar ações controversas da fundação.”

PARTICIPAÇÃO De acordo com a Fundação Renova, as atividades e soluções no processo de reparação que já consumiu três anos e meio seguem um “processo de envolvimento, participação e construção conjunta com diversos públicos interessados: população atingida, especialistas e agentes por meio de reuniões, assembleias, grupos de trabalho além da participação de atingidos no Comitê Interfederativo (CIF)”. A fundação destaca que, com o TAC Governança, termo assinado com o Ministério Público, todos os órgãos terão representantes formais das comunidades atingidas. “Assim, as comunidades passam a ter direito a voto e a participar efetivamente das decisões sobre o processo de reparação. Até então, os atingidos tinham direito a voz e sua participação acontecia de forma indireta, por meio de organizações como comitês de bacia e comissões de prefeitos”, sustenta a fundação.

As assessorias técnicas foram escolhidas pelas comunidades, com o apoio do Ministério Público e do Fundo Brasil Direitos Humanos. “A fundação não tem qualquer interferência na definição das assessorias técnicas, um processo conduzido soberanamente pelas comunidades com a coordenação da ONG Fundo Brasil”, acrescenta. As 17 novas comissões locais selecionadas pelos atingidos ainda dependem de aval do Ministério Público para efetivar seu funcionamento.

 

Mais de 800 famílias esperam indenização

 

A situação dos atingidos de Mariana é a mais complexa da Bacia Hidrográfica do Rio Doce atingida pelo rompimento da Barragem do Fundão. Para se ter uma ideia, três anos e meio após a catástrofe, as famílias de Mariana ainda estão negociando indenizações por danos materiais e dano moral. Dos 882 núcleos familiares cadastrados, 212 iniciaram as negociações com o Programa de Indenização Mediada (PIM), da Fundação Renova, e só 22 acordos foram concluídos. “As indenizações em Mariana passaram por um processo diferente do restante da região impactada, em razão de diversos fatores, que incluem o ajuizamento de Ação Civil Pública pelo Ministério Público e as decisões dos próprios atingidos, que escolheram que o cadastro fosse realizado pela Assessoria Técnica Cáritas”, sustenta a Renova.

Em audiência promovida em outubro de 2018 no Fórum de Mariana, foi homologado acordo que estabeleceu que, a partir da entrega do dossiê elaborado pela Cáritas contendo o resultado do cadastro, a Fundação Renova teria prazo de três meses para apresentação da respectiva proposta de indenização. O acordo ainda prevê que os atingidos, se assim desejarem, procurem a Fundação Renova para negociar e dar sequência ao seu processo de indenização final, mesmo antes da entrega do dossiê pela assessoria técnica. Até o momento, 25 dossiês foram entregues. A partir deste mês, está prevista ainda uma assessoria jurídica para auxiliar os atingidos nas negociações. A Renova informa que está estruturada para atender as pessoas diretamente afetadas e aguarda a entrega de todos dos dossiês, pela Cáritas, para continuar os atendimentos em Mariana.

NEGÓCIO FECHADO Pela contabilidade da fundação, cerca de 13 mil famílias foram atendidas em razão dos danos gerais sofridos, com celebração de 8,5 mil acordos e pagamento de 8,4 mil indenizações. Das propostas apresentadas, 98,5% foram aceitas. O programa de auxílio financeiro emergencial assiste a cerca de 12,5 mil famílias, alcançando mais de 28 mil pessoas atingidas, com o correspondente a um salário mínimo vigente, acrescido de 20% por dependente e montante equivalente a uma cesta básica.

A Fundação Renova também informa ter indenizado 261 mil pessoas por danos decorrentes da suspensão temporária, por mais de 24 horas ininterruptas, no abastecimento de água, com um percentual de aceitação de 84% dos atingidos.

Os planos de 2016 que não se concretizaram

O progresso das reparações de danos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, seguiria uma linha bem definida, segundo previu a Fundação Renova em 2016. Naquele ano, quando a entidade foi criada para executar as ações de reparação dos danos, 2018 deveria ser o “ano das vítimas”, com o cadastro de todos os atingidos e a solução para a questão das indenizações, para que 2019 fosse o “ano da reparação ambiental”. “Temos como compromisso para 2018 a solução dos problemas da Barragem de Candonga, em desassoreamento, mas já com a Hidrelétrica Risoleta Neves funcionando, obras de reassentamento em curso, acordos e pagamentos de indenizações, início da restauração florestal e a divulgação das informações sobre a qualidade da água disponível ao público”, disse, na época, o presidente da Renova, Roberto Waack.

Contudo, após três anos e meio do acidente e três anos de criação da Renova, a fundação ainda não foi capaz de cadastrar todos os atingidos, não conseguiu indenizar todas as pessoas afetadas, Candonga ainda não gera energia, a conclusão das obras de reassentamento no novo povoado de Bento Rodrigues foi adiadas três vezes e a restauração florestal não foi concluída. O monitoramento e a divulgação da qualidade da água, por sua vez, foram cumpridos.

A Fundação Renova considera que a “questão das indenizações está encaminhada”. Foram pagos R$ 1,5 bilhão em indenizações e auxílios financeiros para cerca de 300 mil pessoas. “Para tentar resolver a questão dos pagamentos em um ambiente de alta informalidade, foi necessário ouvir e construir coletivamente as políticas de indenização para efetivação de um processo justo, levando em conta ainda a diversidade de danos e a individualidade de cada processo. Por isso, em 2019, 38% do orçamento total será destinado para o programa, o equivalente a R$ 1,1 bilhão”, informou.

A Renova contabiliza um gasto de R$ 5,79 bilhões nas ações integradas de recuperação da Bacia do Rio Doce. Dentro das ações ambientais estão o monitoramento da água por meio de 92 pontos, feito em 22 deles por estações automáticas. As informações são armazenadas em um banco de dados, acessado por órgãos públicos que regulam e fiscalizam os recursos hídricos do país. Foram feitas melhorias em 13 Estações de Tratamento de Água (ETAs) em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Segundo atesta a Agência Nacional de Águas (ANA), a água do Rio Doce pode ser usada, inclusive para consumo humano, após o devido tratamento pelas concessionárias de saneamento. De acordo com a Renova, 113 afluentes do Rio Doce foram reconformados e mais de mil nascentes recuperadas. Para restauração florestal, 40 mil hectares e 5 mil nascentes serão recuperadas em 10 anos, com mais de 1 milhão de mudas usadas e o envolvimento de 450 produtores rurais nos dois estados. “Como medida compensatória, a fundação disponibiliza R$ 500 milhões para projetos de saneamento para os municípios impactados. Só este ano, devem ser desembolsados R$ 82 milhões. Dois municípios apresentaram os projetos e receberam a verba”.

Novo Bento: 2020 é promessa renovada

Sobre os reassentamentos, a fundação reafirmou o compromisso de entregar as primeiras casas do novo Bento Rodrigues no ano que vem. Estão previstas para começar este mês, passados 42 meses da tragédia, as obras de infraestrutura dos terrenos que vão receber moradias, o posto de saúde e a Escola Municipal Bento Rodrigues. “Os prazos do reassentamento são diretamente influenciados pelo processo coletivo e deliberativo definido para tomada de decisões, estabelecido nas diretrizes do reassentamento definidas com a comunidade, comissão de atingidos, assessoria técnica, com acompanhamento do Ministério Público”, sustenta a Renova.

Em abril foi assinado acordo entre a Prefeitura de Mariana e a Fundação Renova para reforço e suporte à equipe técnica, com profissionais para avaliar os projetos das obras de reconstrução de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, além dos licenciamentos ambiental e urbanístico de Paracatu. Pelo convênio, a fundação vai repassar à prefeitura cerca de R$ 7,9 milhões para que o município possa contratar profissionais de diferentes áreas de atuação e equipamentos necessários para as secretarias de Obras e de Meio Ambiente.

Como nos desenhos das casas, feitos com envolvimento dos atingidos, o projeto da escola municipal foi construído com a participação da comunidade de Bento Rodrigues, com o suporte de universidades e arquitetos. “As obras de preparação dos terrenos das casas estão previstas para começar em maio. A Secretaria Municipal de Obras avalia 46 projetos. Outros 79 estão prontos, sendo que 222 famílias estão sendo ou já foram atendidas por uma equipe formada por 37 arquitetos. Cada núcleo familiar é atendido por um arquiteto, que ouve como era a casa do atingido e como ele imagina a nova moradia”, informou a fundação. Para a comunidade de Gesteira, foi concluída a negociação para compra do terreno. O próximo passo será construir junto à comunidade o projeto conceitual do reassentamento.


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