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Estado de Minas

Imagens de câmeras de ônibus serão analisadas na apuração de morte de professor da UFMG

Familiares e amigos se despedem do ambientalista e professor de medicina da UFMG morto por homem recém-saído da prisão


postado em 15/11/2017 06:00 / atualizado em 15/11/2017 07:34

Corpo de docente Antônio Leite Alves Radicchi foi enterrado no Cemitério do Bonfim sob forte comoção, em tarde de muito sol (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Corpo de docente Antônio Leite Alves Radicchi foi enterrado no Cemitério do Bonfim sob forte comoção, em tarde de muito sol (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Cerimônia do adeus, numa tarde de céu azul e sol intenso. Familiares, amigos, colegas de profissão e alunos participaram, na tarde de ontem, do enterro do professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Antônio Leite Alves Radicchi, de 63 anos, esfaqueado na segunda-feira, em Belo Horizonte, dentro de um ônibus da linha 9805 (Renascença/Santa Efigênia). Eram 16h45 quando o cortejo, vindo da unidade de ensino superior, na região hospitalar, chegou ao Bonfim, onde já aguardavam pessoas muito emocionadas, mas com voz forte o suficiente para enaltecer a vida e o trabalho do profissional. “Era um homem bom, humilde, ótimo professor, sempre pronto a ajudar todo mundo e não nos deixava sem resposta”, disse, em lágrimas, a estudante de gestão de serviços de saúde, Karina Fonseca, de 39.


O enterro durou cerca de 30 minutos o ato de violência chocou os amigos. “Isso é resultado de uma guerra civil social que vivemos”, disse o médico e professor Apolo Heringer, lembrando que Antônio foi um dos pioneiros do Projeto Manuelzão, que coordena na Faculdade de Medicina e teve as primeiras reuniões em 1989. Ao lado, o amigo de mais de 40 anos, Geraldo Guedes, vice-presidente da Fundação Hemominas, destacou o caráter “cordial e guerreiro” do colega assassinado e a sua disposição de ajudar o próximo. Além de rezar o Pai Nosso, os presentes entoaram a canção de São Francisco de Assis e Segura na mão de Deus. “Era do bem, tranquilo. Olha como o céu está azul no adeus”, disse uma amiga.

A investigação da Polícia Civil para tentar elucidar todos os detalhes da morte do professor pode contar com uma prova técnica importante. O coletivo tem quatro câmeras de segurança, estrutura padrão nos ônibus da capital mineira, sendo duas na parte da frente, uma na catraca e outra na parte de trás do veículo. Segundo a corporação, os arquivos serão analisados e o delegado Thiago de Oliveira vai pedir que a prisão em flagrante do homem detido pela Polícia Militar seja convertida em preventiva em virtude da gravidade do fato.

Os investigadores vão trabalhar também com os depoimentos de quem estava dentro do coletivo com o objetivo de entender se o caso é mesmo latrocínio (roubo seguido de morte), já que a mochila do professor foi levada pelo criminoso. Alexandre Siqueira de Freitas, de 26, chegou a dizer para os militares que teria tido uma desavença com o professor em um bar e por isso o esfaqueou. A Polícia Civil informou que vai investigar a alegação, mas trata o caso como latrocínio.

De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), Alexandre esteve detido no Presídio de São Joaquim de Bicas II, na Grande BH, por 15 meses. Ele deixou a unidade prisional em 14 de setembro deste ano. Segundo o Fórum Lafayette, foi condenado em outubro a dois anos de reclusão por tentativa de homicídio. Porém, como já estava preso por quase a totalidade da pena, o juiz fixou o regime aberto.

Além desta condenação, Alexandre também foi condenado por roubo, que aconteceu em 2012. A sentença foi proferida dois anos depois. Ele foi sentenciado por três anos, seis meses e 20 dias de reclusão em regime aberto. A decisão do regime foi tomada por ele ser réu primário.

GOLPES O boletim de ocorrência gerado pela Polícia Militar traz relatos de cinco pessoas que estavam dentro do coletivo e apontam que em um determinado momento o autor tentou retirar a mochila da vítima. Como o professor teria resistido à intenção do ladrão, ele acabou esfaqueado com cerca de 10 golpes no caminho entre a casa dele e a Faculdade de Medicina. O crime ocorreu na altura do Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste da capital.

As testemunhas alegam que Alexandre teria iniciado uma discussão com Antônio, conhecido como Toninho. Os relatos também dão conta de que antes de tentar pegar a mochila e esfaquear o professor, Alexandre teria falado: “Agora você vai me entregar para o pessoal da Pedreira (Prado Lopes)?” Uma testemunha relata que viu o autor correndo com uma faca e a mochila do professor. Os objetos não foram encontrados pela PM porque teriam sido dispensados, conforme versão do suspeito. Essa informação é um dos indicativos de que o caso é de fato um roubo. Junto com a Alexandre também foi presa Daiana Michelle Gonçalves dos Santos, que seria companheira do autor e tinha descido do ônibus antes do crime. Para a PM, Alexandre mencionou que teria sido agredido em um bar da Rua Jacuí por seis pessoas, entre elas Antônio Leite.

Despedida

Inúmeras pessoas passaram pelo salão nobre da Faculdade de Medicina, onde o professor foi velado, para se despedirem do homem descrito como um dos melhores professores da instituição. Antônio Leite atuava tanto na graduação quanto na pós-graduação e também dava aulas na Escola de Enfermagem da UFMG, no curso de Gestão em Serviços de Saúde. As alunas Júlia Andere, de 23, Priscila Lilibete, de 29, e a ex-aluna Ângela Maria de Souza, de 61, destacaram o companheirismo do professor, que era considerado um mestre. “Ele era um pilar do nosso curso. Qualquer hora estava disponível. Vamos levar a humildade, a simpatia e a calma que tinha para tudo que fazia”, diz Ângela. O coordenador do Projeto Manuelzão e também professor da Medicina da UFMG, Marcus Vinícius Polignano, ficou muito emocionado ao lembrar do colega. “Um colega exemplar, companheiro de luta, um professor nota 10. Enfim, um homem da paz, não merecia isso, não fez nada para isso. É mais uma vítima dessa violência insana e brutal nossa. É uma perda inexplicável, inaceitável” lamentou. As bandeiras da Faculdade de Medicina foram erguidas a meio mastro e a direção da unidade informou que o professor será homenageado pela instituição. Os detalhes ainda serão definidos.

Violência

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017 mostram que no ano passado 15 pessoas morreram em Belo Horizonte após terem sido assaltadas por bandidos na capital mineira. O número é 25% maior do que os 12 casos de 2015, o que significa uma média de um caso por mês em BH. Essa é a única explicação para o crime na ótica dos amigos e colegas de Antônio Leite Alves Radicchi, descrito como uma pessoa muito tranquila, sem nenhum tipo de problema, defensor de paz e extremamente atuante no programa de mestrado de Promoção à Saúde e Prevenção da Violência da Faculdade de Medicina da UFMG. Inclusive, na manhã de ontem, quando ele se deslocava de casa para o trabalho de ônibus, ele participaria de uma banca desse mestrado, mas acabou assassinado antes. “Em um caso de revanche, ele não levaria a mochila. O Antônio estava indo para o trabalho de prevenção à violência. É um homem de bem, que acreditava na Justiça e na superação das desigualdades e foi esfaqueado”, afirma a professora Elza Machado de Melo, que coordena o mestrado em questão.

Quem também destacou o caráter irretocável e todas as contribuições prestadas em cerca de 40 anos pelo professor Antônio Leite foi o diretor da Faculdade de Medicina da UFMG, Tarcizo Afonso Nunes. “Mesmo em condições de se aposentar, o Antônio estava aqui todos os dias contribuindo em vários aspectos. Começou em nosso internato rural, ajudou a fundar o Projeto Manuelzão, é uma pessoa que podíamos contar para tudo. Era um entusiasta da saúde pública. O que ele fazia era em favor da saúde pública”, diz o diretor. Nunes diz ainda que Antônio Leite sequer fazia uso de bebida alcoólica, o que desmonta a tese de que ele teria se envolvido em uma desavença dentro de um bar.

 


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