
O lamaçal que enterrou álbuns de família e cartas de amor também deixou para trás os dois conjuntos de uniforme do União São Bento. Sem ter nem os uniformes, a memória tornou-se o território revisitado, onde os moradores encontram elementos para que os modos como viviam e se divertiam não sejam jamais esquecidos.
Bento disputou três partidas na competição, que reuniu oito equipes de futebol de várzea marianense no campo conhecido como Prainha. A primeira partida foi vencida nos pênaltis, com a defesa do taxista Alisson Geraldo da Silva, de 28 anos, conhecido como Buiu – o goleiro do time. A segunda também foi decidida nas penalidades máximas contra o time da casa, o Parma, cujo jogador não teve sorte e acertou a trave na última das cinco cobranças. A decisão com a equipe União Passagem, do Bairro Passagem de Mariana, foi com o placar de 2 a 1. O time de Passagem começou ganhando, mas, em menos de um minuto, o time de Bento conseguiu empatar. O gol da virada foi feita por José Paixão do Carmo, de 40, o Dedeco. “Com tanto sentimento triste, o futebol é uma forma de nos alegrar”, disse.

EM MEIO ÀS INCERTEZAS Ao focar nas jogadas, o auxiliar de topografia Marcelo José Felício queria tirar o pensamento das incertezas em relação à mãe, Maria das Graças Celestino da Silva, de 64, que está desaparecida desde que o tsunami de rejeitos passou por Bento. “Vim distrair a mente. Passo o dia inteiro pensando. Acordo meia-noite. A perda material não é nada quando a gente perde alguém da família.” Por tudo que passaram, a partida foi entendida pelos jogadores e por quem estava assistindo como recomeço. “É uma alegria para nós. É um recomeço para Bento. Não começamos do nada. Partimos de uma vitória”, avaliou ao final da partida Onézio Izabel de Souza, de 50, que é o técnico da equipe.
Onézio lembra quantas vezes tentou ser jogador nos campos de Bento, mas como esse não era seu maior talento, se dedicou ao esporte de outra forma. Amante de futebol, ele viu a lama encobrir uma de suas paixões: as 76 camisas da coleção do time do coração – o Clube Atlético Mineiro. Desde o dia da tragédia, ele tem sido presenteado com camisas do time alvinegro, uma delas recebeu das mãos do lateral Marcos Rocha.
Não houve por parte das outras equipes qualquer concessão ao time de Bento, mas mesmo não gostando de terem sido derrotados, os adversários entenderam que a vitória de quem perdeu quase tudo era muito maior. “Torci para o Parma, mas foi bom Bento ter vencido”, afirmou João Paulo, o Tico-tico, um dos organizadores do torneio. A mesma opinião foi compartilhada por Pedro Souza, de 30, que defendeu a equipe vice-campeã. “Foi bom eles terem vencido, devido a tudo que estão passando.” Muita gente que foi assistir vibrou com as vitórias de Bento. É o caso da moradora de Santa Rita Gisele de Fátima, de 23, que pela cerca de alambrado incentivava o time. “Vai, Bento!”, “Cuidado com a marcação”, “Tira essa bola daí”, gritava a moça. Ao final da partida, os jogadores correram ao centro, abraçaram-se, rezaram um Pai Nosso e uma Ave Maria. Ao receber o troféu, muitos deles se emocionaram.
