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Estado de Minas

Moradores de rua têm que superar rivalidade para garantir espaço de sobrevivência na Savassi

Estudo revela inédita estatística sobre indivíduos que moram na região e que causam sentimentos opostos, de dó a raiva, em boa parte de quem reside e trabalha na área, além de divergências entre eles próprios


postado em 06/03/2016 06:00 / atualizado em 06/03/2016 07:44

Sebastião Amorim, o Padrinho, na fonte do cartão-postal da Região Centro-Sul, onde gosta de passar o tempo e tocar músicas do Pink Floyd(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Sebastião Amorim, o Padrinho, na fonte do cartão-postal da Região Centro-Sul, onde gosta de passar o tempo e tocar músicas do Pink Floyd (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

O prazer de Luís Henrique Torres, de 47 anos, é se acomodar num dos bancos da Praça Diogo de Vasconcelos e estudar gramática. Já o de Sebastião Soares Amorim, de 61, é tocar músicas do Pink Floyd e observar as fontes no mesmo cartão-postal da Região Centro-Sul de BH. Mas o dia a dia de Cebolinha, apelido de Luís, e de Padrinho, o de Sebastião, não é tão tranquilo como parece. Os dois são moradores em situação de rua na Savassi.

Embora sobrevivam numa das regiões mais nobres da capital, eles fazem parte de uma população formada por dezenas de homens e mulheres que precisa adotar estratégias diferentes para garantir a própria segurança e a chamada territorialidade no bairro. É o que mostra a dissertação “A experiência do urbano da população em situação de rua: territorialidades na Savassi”, defendida pela geógrafa Juliana Carvalho Ribeiro na PUC Minas.


O estudo revelou uma inédita estatística sobre indivíduos que moram na Savassi e que causam sentimentos opostos, de dó a raiva, em boa parte de quem reside e trabalha na região. Os dados mostram que 60% dos entrevistados não nasceram na capital e que 75% ganham a vida no mercado informal. Desses, 40% vigiam ou lavam carros. A maioria ganha o pão na mesma região.

Portanto, a necessidade de proteger o ponto de onde tiram a renda está vinculada ao conceito de territorialidade. “Se tem uma característica que é mais evidente na Savassi em relação à cidade como um todo, é exatamente o trabalho, que é informal. Carregam sacolas para pessoas, lavam e vigiam carros... Também é um fator de permanência”, completa Soraya Romina, coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Assessoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua.

“O sentimento de pertencimento em relação à Savassi acirra a disputa pelo espaço. Quanto maior a identidade, maior a busca pela apropriação da espacialidade, maior a tentativa de estabelecimento de poder. Assim, o lugar se traveste de territorialidade. As (im)possibilidades das práticas cotidianas dessa população se revelaram como campo de luta permanente, como espacialidade de uma vida que parece se iniciar, mas que, contraditoriamente, se mostra num processo de muitos conflitos”, concluiu.

Juliana coordenou uma das equipes que elaboraram o censo dos moradores em situação de rua em BH, em 2014, quando 1.827 pessoas dormiam debaixo de marquises em toda a capital. Algumas dezenas ocupam hoje a Savassi. Do total, 85% declararam conviver com divergências com outros indivíduos ou grupos que também dormem ao relento.

“É mais um indicativo da constante busca pelo estabelecimento de territorialidades. Várias estratégias são postas em prática pela população em situação de rua para driblar as dificuldades que essa condição lhes impõe. Uma sociedade que valoriza o poder de consumo em detrimento da plena cidadania não lhes dá alternativa. Estão sob uma estrutura cruel que os condena há muitos anos e não se observou qualquer perspectiva de mudança. Neste cenário, precisam continuar se apropriando da rua para garantir sua (sobre)vivência”, avaliou a autora da dissertação.

Cebolinha, o homem que gosta de ler sobre gramática, conta que sempre mantém um olho aberto. “Temos de ficar espertos”, recomenda o rapaz, que chegou à região há um ano e meio. “Eu era repositor num supermercado. Morava com meus pais. Depois que eles morreram, perdi o emprego e não consegui pagar o aluguel. Fui para a rua”, conta ele, que arrecada em torno de R$ 500 mensais garimpando latas e outros objetos recicláveis.

“Tem vez que encontro livros, pego para mim, porque gosto de ler. Ajuda a passar o tempo e a gente aprende. Eu me formei no segundo grau. Este livro de gramática que estou lendo foi feito para concurso. O ruim, no meu caso, é a dependência doálcool. Na próxima semana, um padre vai me ajudar. Devo ir para uma clínica de recuperação”, disse Cebolinha, fazendo questão de explicar a origem do apelido: “Falo como o personagem (de Maurício de Souza). Eu digo tlês, tlinta e tlês, tlezentos e tlinta e tlês”.

Já Padrinho, o fã de Pink Floyd, chegou à Savassi há 31 anos. Daí o apelido: “Todos me chamam de Padrinho”. Pai de 12 rebentos, ele deixou Roraima para trabalhar na Grande BH. “Fui empregado na Mendes Júnior, na Petrobras e na Fiat. Depois fui morar na rua. Hoje, cato latinhas. E tiro uns R$ 300 por mês. Faço questão de aparar o bigode. Mas a barba... Eu tomo banho num posto de combustível aqui perto. Meu prazer é o vilão. Estudei apenas o primário, mas digo que a maior escola do mundo é a vida.”

Atraídos pela revitalização


Segundo a dissertação de Juliana Carvalho,  “observou-se que todos os entrevistados se dizem moradores da Savassi e mais da metade chegou mais recentemente, pós-revitalização” que ocorreu a partir de 2012. Muitos usam as fontes da Praça Diogo de Vasconcelos para lavar roupas. Há quem não se incomode em se banhar na praça nos dias mais quentes.

“A segregação se torna mais explícita na Savassi redesenhada. Iluminada, a população marginalizada se apropria da rua e faz dela seu espaço principal ou absoluto de vivência. Os sujeitos em situação de rua estabelecem territorialidades na nova Savassi e se revelam enquanto resistência contra-hegemônica”, conclui.


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