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Estado de Minas

Vestígios arqueológicos dão pistas sobre a pré-história de Belo Horizonte

Artefatos de pedra e cerâmica resgatados em sítios arqueológicos mostram vestígios de ocupação humana que fazem a história da cidade recuar no tempo entre 500 e mil anos. Estudiosos batalham para resgatar peças do acervo, hoje no Museu Nacional do Rio, e escavações continuam no Horto


postado em 10/12/2017 06:00 / atualizado em 10/12/2017 08:17

Antônio Gilberto Costa mostra área do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG onde foram feitas as escavações da década de 1940(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. )
Antônio Gilberto Costa mostra área do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG onde foram feitas as escavações da década de 1940 (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. )

Qual a idade de Belo Horizonte? Qualquer criança responderá, em um piscar de olhos: 120 anos. Mas se a pergunta incluir a expressão “verdadeira idade”, com certeza muita gente ficará com cara de interrogação. É que a história da que hoje é conhecida como capital dos mineiros vem de muito antes da transferência, em 1897, da sede do poder de Ouro Preto para o primitivo Arraial do Curral del-Rei, sobre a qual foi erguida a cidade; antes até mesmo das sesmarias recebidas, em 1701, pelo bandeirante João Leite da Silva Ortiz. “BH tem um passado desconhecido. Muito antes dos pioneiros, já havia ocupação humana, conforme vestígios arqueológicos encontrados na forma de artefatos de pedra e cerâmica. O grande problema é que esse material foi levado para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou”, lamenta o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, também integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), com base em estudos da década de 1940.

Na publicação Arqueologia de Belo Horizonte, de dezembro de 1947, quando a capital comemorava 50 anos, o então presidente da Academia Mineira de Ciências e do IHGMG, professor Aníbal Mattos, escreveu sobre a ancestralidade da capital e registrou em fotografias os vestígios cerâmicos (pedaços de potes de variados tamanhos e rodas de fuso) e líticos (machados, soquetes e bigornas de pedra) provenientes de antigas aldeias indígenas existentes principalmente nas regiões do Horto Florestal, no Bairro Santa Inês, e do Córrego do Cardoso, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste. “Trata-se de um livro precioso”, diz Souza Miranda, explicando que o trabalho foi apresentado em 1938, em BH,  e dois anos depois no 3º Congresso Rio-grandense de História e Geografia, em Porto Alegre. Para o especialista, são necessárias políticas para proteger o patrimônio arqueológico da capital.

Na sede do IHGMG, na Praça Raul Soares, Região Centro-Sul da capital, com os olhos atentos sobre o opúsculo (texto impresso de poucas páginas) de Aníbal Mattos, entende-se melhor a “pré-história” de Belo Horizonte, metrópole hoje com cerca de 2,4 milhões habitantes que completa 120 anos de fundação na próxima terça-feira. Mattos escreveu: “São páginas inéditas de uma história que o belo-horizontino ainda não conhecia, e de cuja existência talvez nem suspeitasse”. Entre os achados estavam machados indígenas, conhecidos popularmente como “pedras de raio”.

Em seu texto, o escritor e pesquisador revelou ainda que as melhores peças encontradas pelo doutor Soares de Gouvêa, que trabalhou em escavações na região do antigo Horto Florestal, hoje parte do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (MHNJB/UFMG), “tinham sido enviadas a Roquette Pinto, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro”. E ressaltou: “Das jazidas arqueológicas que devem ter existido aqui, a mais importante até agora é a do Horto Florestal”.

Fotos de peças arqueológicas encontradas entre 1938 e 1947 na região do Horto, em BH, hoje Museu de Historia Natural e Jardim Botânico da UFMG(foto: Arqueologia de Belo Horizonte, de Anibal Mattos/Reprodução/Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais)
Fotos de peças arqueológicas encontradas entre 1938 e 1947 na região do Horto, em BH, hoje Museu de Historia Natural e Jardim Botânico da UFMG (foto: Arqueologia de Belo Horizonte, de Anibal Mattos/Reprodução/Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais)
LUZ DO CONHECIMENTO Na avaliação do arqueólogo André Prous, professor aposentado do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, o material pode ter de 500 a 1 mil anos. Ele também destaca que o passado da capital e a ocupação primitiva são pouco conhecidos dos mineiros. Na sede do Museu de História Natural, onde Prous é pesquisador voluntário, há mais luz sobre a pré-história de BH. O diretor da instituição, o geólogo e professor Antônio Gilberto Costa, conta que uma equipe faz constantes escavações na área da instituição, concentrando as atividades no entorno do Palacinho, construção do início do século 20.

O professor Gilberto explica que em 2014 esteve no Museu Nacional, no Rio, e conversou com a diretoria sobre o acervo enviado na década de 1940. Com surpresa, foi informado de que ninguém sabia localizá-lo. Dois anos depois, voltou à carga, com objetivo de tentar um comodato para a exposição dos bens, mas até hoje não houve solução. “Continuamos aguardando uma posição do Museu Nacional”, diz o diretor, que está à frente de uma empreitada valiosa: uma exposição, em 2018, sobre a arqueologia em Minas, contando 12 mil anos de ocupações no estado, sendo grande parte do acervo pertencente ao Museu de História Natural da UFMG. “Será muito importante termos na mostra o acervo referente a Belo Horizonte”, afirma o geólogo.

Caminhando pela área verde do museu, o professor Gilberto conta que ao serem encontrados os primeiros artefatos, em 1938, foi nomeada uma comissão para acompanhar os trabalhos e recolher o material. “Houve uma grande sensibilidade dessas pessoas. A questão, no entanto, era onde guardar, já que não havia um museu especializado nessa área na cidade. Assim, as peças foram encaminhadas ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro.”

Hoje, em uma pequena exposição na Sala de Arqueologia Pré-Histórica, podem ser vistos quatro artefatos – lâminas de machado picoteadas e polidas –, da Coleção Anibal Machado, embora sem registro de procedência. Em uma vitrine ao lado, há peças que poderiam ser também vestígios da primitiva ocupação de Belo Horizonte. Mas o diretor da instituição não perde a esperança de mostrar o acervo maior em Minas, mesmo que não tenha sido encontrado um documento formal transferindo as peças para o Rio de Janeiro.

 

Palavra de especialista

Marcos Paulo de Souza Miranda, promotor de Justiça e integrante do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

 

ESTUDOS PREVENTIVOS

 

“Talvez o melhor presente que os administradores públicos possam ofertar a Belo Horizonte seja a incorporação, na política de licenciamento ambiental e urbanístico da capital, da realização de estudos preventivos de arqueologia urbana para obras que demandem escavações e revolvimento do solo, o que já é praticado em outras capitais do país, gerando informações preciosas. Tal medida teria um enorme alcance preventivo e, seguramente, contribuiria significativamente para a melhor compreensão da extensão do patrimônio cultural da capital mineira, que não se resume a prédios neoclássicos ou ecléticos. É preciso pensar que, mesmo antes do surgimento do Arraial de Curral del-Rei, havia, comprovadamente, presença humana no território de BH, em torno do qual há vestígios arqueológicos que superam 10 mil anos de idade – a exemplo dos esqueletos encontrados na Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, e Lapa do Santo, em Matozinhos, além de marcas deixadas por tatus e preguiças- gigantes em paleotocas cavadas em afloramentos ferruginosos como na Serra do Gandarela, nos limites de Caeté e Santa Bárbara, ainda no período Pleistocênico. Como os antigos seres humanos e animais da megafauna extinta não conheciam fronteiras e transitavam por toda a região, certamente percorreram o solo belo-horizontino e aqui deixaram marcas de suas passagens.”


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