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Estado de Minas

Agressor que incendiou creche e matou crianças não fazia tratamento psiquiátrico

Damião Soares dos Santos foi apenas três vezes à unidade de atendimento em saúde mental de Janaúba, sendo uma no dia da tragédia e outras duas para pequenos procedimentos em 2013


08/10/2017 06:00 - atualizado 08/10/2017 14:39

Centro infantil Gente Inocente ficou destruído com o ataque do vigia, que teria problemas psicológicos(foto: Reprodução da internet/Facebook)
Centro infantil Gente Inocente ficou destruído com o ataque do vigia, que teria problemas psicológicos (foto: Reprodução da internet/Facebook)

A notícia de que Damião Soares dos Santos teria se tratado no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Janaúba se espalhou como pólvora nas redes sociais (inclusive em perfil de pessoas que se identificam como médicos), mas não é verdadeira, conforme apurou a reportagem do Estado de Minas. “Ele nunca veio aqui”, afirmou a psicóloga Juliana Matos, coordenadora municipal da Saúde Mental de Janaúba e do Caps Unidade II, que presta atendimento para a população em sofrimento mental da cidade e da vizinha Nova Porteirinha, no Norte de Minas.


Segundo ela, o vigia não era sequer conhecido dos profissionais da unidade e nem de outros programas municipais de atendimento a pacientes psiquiátricos. “Na unidade, realizamos a média de 1,7 mil atendimentos por mês, especializados em transtorno mental grave, crônico e persistente, em três modalidades: intensiva (pacientes que ficam no centro o dia todo), semi-intensiva (pacientes em remissão) e não intensiva (atendimentos semanais). Ao todo, temos 2,6 mil pacientes cadastrados e o Damião Soares dos Santos não está na lista.”

Bastante comovida com a tragédia, a psicóloga afirmou, ainda, que todas as unidades do Caps de Janaúba contam com psiquiatras no quadro de funcionários e que os pacientes em surto são encaminhados para internação provisória na Fundação Hospitalar de Janaúba (Hospital Geral).

Sem psiquiatras


Também abalada, Lílian Gonçalves, diretora administrativa do Hospital Geral, unidade para a qual os pacientes em geral e em surto psiquiátrico são encaminhados (para internação provisória), informou que o vigia esteve na unidade em apenas três ocasiões: no dia da tragédia, e em junho e setembro de 2013, para tratar de abcesso nas costas (furúnculo). “Na ocasião, passou por pequena cirurgia e foi liberado”, afirmou.


A diretora informou, ainda, que o Hospital Geral tem seis leitos destinados ao atendimento a pacientes de transtorno psiquiátrico, que chegam encaminhados pelos Caps da região. “Eles ficam internados, enquanto são quimicamente estabilizados, pelo prazo máximo de sete dias. Se não houver alta depois desse período, encaminhamos para o Galba Veloso, em Belo Horizonte”, informou. Apesar de receber pacientes em surto, o hospital não conta com psiquiatras no quadro de funcionários.





Questionada sobre a ausência de um especialista na unidade, a coordenadora municipal da Saúde Mental de Janaúba, Juliana Matos, disse que, de acordo com portaria do Ministério da Saúde, a presença de um psiquiatra é obrigatória apenas em hospitais que mantêm 12 ou mais leitos dedicados ao atendimento. “Hospitais com até 12 leitos não têm essa obrigatoriedade.” Apesar da ausência de um profissional especializado no hospital referência para a região, Juliana avalia a qualidade da assistência psiquiátrica na cidade como satisfatória. “Temos profissionais especializados no atendimento infantil do Caps, na unidade para o tratamento de dependentes de álcool e drogas, e na unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF), que conta com 24 equipes. Assumi o cargo no início do ano, trabalho na área há sete anos, reconheço a importância de haver psiquiatras em todas as unidades e avalio a nossa cobertura como positiva, pois ela atende bem a população local.”

DESASSISTÊNCIA Procurado pela reportagem para falar sobre o panorama da assistência em saúde mental em Minas, Maurício Leão, médico psiquiatra e presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, adotou tom grave. “Em Minas e em todo o país não é diferente: há uma desassistência generalizada.” Entre as justificativas para a crítica, o especialista aponta a falta de serviços de prevenção e tratamento adequados, vagas para a internação, ausência de profissionais especializados na rede pública e até de remédios nos postos e unidades de saúde. “Há poucas ações na saúde da família, poucos postos e Caps insuficientes para a população. A maioria não tem profissionais especializados. Muitas vezes, os hospitais têm leitos credenciados, mas, em verdade, não atendem e não internam doentes mentais.”


Sem entrar na polêmica a respeito da reforma psiquiátrica desenvolvida no país, ele afirma que os pacientes, as famílias e a sociedade podem, sim, estar expostos a riscos. “Acredito que tragédias como a de Janaúba poderiam ser evitadas se houvesse atendimento adequado a pacientes psiquiátricos, uma vez que, sem o tratamento, a doença se agrava. Hoje, na Grande BH, que conta com população de 6 milhões de habitantes, há apenas 250 leitos psiquiátricos do SUS e mais 250 conveniados com planos de saúde, total muito inferior às necessidades preconizadas pelo Ministério da Saúde, que sugere 0,48 leito por 1 mil habitantes. Então, a insuficiência é matemática, mas a política do Ministério da Saúde (MS) nos últimos 30 anos é fechar leitos”, explica.

Leão afirma, ainda, que não determina o diagnóstico de um transtorno sem contato com o paciente, de forma que não pode avaliar se o vigia sofria ou não de doença psiquiátrica. No entanto, lembra que o suicídio é forte indicativo de diagnóstico positivo para sofrimento mental. “Não é possível estabelecer diagnóstico sem haver atendimento, mas, obviamente, condutas como essa não fazem parte da normalidade. Segundo foi amplamente divulgado na campanha Setembro Amarelo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos 95% dos suicídios são cometidos por pessoas em transtorno mental.”

O psiquiatra ressalta, ainda, que, frente à desassistência em saúde psiquiátrica no país, muitos dos doentes

cometem crimes. “Estimativas apontam que 12% da população carcerária brasileira sofre de doenças mentais. Outra parte, infelizmente, vai parar nas ruas ou nos cemitérios.”

Laudo psicológico


O laudo que traçou o perfil psicológico do vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, mostrou que ele sofria de disfunção de consciência e tinha delírios persecutórios. Em 2014, chegou a procurar o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para pedir ajuda, pois afirmava que estaria sendo envenenado pela própria mãe. O caso foi analisado e foi recomendado a ele a procura de tratamento mental. As investigações iniciais, segundo a Polícia Civil, mostram que o suspeito sofria transtornos mentais. Porém, as apurações ainda não encontraram nenhum registro de consulta médica, receita e elementos que comprovassem o uso de medicação. Damião trabalhava no período noturno, em regime de 12 por 36 horas, e não tinha contato com as crianças, segundo o prefeito Carlos Isaildon Mendes. “Em momento algum poderíamos imaginar que ele causaria uma tragédia dessas”, disse. Segundo ele, o vigia ficou três meses de férias, por ter períodos acumulados. O homem chegou a conversar com a diretora por telefone na semana passada e disse que ele estava bem.


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