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Estado de Minas

Preconceito e medo dificultam tratamento de pessoas com HIV

Apesar de os testes serem oferecidos gratuitamente, cerca de 130 mil brasileiros têm o HIV e não sabem. Sem o tratamento antirretroviral, chances de sobrevivência caem


postado em 15/02/2016 11:00 / atualizado em 15/02/2016 11:09

Paciente do Hospital Eduardo de Menezes, Paulo enfrenta os pesados sintomas da Aids que se instalaram antes que fizesse o teste para detectar o HIV(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Paciente do Hospital Eduardo de Menezes, Paulo enfrenta os pesados sintomas da Aids que se instalaram antes que fizesse o teste para detectar o HIV (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
"Ai, Jesus, tenha misericórdia, minha mãe vai me reconhecer nesse retrato. Ela é a única que ainda não sabe sobre o HIV”, suplicava Paulo*, de 25 anos, consultor de programas educacionais em outro estado brasileiro. Concordou em tirar a foto, como forma de conscientizar outros jovens sobre a importância de fazer o teste para detectar o HIV sempre que houver exposição ao vírus – por via sexual e venosa –, mesmo quando não haja sintomas de Aids, mas estava sem lugar, evidentemente. Virou-se de costas e teve receio de aparecer a marca do boné. Não podia descobrir a cabeça, porque seus cachos despenteados já são manjados. Se fizesse um close apenas dos braços, tampouco adiantaria, pois a mãe dele seria capaz de reconhecer o filho em qualquer dimensão. Resolveu trocar a roupa pelo uniforme do hospital.

E se a foto for de frente? Pior ainda, porque seus olhos são muito expressivos, apesar de agora estarem saltados para fora, devido à magreza excessiva. Faz lembrar a cara da Aids das décadas de 1980 e 1990, quando ainda não havia tratamento para a doença. E olha que Paulo já engordou seis quilos desde que se internou, em dezembro, no Hospital Eduardo de Menezes, referência no tratamento de doenças infectocontagiosas como Aids e tuberculose, na Região do Barreiro, em Belo Horizonte. Passou o Natal e o Ano-Novo internado, tomando medicação venosa, mas a febre insiste em voltar. “O que ainda mata por Aids no Brasil não é a falta do medicamento nem as sequelas do tratamento prolongado, mas sim o diagnóstico tardio”, reconhece o infectologista Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, em Brasília.

Os últimos números do Boletim Epidemiológico de DST/Aids, de 2014, indicam que cerca de 130 mil pessoas no país têm o HIV inoculado no corpo e ainda não sabem, não se sentem sob risco ou nem ao menos tiveram coragem de buscar o resultado do teste. “É sempre preferível saber do que não saber. Quem começa a se tratar mais cedo, terá melhor qualidade de vida e pode viver por mais tempo”, alerta o infectologista Dirceu Grecco, de 63 anos, do alto da experiência de quem foi um dos primeiros médicos a lidar com casos de pessoas que apareceram com uma infecção desconhecida em Belo Horizonte. Em geral, vinham da classe média alta, eram cultas e tinham viajado pelo mundo. Estavam perplexas.

Mais uma vez, o preconceito dificulta o tratamento das doenças oportunistas que se instalam no organismo quando o HIV não está sob controle, parasitando os leucócitos que deveriam trabalhar no sistema de defesa das células. Em uma pessoa sadia, o nível esperado de T-CD4 gira em torno de 2.500. Caso contrário, quando o paciente se interna já muito doente, com T-CD4 abaixo de 100, não chega a ser impossível, mas é difícil reverter o quadro. No Hospital Eduardo de Menezes, todos os leitos estão atualmente ocupados, não exclusivamente com a Aids, mas com doenças que voltaram em decorrência dela, como a tuberculose.

Em 2013, depois dos Estados Unidos e da França, o Brasil foi o terceiro país (o primeiro das nações em desenvolvimento) a acatar o protocolo de que todo paciente infectado pelo HIV terá direito a receber a terapia antirretroviral mesmo antes de manifestar sintomas da Aids, ou seja, mesmo tendo T-CD4 acima de 500, carga viral baixa. Se os medicamentos estão disponíveis a todos, desde o início e de maneira gratuita (diferentemente dos EUA, onde devem ser pagos pelos convênios), por que ainda morrem mais de 10 mil pessoas por ano vítimas da Aids no país?

Além do desconhecimento da epidemia, controlada em tempo recorde de 35 anos, proporcionalmente curto para a memória de quem já perdeu familiares para a Aids, vale dizer que o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda enfrenta dificuldades para acessar populações específicas de prostituição masculina, travestis e transexuais. As barreiras vão desde o segurança do posto, que faz piadinhas na saída desses pacientes do consultório, ou mesmo daqueles profissionais de saúde que insistem em chamar o próximo da lista, em voz alta, pelo nome que consta da ficha do cadastro médico. Ao anunciar Carlos Eduardo, levanta-se, envergonhada, da cadeira da sala de espera a travesti Duda Liz, de saia rodada e sandália de salto alto, maquiada. A cena é constrangedora.

(*) Nomes fictícios

MARCAS DO PASSADO

“Estava revoltado porque ela arrebentou com a minha vida”
José*, de 34 anos, tem Aids e cumpriu pena por matar a mulher que o contaminou

José*, de 34 anos, tinha pouco mais de 25, mulher e uma filha. Trabalhava como motorista em um hospital de BH. Resolveu ficar com uma atendente casada que estava dando mole para ele. Aconselharam-no a fazer o teste anti-HIV. Deu positivo. Ele a chamou mais uma vez para sair e a matou a sangue-frio, com um único tiro. Condenado pelo crime, ele já pagou pena na prisão e está há dois anos com tuberculose, em decorrência da Aids. José começa o tratamento repetidamente, mas em seguida abandona, deixando o vírus mais resistente.

BUSQUE AJUDA

Veja alguns endereços onde procurar auxílio médico em Belo Horizonte

De segunda a sexta-feira, no horário comercial, o paciente é atendido por demanda espontânea em BH.

Nas Upas, há atendimento nos fins de semana.

CTR Orestes Diniz
Alameda Álvaro Celso, 241, Bairro Santa Efigênia

PAM Sagrada Família
Rua Joaquim Felício, 141, Bairro Sagrada Família

Hospital Eduardo de Menezes
Rua Doutor Cristiano Resende, 2.213 -Bairro Bom Sucesso


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