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Estado de Minas

Listas de 'mais putas' e 'mais gays' expõem preconceito em Minas

Listas expõem lógica machista e homofóbica e viram caso de polícia no interior de Minas. Mensagens podem ser consideradas crime


postado em 11/01/2018 12:54 / atualizado em 12/01/2018 08:25

Uma das listas (E) que circulou em Muzambinho (D)(foto: Reproducao Whatsapp e Wikicomons)
Uma das listas (E) que circulou em Muzambinho (D) (foto: Reproducao Whatsapp e Wikicomons)
Minha primeira reação foi imaginar: ‘O que minha patroa vai pensar? E minha família?’. Posso perder meu emprego por causa disso. Fiquei extremamente constrangida”. Esse foi o relato de uma das vítimas da lista rotulando mulheres como as “mais putas” em Muzambinho, no Sul de Minas Gerais. A listagem começou a circular pelo WhatsApp há uma semana e tem mais de 100 nomes de mulheres, entre elas adolescentes. A jovem moradora da cidade de 20.430 habitantes G.A.S.T., de 17 anos, se diz “arrasada” e com vergonha de fazer parte do “ranking”. Outras listas como “os mais gays” e “os mais chatos” também correm nas redes sociais das cidades vizinhas – o que expõe o preconceito contra as próprias mulheres, às profissionais do sexo e aos homossexuais. Especialistas lembram que tanto quem cria quanto quem compartilha esse tipo de lista pode responder ao ato judicialmente.

“Primeiro começou a circular a lista do ‘mais chato’ da cidade. Todos levaram na brincadeira. Mas na última terça-feira um menino com quem eu tenho um caso me enviou uma mensagem contando sobre a lista das ‘mais putas’. Eu estava em primeiro lugar e ele me perguntou: ‘O que você está fazendo?’”, lembrou G.A.S.T. Depois disso, a vida dela e de outras mulheres mudou com exposição nas redes sociais. Em um município tão pacato, olhares preconceituosos tomaram conta da rotina das jovens: “Não deixei de ir trabalhar, mas minha rotina mudou. É uma sensação péssima. Trabalho em uma loja conhecida e agora minha imagem está no chão”, disse J.S.T., de 18, que também teve o nome listado. Ambas contam que algumas amigas ficaram reclusas em casa, por vergonha de sair às ruas. “Algumas estão inconsoláveis. Só choram. Outras tiveram namoros prejudicados por causa da lista. Para piorar, existe um boato de que lançaram a lista dos ‘mais chifrudos’”, disse G.A.S.T que acredita que o novo ranking deixará o clima na cidade ainda mais tenso.

O delegado de Polícia Civil Sílvio Sérgio Domingues diz que já tem conhecimento das listas e suspeita de que elas tenham surgido em colégios da cidade. “Estão circulando esse tipo de lista nos municípios próximos. Começou com ‘os mais chatos’ de Guaxupé. Depois disso, criaram os ‘mais gays enrustidos’ e, agora ‘as mais putas’. Suponho que a lista tenha começado em algum colégio da cidade. Mas, a partir do momento que passa a circular no WhatsApp, perde-se o controle”, afirmou o delegado. Ele acredita que a “brincadeira” – como alguns encaram – se iniciou com uma lista bem menor, mas que as pessoas foram acrescentando nomes. Ou seja, não se trata apenas de um autor.

"A rede social pode acalçar um número grande de pessoas muito rapidamente. Quanto maior for a repercussão, maior a pena ao(s) autor(es) e a indenização"

Luís Felipe Sílvia Freire, presidente da Comissão de Eletrônicos da OAB-MG


Após saber da citação do nome de suas filhas, mães ficaram incomodadas e começaram a procurar a polícia. Porém, as investigações para chegar aos autores e colaboradores das listas ainda não foram iniciadas.  “É preciso que, além do registro do boletim de ocorrência, as vítimas venham à delegacia para assinar um termo de responsabilidade para a abertura do inquérito”, explicou o delegado. Cinco jovens procuraram a polícia para oficializar a denúncia. As 100 jovens criaram um grupo no WhatsApp para discutir o assunto. Elas se organizam para registrar um boletim de ocorrência coletivo e fazer a representação.

Responsável por atender um grupo de mulheres citadas na lista, a advogada Taysa Crystina Justmiano contou que o sentimento entre as vítimas é o mesmo: “Estão revoltadas, incomodadas e muito constrangidas”. Após as conversas que teve com as clientes, a advogada explicou que as mulheres acreditam que a lista seja fruto de fofocas e foi feita para causar exposição e constrangimento a elas. Já em relação à lista dos “mais gays”, não há, ainda, nenhum registro de ocorrência denunciando o crime.

REAÇÃO Na contramão do preconceito, várias meninas compartilharam e curtiram um texto, nas redes sociais, de apoio às vítimas. “Quando li aquela lista pensei: quem não é puta? Toda mulher é considerada puta na boca de alguém pelo simples fato de ser mulher ou de não ser o modelo de mulher imposta pela cultura”, escreveu uma internauta.

Para Dalcira Ferrão, psicóloga, conselheira-presidente do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais e militante LGBT, a circulação desse tipo de lista nas redes mostra lógicas machistas e LGBTfóbicas rotineiras. “O conceito e a ideia da diversidade sexual ainda causa muitos desconfortos, principalmente, quando estamos falando de mulheres, que têm sua liberdade ao corpo e seu direito à sexualidade negados historicamente”, pontuou a especialista. Ela acrescenta que é importante que as vítimas recebam suporte e apoio não só profissional, mas de amigos e familiares para que não tenham autoestimas abaladas, quadros de isolamento, de fobia social, depressivos ou até mesmo quadros psíquicos mais graves.

CRIME CIBERNÉTICO O delegado da Polícia Civil para Crimes Cibernéticos em BH, Felipe Nogueira, acredita que o total de ocorrências revela o quanto o brasileiro gosta de ofender pela internet e que age dessa forma a partir de duas falsas crenças: a de que a tecnologia proporciona o anonimato e de que não há lei capaz de punir os infratores. “Além de a pessoa achar que quando posta em rede social não vai ser descoberta, também confunde liberdade de expressão com a possibilidade de ofender o outro”, disse. A partir do momento que uma pessoa expõe algo sobre a vida de outra pessoa, pode ser responsabilizada. “Você está manchando a imagem de terceiros e a boa honra.”, concluiu.

Já o presidente da Comissão de Eletrônicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Luís Felipe Sílvia Freire, pontua que o simples fato de compartilhar ou divulgar conteúdo já caracteriza o crime. “A rede social pode acalçar um número grande de pessoas muito rapidamente. Quanto maior for a repercussão, maior a pena ao(s) autor(es) e a indenização”, disse o especialista. *Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

A LEI

Calúnia
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Parágrafo 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.

Difamação
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.


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