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Estado de Minas

Autoridades dão ultimato aos culpados pela tragédia de Mariana: veja detalhes

Procuradores, promotores e defensores públicos da União, de MG e do ES, além do MP do Trabalho, denunciam abusos e dão 20 dias a Samarco, Vale, BHP e Renova para saná-los


postado em 06/04/2018 06:00 / atualizado em 06/04/2018 07:35

Moradores na cidade-fantasma que se tornou Bento Rodrigues: força-tarefa denuncia lentidão e abusos (foto: Jair Amaral/EM/DA Press - 5/11/2017)
Moradores na cidade-fantasma que se tornou Bento Rodrigues: força-tarefa denuncia lentidão e abusos (foto: Jair Amaral/EM/DA Press - 5/11/2017)

“Os atingidos ainda vivem uma situação dramática. Jamais imaginaríamos que, dois anos e cinco meses depois do desastre, a situação ainda estaria como está. Aparentemente, a política e os programas de reparação de danos estão indo bem, mas a realidade é bem diferente do programa apresentado pelas três empresas e seu braço terceirizado, chamado Fundação Renova. Temos uma tragédia dentro da tragédia.” A declaração é do procurador da República José Adércio Leite Sampaio, da Força-Tarefa Rio Doce, responsável pelas investigações do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas. Ontem, quando se completaram 29 meses do maior desastre socioambiental da história do país, que matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição ao longo do Rio Doce entre Minas e o Espírito Santo, sete instituições envolvidas com o processo de reparação listaram uma série de abusos atribuídos às mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton e à Renova. O grupo expediu recomendação para sanar as irregularidades, com prazo de 20 dias, informando que as empresas podem ser responsabilizadas criminalmente pelas violações.

Assinam o documento o Ministério Público em nível federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o MP do Trabalho e representantes da Defensoria Pública da União e dos dois estados. Eles cobram que as mineradoras respeitem os direitos dos atingidos pelo desastre, em novembro de 2015. As empresas terão 20 dias para informar sobre as providências adotadas. Para atuar na reparação dos danos, elas criaram a Fundação Renova, fundada depois de Termo de Transação e Ajustamento de Conduta firmado em 2 de março de 2016 entre as companhias, a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. “Temos hoje uma parte invisível da tragédia, que é a repetição, por meio desse braço terceirizado, das consequências na vida dos atingidos. Um braço que deveria adotar medidas para minorar os problemas das vítimas tem piorado”, afirmou o procurador federal, durante entrevista coletiva. Segundo ele, nos relatos colhidos ao longo das apurações foram constatadas “pressões e chantagens para que os atingidos aceitem as condições impostas pela Renova”.

José Adércio afirmou que as negociações que agora estão em curso com as empresas dependem da mudança de posicionamento da Renova e das suas mantenedoras. “Há duas versões sobre o caso. A primeira, que aparece nos relatórios, de que tudo está sendo feito de forma correta. A segunda, de que não está sendo feito, nem à hora nem ao tempo em que deveria. E há apenas uma verdade: o descumprimento desse quadro, imputável às empresas”, disse José Adércio Leite Sampaio.

Defensor público do Estado do Espírito Santo, Rafael Mello Campos apontou violação de direitos humanos e ineficiência dos programas socioeconômicos. Segundo ele, muitas pessoas só estão tendo acesso ao cartão emergencial dado como auxílio financeiro aos atingidos depois de ação da Defensoria. “Centenas de pessoas ainda aguardam. A justificativa é de que a renda não foi comprometida ou não foi suficientemente afetada, mas, até hoje, não identificamos critérios para os atingidos terem ou não direito. Não há um grau para avaliar por que alguém foi ou não atingido. E isso não é exceção, é regra no Rio Doce”, relatou. Para o defensor, sem o reconhecimento dos afetados, a tendência é de uma avalanche de ações judiciais de pessoas que não têm como provar seus danos.

Ver galeria . 24 Fotos Rompimento de barragens de Fundão e Santarém causa enxurrada de lama e destrói o distrito de Bento Rodrigues divulgação/Corpo de Bombeiros
Rompimento de barragens de Fundão e Santarém causa enxurrada de lama e destrói o distrito de Bento Rodrigues (foto: divulgação/Corpo de Bombeiros )


Entre as violações relatadas pela força-tarefa está a obrigação imposta aos atingidos de manter em sigilo a proposta de reparação feita individualmente, sob pena de pagamento de multa de R$ 10 mil. Nos casos de assinatura das indenizações, a pessoa deve ainda se comprometer a não mover ação na Justiça e abrir mão das que eventualmente estejam em curso. Há caso até mesmo de indenização que levou em consideração um pé de limão, avaliado por valor menor que o de um quilo da fruta. As propostas também são unilaterais, segundo ressaltou a defensora Mariana Andrade Sobral, também do Espírito Santo. “A Renova fala quais são os danos e valores. Ou seja, não é um programa de mediação, como estava previsto no acordo. A pessoa, quando assina, dá quitação ampla, geral e irrestrita. Consideramos isso ilegal”, disse.

Procuradores e promotores chamaram a atenção ainda para o fato de que, quase 30 meses depois da tragédia, há pessoas ainda sem resposta sobre pedidos de cadastro para participação em programas socioeconômicos. “A Renova vem anunciando em campo que finalizará o cadastro até o fim do ano. Pela nossa recomendação, só termina quando todos forem inscritos”, pontuou o procurador da República Paulo Henrique Trazzi, que atua em Linhares (ES). “Só vamos avançar quando a Renova reconhecer os atingidos como pessoas que tiveram seus direitos violados.” 

APURAÇÃO CRIMINAL
A prescrição do direito a reparação, em 5 de novembro deste ano, é outro ponto que estaria sendo alardeado pelas empresas, como forma de forçar a assinatura de acordos, segundo as investigações. “Não há que se falar em prescrição nem em quitação geral. A reparação deve ser integral e a quitação geral não é adequada, porque inclui danos que nem negociados foram e aqueles que ainda estão em continuidade”, destacou o promotor de Justiça do Espírito Santo Hermes Zaneti Júnior, lembrando a ação coletiva impetrada pelo Ministério Público no valor de R$ 155 milhões contra as empresas.

A expectativa é de que Samarco, Vale, BHP Billiton e a Fundação Renova cumpram as recomendações no prazo estabelecido. Caso contrário, procuradores, promotores e defensores ameaçam com novas ações judiciais contra o que consideram arbitrariedades. “Há situações que podem caracterizar crime, o que também será investigado. Por exemplo, constrangimento ilegal e abuso de vulnerável, que é uma modalidade de estelionato, no caso da exigência de declaração de quitação geral”, disse o procurador da República Hélder Magno da Silva. 

"Jamais imaginaríamos que dois anos e cinco meses depois do desastre, a situação ainda estaria como está. Temos uma tragédia dentro da tragédia." - José Adércio Leite Sampaio, procurador da República e integrante da Força-Tarefa Rio Doce (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

Renova: ‘Questão já vem sendo tratada’ 

Por meio de nota, a Fundação Renova disse que a recomendação aborda questões “que já vêm sendo tratadas e estão passando por evoluções”. “Os reflexos desses avanços nos programas são resultado de uma construção coletiva contínua”, afirmou. Acrescentou que prestará todas as informações sobre o avanço dos programas, “seguindo sua política de transparência e seriedade no trato com todos os envolvidos”.

Informou ainda que mobiliza diariamente equipes de campo orientadas por áreas especializadas em direitos humanos e compliance (termo em inglês que significa estar em conformidade com as leis) para buscar as soluções para os atingidos. “É composta por centenas de pessoas envolvidas dia e noite na maior ação de recuperação ambiental e socioeconômica em construção no país. Um grupo formado não somente pelos técnicos da Renova, mas por uma soma de esforços individuais e de dezenas de entidades oriundas de órgãos públicos, de organizações civis, de empresas, de universidades e instituições de pesquisa, além de representantes das comunidades atingidas.”

Já as empresas Vale, Samarco e BHP Billiton também por meio de nota, reiteraram o compromisso para compensação e remediação que estão a cargo da Renova. “As empresas reiteram, ainda, o seu compromisso com as negociações em curso para realização de acordo com as partes envolvidas, permanecendo à espera do retorno do Ministério Público, conforme previamente pactuado”, finalizou o texto conjunto. *Estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia 

 

Dia de protestos

O dia em que a tragédia da Samarco completou 29 meses foi marcado por manifestações contrárias às mineradores responsáveis pela barragem que se rompeu. Em Mariana, moradores de Bento Rodrigues pararam a MG-129, na entrada para o distrito devastado, cobrando da Fundação Renova agilidade no processo de construção das novas moradias para os atingidos. Em Periquito, no Vale do Rio Doce, cerca de 200 pessoas, de acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens, protestaram fechando uma linha de trem da Vale, denunciando demora na solução de problemas causados pelo desastre e na resposta às demandas de vítimas.

Desvios e determinações


Abusos atribuídos à Fundação Renova, mantida por mineradoraas, e recomendações de representantes da Defensoria e Ministério Público 

Maiores abusos

» Fornecimento de informações equivocadas, induzindo os atingidos pelo desastre a erro. Alegação de prescrição no direito à reparação dos danos para forçar as vítimas a aceitar rapidamente as condições oferecidas pelas empresas, sem possibilidade de negociação. A Renova obriga atingidos a renunciar ao direito de propor futuras ações judiciais ou àquelas já propostas. Não há possibilidade de discussão, pelos atingidos, no âmbito das políticas indenizatórias, quanto aos valores oferecidos pela empresa – é reservado apenas o direito de aderir ou recusar. Renda da mulher atingida que trabalha de forma autônoma não está sendo reconhecida, sendo negado o cartão emergencial em seu nome.

Recomendações
» As empresas devem se abster de exigir renúncia dos direitos a eventual ação judicial pelo atingido, devendo eventual desistência se ater integralmente aos limites do acordo. Devem também se abster de usar questionários com a mulher atingida que direcionem ou não ao reconhecimento do seu trabalho como autônoma, independente e não complementar ao do seu companheiro, devendo indenizá-las em igualdade de condições com os homens.

Assistência judicial gratuita
» Cobrança ou desconto do valor das indenizações do valor da assistência jurídica que, conforme acordo firmado com as autoridades, deveria ser gratuita

Recomendações
» Custear a assistência jurídica gratuita a todas as pessoas que não tenham condições de arcar com a despesa. O valor não poderá ser descontado do valor da indenização. Ressarcir eventuais descontos.

Acesso à informação
» Dificuldade ao uso pelas pessoas interessadas de documentos produzidos pela Renova. Cláusula em contrato de pagamento de indenização exige compromisso de confidencialidade e impõe multa a quem desobedecê-la

Recomendações
» Garantir aos atingidos amplo e irrestrito acesso aos documentos produzidos pela Renova, em linguagem clara e acessível

Cadastro dos atingidos

» Recortes de limites geográficos impedem o cadastro de indivíduos que se entendem atingidos. Não há critérios estabelecidos para as negativas. Prazo de cadastro se encerraria em meados deste ano. Valor financeiro concedido pela Renova não leva em conta rendas que sofreram impacto indireto e não considera todos os indivíduos do núcleo familiar, mas o grupo como um beneficiado apenas.

Recomendações
» Cadastramento não será encerrado enquanto todos os pedidos de cadastro e de reconhecimento das pessoas como atingidos não sejam devidamente apreciados. As empresas devem reconhecer o direito ao cartão emergencial também em situações nas quais as pessoas tenham tido suas rendas indiretamente afetadas pelo desastre, ou em situações em que não tenham considerado a renda familiar suficientemente afetada.

Situação dos pescadores
» Adoção de marcos territoriais arbitrários para a fixação do direito a indenizações. Limitação do reconhecimento da condição de pescador de subsistência a quem mora a até um quilômetro dos cursos d’água e região costeira afetados.

Recomendações
» Não limitar a condição de pescador de subsistência pelo local de moradia e reconhecer tanto aquele que comprove o exercício da atividade de pesca com documento específico como por meio de declaração. Seguro-desemprego deverá ser incluído no valor da indenização.

-  Assinam a lista de violações e recomendações representantes do Ministério Público Federal, do Estado de Minas e do Espírito Santo; Ministério Público do Trabalho; Defensoria Pública da União e dos dois estados 


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