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Estado de Minas

Autoridades discutem limitar acesso à travessia da Serra Fina, no Sul de Minas

Popularizada em redes sociais, travessia da Serra Fina, considerada das mais difíceis do país, faz novas vítimas. Após resgate de dupla castigada por temporais, restrição de acesso é debatida


postado em 19/09/2018 06:00 / atualizado em 19/09/2018 07:40

Cordas ajudam em alguns trechos, mas empreitada exige preparo, suprimentos e equipamento especial (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press - 22/5/18)
Cordas ajudam em alguns trechos, mas empreitada exige preparo, suprimentos e equipamento especial (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press - 22/5/18)


Aos pés das duas mais altas montanhas da Serra Fina, por quase quatro dias uma dupla de jovens exploradores de Macaé (RJ), de 19 anos, enfrentou frio cortante e chuva, em um ambiente que é tido como um dos mais hostis do mundo, no Sul de Minas Gerais, nas divisas com Rio de Janeiro e São Paulo. Após mais de 72 horas perdidos, Paulo José da Silva Gonçalves e Isaías Tavares Machado Júnior conseguiram na manhã de ontem contato telefônico com bombeiros de Lavras, São Lourenço e Viçosa, que identificaram sua localização a cerca de 13 quilômetros do fim da trilha. Uma equipe de 10 militares e quatro guias que pernoitou na região foi direcionada para o socorro, mas a dificuldade de acesso era tal que apenas no fim da tarde os dois foram resgatados. A aventura se popularizou graças às redes sociais, o que leva muita gente a se arriscar pelo maciço sem a devida preparação. Tanto que este é o sexto caso de pessoas que precisam de socorro para deixar o maciço com vida este ano. Por isso, discute-se entre representantes das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e bombeiros a necessidade de impor alguma forma de controle de acesso à travessia ou, pelo menos, maior conscientização sobre a necessidade de contratação de guias e uso de equipamentos apropriados à exploração.


Helicópteros e outras equipes também estavam de prontidão, mas o clima de intensas tempestades impediu a decolagem das aeronaves. Paulo José e Isaías começaram essa que é tida como uma das mais difíceis travessias do Brasil no dia 12. A previsão era de que conseguissem chegar ao ponto de extração, o chamado Sítio do Pierre, em Itamonte, no último domingo. O serviço de vans que a dupla contratou aguardou os aventureiros até a noite. Como não apareceram, os bombeiros foram acionados e as buscas começaram na manhã de segunda-feira.


A travessia completa percorre 33 quilômetros, com 20 montes acima de 2 mil metros de altura (veja na arte os pontos principais). Geralmente, percorrer essa trilha leva quatro dias. Ao longo dos anos, guias e pessoas que frequentam a serra instalaram pelo caminho sinalização, totens e cordas para auxiliar nas escaladas e descidas. Um dos principais desafios é a escassez de água. Mas, no caso da dupla perdida nesta semana, as fortes chuvas aliviaram esse obstáculo. “Neste caso, eles encontraram água, mas as próprias chuvas atrapalham o deslocamento e aumentam o desgaste. E tem também o problema de se perder nas trilhas, porque, com a chuva e os nevoeiros, as referências visuais acabam sendo prejudicadas. No caso dessa dupla isso era fundamental, pois eles não tinham GPS, só um mapa que imprimiram da internet”, disse o cabo Cézar, do Corpo de Bombeiros de São Lourenço.


De acordo com os Bombeiros, os dois exploradores desceram a Pedra da Mina, que é a quarta mais alta do Brasil, com 2.798 metros, na sexta-feira. Chegaram a conseguir sinal de telefone para enviar fotografias para redes sociais. Mas, depois de descerem o pico, enfrentaram um dos trechos mais complexos da travessia, nos sete quilômetros até o Pico dos Três Estados, o segundo mais alto da travessia, com 2.665 metros, terceiro ponto de acampamento. As dificuldades começam no chamado Vale do Ruah, local plano, mas de visibilidade muito prejudicada por uma vegetação com mais de dois metros de altura, que dificulta seguir por trilhas demarcadas e atrapalha a percepção de paisagens que servem de marcos para orientar o deslocamento. Nos morros que se seguem, a força das chuvas esculpe vários trilhos que ajudam a confundir quem procura pelos caminhos corretos para o Pico dos Três Estados.

REGULAÇÃO De acordo com José Sávio Monteiro, gestor e proprietário de uma das RPPNs que preservam a Serra Fina, a preocupação com a preservação natural da região e com a segurança das pessoas que tradicionalmente percorrem suas trilhas tem aumentado. “Com as redes sociais, a travessia se tornou quase uma moda – por ser difícil, por ter paisagens lindas. Mas não é algo simples. Você precisa de estar acompanhado por guias ou pessoas que conheçam a região. Precisa ter equipamentos específicos, agasalhos, água, alimentos, pois os riscos são muito grandes”, afirma.


Ainda de acordo com ele, a ideia de se fazer trabalhos de conscientização e até de regular a entrada das pessoas tem ganhado força nas reuniões da Área de Preservação Ambiental (APA) Mantiqueira, que abrange toda a cadeia montanhosa. “Nos feriados, quando muitas pessoas ingressam nas trilhas, falta lugar de acampamento e com isso os grupos destroem a mata em locais impróprios, para poder montar suas barracas. Isso degrada a natureza e não pode ocorrer livremente”, afirma.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)

 

Resgate caro e difícil

 

As ocorrências de desaparecimento na Serra Fina não são incomuns. Em julho deste ano, os bombeiros de Minas e a Polícia Militar de São Paulo resgataram o paulista de Campinas Luís Cássio Bezerra de Santana, de 27 anos, que ficou perdido por oito dias no maciço. Foram três dias de buscas, que envolveram meia centena de militares, guias experientes, nove viaturas e duas aeronaves de corporações de Minas Gerais e de São Paulo. Ao escutar a passagem do helicóptero Águia, da PM paulista, o jovem fez acenos e foi localizado. Porém, devido à dificuldade de pouso, uma equipe de solo fez o trabalho de resgate.


Nos últimos meses, vários montanhistas se perderam e demandaram grandes operações de resgate. A maior delas ocorreu em 5 de maio, numa sequência da Serra da Mantiqueira entre Minas Gerais e São Paulo, onde se encontra o Pico dos Marins (2.420 metros) – a 20 quilômetros da Serra Fina. Depois de 20 dias, foi encontrado o corpo do atleta francês Eric Gilbert Welterlín, de 53. Segundo a polícia, ele morreu por uma queda brusca da temperatura corporal (hipotermia).Foram mobilizados nos trabalhos três helicópteros, cães, drones e cerca de 100 bombeiros e socorristas.


Um conterrâneo do francês, chamado Marc Meslin, de 22, se perdeu na Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, ao tentar a travessia do local. Ele foi encontrado depois de cinco dias e resgatado em segurança pelos bombeiros fluminenses. Em 20 de julho, no Pico das Agulhas Negras, que fica a 12 quilômetros da Serra Fina, um homem de 69 morreu de parada cardiorrespiratória e outra pessoa foi resgatada com hipotermia.

MONTANHAS DE DESAFIOS Os riscos e desafios da travessia da  Serra Fina foram retratados pelo Estado de Minas em julho, na série “Montanhas de histórias”. Em quatro dias de expedição, a equipe do EM mostrou as particularidades de um dos lugares mais inóspitos do planeta, que paradoxalmente se encontra entre os estados mais povoados do país – MinasGerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A porção  oeste da Serra da Mantiqueira, entre Passa Quatro e Itamonte, no Sul de Minas, reúne condições climáticas imprevisíveis, acidentes geográficos radicais, vegetação selvagem e escassez de água. Ali, se erguem a quarta mais alta montanha do  Brasil, a Pedra da Mina,com 2.798 metros, o Pico dos Três Estados (10ª),com 2.665 metros, e outras 18 elevações acima de 2 mil metros. Os obstáculos, que levam em média cinco aventureiros a se perderem na área a cada ano, renderam à aventura o título de uma das mais duras do Brasil.


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