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Estado de Minas

Moradores atingidos por rompimento de barragem tentam refazer a vida em novos lares

Famílias que perderam suas casas com o rompimento da Barragem do Fundão tentam seguir a vida e resgatar, em detalhes, as boas memórias dos velhos tempos


postado em 24/01/2016 06:00 / atualizado em 24/01/2016 07:34

 

Ver galeria . 5 Fotos A aposentada Marlene Zaquiel levou para sua nova casa uma colcha que ela conseguiu recuperar em Bento RodriguesAlexandre Guzanshe/EM/D.A Press
A aposentada Marlene Zaquiel levou para sua nova casa uma colcha que ela conseguiu recuperar em Bento Rodrigues (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Mariana – Marlene escolheu, por conta própria, entre as doações, uma capa de sofá colorida e um tapete para fazer da sala de sua casa um local com identidade própria. Na cozinha, uma mesa comprada por ela vai receber a família nos almoços de domingo. As 364 famílias que perderam suas casas com o rompimento da Barragem do Fundão, da Samarco, há quase três meses, tentam imprimir em seus novos imóveis detalhes que resgatem a identidade, o passado e os detalhes da vida que não terão mais. Alugadas e mobiliadas pela mineradora responsável pelo desastre, as casas dos antigos moradores de Bento Rodrigues ficaram quase homogêneas: a mesma televisão, geladeira, sofás e mesas. As diferenças entre os móveis são sutis e, nos detalhes, eles buscam reconstruir a individualidade.

“Tudo ainda é estranho para a gente”, diz a aposentada Marlene Zaquiel, que conseguiu resgatar algumas panelas e uma colcha, compradas para a casa que estava construindo no subdistrito e que ficaria pronta no início deste ano. “Lá, eu tinha muitas atividades. Cuidava da horta, fazia bolos para vender e trabalhava na produção de geleia biquinho. Agora, estou tentando me adaptar “, resigna-se a aposentada, que ficou sem cozinhar por uma semana na casa nova e pretende retomar a produção de quitandas. “Muitas pessoas pedem para eu voltar a cozinhar, mas preciso de outro forno a gás, batedeira e formas para assar os bolos”, explica.

Assim como Marlene, os antigos moradores de Bento Rodrigues tentam olhar para a frente e reconstruir os laços com seus novos lares. A vida, porém, recomeça tímida. Quem teve a história arrasada pela lama ainda não se acostumou à rotina longe do campo, com os novos vizinhos e com a distância de amigos e familiares. Muitos estão espalhados em casas no Centro e nos bairros Colatina e Dom Oscar e, desde a tragédia, não se viram mais. Para eles, a sensação é de que o pouso ainda é provisório. Toda a expectativa gira em torno da reconstrução do novo Bento Rodrigues.

Na sala da casa de Nelícia Gonçalves, um vaso de flores vermelhas e um porta-retratos com a fotografia da formatura da filha mais nova, no fim do ano passado, ajudam a recomeçar o lar. As filhas Bárbara e Larissa, de 19 e 15 anos, são as responsáveis por ir colocando tudo no lugar. “Ainda não me sinto em casa. Fico esperando o dono chegar a qualquer momento”, confessa a dona de casa, que escolheu um imóvel no Bairro Colatina, com tamanho parecido com o da casa onde vivia em Bento, mas sem quintal para plantar. “Nossa casa era cheia de plantas, mas agora só tenho um vaso na garagem. Aqui é tudo cimentado. Muito diferente de Bento.”

As garotas recorreram ao Centro de Convenções, onde as doações foram armazenadas, para encontrar almofadas, roupas de cama e itens para alegrar o quarto. Larissa enfeitou a cama com pelúcias e encontrou uma boneca igual à que ganhou de presente do pai na infância, que guarda com carinho no alto do guarda-roupas. Entre as lembranças resgatadas da lama, as jovens exibem os anéis recebidos no aniversário de 15 anos e uma fotografia de Bárbara na infância.

Na casa do comerciante Sandro José Sobreira, a única lembrança é o quadro com uma foto do seu pai, José Sobreira, falecido no início do ano passado, ao lado da mãe, Dilce, e da sobrinha Maria Fernanda. Em Bento Rodrigues, o quadro decorava o seu quarto, mas agora deve ocupar lugar especial na sala de visitas assim que tiver o vidro consertado. “É o nosso ponto de partida para construir uma nova vida. Meu pai trabalhou muitos anos para conquistar tudo o que foi perdido em algumas horas. Queremos reconquistar o nosso comércio e a imagem do meu pai vai nos inspirar para isso”, garante Sandro, que vive com dois irmãos e a mãe de 73 anos em uma casa da família em Mariana. “Minha mãe ainda não se acostumou, mas improvisamos uma horta para que ela tenha o que fazer em casa”, detalha.

As memórias resgatadas na lama e os itens escolhidos para as novas casas dão força para que as pessoas retomem suas vidas. O pedreiro Fernando Aparecido dos Santos encontrou o terno comprado para o casamento da cunhada, a chave do seu Voyage, as certidões de nascimento do filho e a de seu casamento, recuperadas depois da tragédia. Essas são as únicas memórias que estão na casa nova, um apartamento de 70 metros quadrados no Bairro Dom Oscar, que ele já decorou com cortinas novas e almofadas.

READAPTAÇÃO A partir de agora, ele quer construir uma nova história e fazer sua clientela também em Mariana. A família continua unida e frequenta junta uma igreja evangélica, que fica perto de casa. No mesmo prédio vivem as famílias do sogro, da irmã e da mãe. Os almoços seguidos por longas conversas também permanecem. “Aqui um ajuda ao outro e estamos nos readaptando aos poucos”, afirma. Na casa nova, ele fez algumas adaptações para ter mais privacidade, mas ainda não planejou comprar móveis ou outros itens para a casa. “Quando tiver meu canto penso em comprar algo que tenha a nossa cara”, afirma. Para a esposa, Juliana Aparecida de Oliveira dos Santos, a mudança não é tão fácil. “Parece que estamos de férias, mas vamos voltar para casa a qualquer momento.”

Passada a fase de adaptação, Fernando, que também é um dos líderes da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, se preocupa com a nova mudança de endereço, prevista para ocorrer depois da construção da nova comunidade. Atualmente, os moradores têm se reunido para definir os critérios de localização para a área de reassentamento que ainda será apresentada pela Samarco. “Estamos nos reunindo quase todos os dias para que todas as decisões atendam ao máximo possível de pessoas”, afirmou.


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