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Estado de Minas

Minas tem um caso de violência doméstica contra a mulher a cada 3 minutos e 37 segundos

Prisão de pastor acusado de atacar fiéis há pelo menos 10 anos é a última de uma série de denúncias envolvendo vítimas femininas. Agressões coincidem com período marcado por campanhas contra a violência de gênero


postado em 14/03/2018 06:00 / atualizado em 14/03/2018 13:12

Pastor é investigado por crimes contra mais de 10 mulheres(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Pastor é investigado por crimes contra mais de 10 mulheres (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

O mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, lembrado a cada 8 de março, concentra campanhas e debates contra a violência de gênero, mas neste ano vem sendo marcado exatamente por agressões e abusos de diversas naturezas contra vítimas do sexo feminino. Um dos casos de maior repercussão culminou ontem com a prisão de um pastor evangélico acusado de cometer violência sexual contra mais de 10 fiéis. Há indícios de que ele praticasse os ataques há pelo menos uma década.

Também ontem, a Polícia Civil anunciou o esclarecimento do assassinato de uma jovem de 17 anos e do filho de 7 meses pelo ex-companheiro, em Nova Lima, na Grande BH. Dois dias antes, no domingo, uma passageira já havia denunciado que um homem se sentou ao seu lado em um voo entre Belo Horizonte e São Paulo e começou a se masturbar. Já na segunda-feira, um homem foi preso depois de atirar na cabeça da namorada de apenas 15 anos em Sabará, também na região metropolitana da capital, por supostamente não aceitar o fim do namoro. Outra prisão ocorreu em Juiz de Fora, na Zona da Mata, depois que um homem agrediu a sequestrou a ex-mulher, insatisfeito com o fim do casamento (veja quadro).

Casos desse tipo, em que o autor do crime é do convívio doméstico ou familiar da vítima, estão em lenta redução em Minas, mas aumentaram ligeiramente em BH na comparação entre os últimos três anos, conforme dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). No estado, apesar da queda, esse tipo de ocorrência representa um crime a cada intervalo de três minutos e  37 segundos. Em 2017 foram mais de 145 mil ocorrências em Minas, somente levando em consideração criminosos que são do relacionamento das vítimas, como cônjuges ou namorados, parentes como filhos ou netos, pais, avôs ou ex-companheiros.

Entre os casos registrados pelo diagnóstico de violência doméstica e familiar em Minas Gerais, disponível no site da Sesp, há divisão entre violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Segundo a advogada Renata Werneck, presidente da Comissão Jovem da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), que trabalha diariamente com direito de família, a maioria dos casos começa com uma ocorrência menos grave, com aumento progressivo do grau do desrespeito. “Primeiro, muitas mulheres acabam não identificando que estão sendo violentadas e em muitas vezes elas se sentem dependentes daquela situação, de forma financeira ou emocional. Outra coisa é o medo da repressão social, que ainda impede que denunciem os crimes”, afirma a advogada.

Renata Werneck conta que recebe de uma a duas mulheres em seu escritório toda semana, dizendo não aguentar mais a relação violenta com os maridos, e por isso pedem divórcio ou a dissolução da união estável. “O homem sente que tem uma posse daquela relação e aí, para exercer essa posse que ele pensa ter, começa com agressão verbal, depois segura o braço com mais força, passa a forçar uma relação sexual... Por isso é importante que a denúncia seja feita o mais rápido possível”, recomenda.

Se apenas os casos de convivência familiar ou doméstica somam centenas de milhares em Minas a cada ano, os demais crimes praticados por outras pessoas indicam que o tamanho da violência contra a mulher é bem maior. Casos como o que, segundo a Polícia Civil, envolve um pastor de 51 anos, acusado de abusar sexualmente de mais de 10 mulheres, em ações que ocorriam havia pelo menos 10 anos. Wilson Jorge Ferreira atua como líder religioso durante 25 anos, e atualmente pregava na Igreja do Evangelho Quadrangular do Bairro Salgado Filho, Oeste de Belo Horizonte.

Suas investidas o tornaram conhecido como o “maníaco da orelha”, por ter o hábito de lamber a orelha de suas vítimas no início dos abusos. A delegada Larissa Mascotte ainda investiga se houve conjunção carnal contra alguma das fiéis atacadas pelo pastor. Uma delas era menor de idade na época das investidas do líder religioso, que a teria molestado dos 12 aos 16 anos. À polícia, Wilson disse que a relação que tinha com as fiéis era de pai para filha e de pastor para ovelhas. “Com certeza ele aproveitava do cargo religioso para cometer os delitos. Ele falava que tinha muitos amigos que eram policiais, autoridades, políticos e por isso ele ficaria impune”, afirma a delegada.

O advogado Ademir de Souza Lataliza, que representa o pastor no caso, afirma que as denúncias fazem parte de uma “conspiração” contra o religioso. Segundo ele, as mulheres se uniram para prejudicar Wilson, por terem problemas particulares com ele. “Essas mulheres estão dizendo que foram abusadas e terão que provar se isso realmente aconteceu. Até o momento, não havia nenhum boletim de ocorrência, nenhuma certidão, nada contra o pastor”, diz o defensor, que acusa a ex-mulher de seu cliente de estar envolvida na campanha. Ele afirma ter aberto processo contra as vítimas por calúnia e difamação. De acordo com a Polícia Civil, vítimas registraram boletim de ocorrência, o que deu origem ao mandato de prisão contra o acusado. (Com João Henrique do Vale e Sílvia Pires, estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia)

Os Casos mais recentes

» 13/3
Polícia Civil prende pastor evangélico que atuava na Igreja do Evangelho Quadrangular, no Bairro Salgado Filho, Oeste de BH, em investigação que apura violência sexual praticada contra mais de 10 mulheres. Conhecido como “maníaco da orelha”, por lamber a orelha das vítimas, há indícios de que ele violentava mulheres havia 10 anos

» 13/3
A Polícia Civil apresenta Mírio Ferraz Soares, de 28 anos, acusado de assassinar a ex-companheira, de 17, e o filho deles, de 7 meses. Os corpos foram encontrados na noite da última segunda-feira, em um lixão de Nova Lima, na Grande BH. Segundo a polícia, uma braçadeira teria sido usada para estrangular a mãe e a criança, que desapareceram em 15 de janeiro. De acordo com o delegado Rogério Franco, Mírio confessou o assassinato. Ele alegou que ficou fora de si ao levar um tapa no rosto, dado pela jovem.

» 12/3
Homem de 26 anos atira três vezes contra ex-namorada de 15, sendo um dos tiros na cabeça da jovem. Crime aconteceu em Sabará, na Grande BH, e, segundo familiares da garota, o motivo seria a insatisfação com o fim do relacionamento entre os dois. Enquanto tentava fugir, autor foi preso pela polícia e vítima, encaminhada ao Hospital João XXIII em estado grave

» 12/3
Homem invade casa da ex-mulher em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e agride a vítima, insatisfeito com o fim do relacionamento de 13 anos. Em seguida, ele sequestra a mulher e a leva para o antigo apartamento do casal, onde a vítima é ameaçada e agredida novamente pelo ex, que agiu com apoio de dois comparsas armados. A Polícia Militar prendeu o autor e um dos amigos em flagrante

» 11/3
Homem se senta ao lado de uma mulher em um voo da Avianca Brasil entre BH e São Paulo e começa a se masturbar. Segundo a passageira, que filmou a ação, funcionários da companhia não fizeram nada e ainda sugeriram que um dos dois trocasse de lugar

 

» Casos de violência doméstica e familiar contra a mulher em Minas Gerais

2015    148.320
2016    145.645
2017    145.029

» Casos de violência doméstica e familiar contra a mulher em Belo Horizonte

2015    18.015
2016    17.962
2017    18.169

 

Fonte: Sesp

Delegada Larissa Mascotte acredita que mulheres estão mais encorajadas a denunciar a violência praticada pelos homens(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)
Delegada Larissa Mascotte acredita que mulheres estão mais encorajadas a denunciar a violência praticada pelos homens (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS)

 

Palavra de especialista

 

Larissa Mascotte, delegada da Polícia Civil, lotada na Delegacia Especializada de Combate à Violência Sexual

 

Conscientização em alta

 

“O aparecimento de casos recentes de violência contra a mulher pode ser explicado pelo maior encorajamento das vítimas. A cultura machista vem de muito tempo, mas agora os casos têm sido mais notificados. O assunto tem sido muito abordado pela mídia, e isso acaba incentivando as mulheres a denunciar. Acho que a sociedade está mais consciente, que está havendo uma mudança de cultura. É importante que as vítimas denunciem e notifiquem esses casos de abuso e estupro, porque o silêncio é o maior inimigo da vítima e também dificulta a apuração e o combate ao delito.”

 

Entrevista

 

Maria(*), de 25 anos, uma das mulheres que acusam o pastor Wilson Jorge Ferreira de abusos

 

Abusos em igreja

 

Quando as investidas começaram?

Eu frequentava a igreja havia muitos anos, e sempre ouvia comentários do tipo “Como você está bonita!” ou “E essa calça legging?”. Sempre ignorei, mas em 2011 o assédio passou a ser mais sério. Eu estava grávida e passava por problemas familiares. Estava muito abalada fisicamente e emocionalmente. Um dia cheguei ao culto com o rosto inchado de tanto chorar e ele me chamou para ir ao escritório dele, dentro da igreja. Lá, me disse que “Deus estava no controle” e me consolou. Após as palavras, ele me abraçou. Mas o abraço foi muito forte e ele passou a alisar os meus ombros até a minha cintura. Daí, eu entendi o que aquilo significava.

O assédio era recorrente?

Depois desse episódio, ele deu um tempo, mas continuava fazendo isso com outras vítimas. Ele voltava a conquistar a nossa confiança e ajudava com caronas e conselhos. Isso fazia com que nós pensássemos: “Ele é um pastor. Deve ter se arrependido”. Depois de alguns meses, aconteceu de novo comigo. Eu estava jantando com minha família em frente à igreja e ele se sentou conosco. Foi então que passou a alisar minha perna com o pé. A gosta d’água foi quando, mais uma vez, eu passava por problemas e estava longe da igreja, por cuidar da minha avó. Ele me ligou e ofereceu uma carona para o culto. Como fazia um tempo que eu não ia, aceitei. Na volta, ele parou em frente da casa, puxou o meu pescoço e tentou me beijar à força. Eu me esquivei e saí correndo do carro. Nunca mais voltei à igreja.

Quando decidiu denunciar?

Há três anos nós descobrimos que minha irmã sofreu diversos abusos entre os 12 e 16 anos. Ela me disse que tinha “nojo de homem”. Sofreu calada, tinha muito medo dele. Ele dizia que ninguém acreditaria nela, ameaçava a família e comprava presentes para convencê-la. Em um dos episódios, ele chegou a entrar na nossa casa quando minha irmã estava sozinha e tentou estuprá-la. Ela só escapou porque meu pai estava chegando e o pastor desistiu. Depois disso, ela decidiu contar para nós. Uma segunda vítima fez um post no Facebook acusando-o de assédio e nós compartilhamos. A partir daí, outras sete mulheres conversaram conosco para contar que teriam sofrido abuso do pastor. No ano passado nós fomos à polícia.

Qual mensagem você deixa para outras mulheres que sofrem com isso?

Há muita gente julgando, questionando por que não denunciamos antes. É importante frisar que é muito difícil para uma vítima falar sobre o abuso. O medo é muito grande de ser julgada. Às vezes, nem a própria mulher entende que aquilo é um assédio. Como ele é uma pessoa que trabalha na igreja, as mulheres tendem a confiar ainda mais. Mas é muito importante que as vítimas procurem a polícia.

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