
Na segunda-feira, a PF desencadeou a operação De volta a Canaã, para prender integrantes da seita acusados de estelionato, lavagem de dinheiro e de manter pessoas trabalhando em situação análoga à escravidão, em Minas, São Paulo e Bahia. Seis líderes do grupo foram presos e 47 envolvidos foram conduzidos para depor. Foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão e 70 ordens de sequestro de bens, como fazendas, carros e casas de luxo, estabelecimentos comerciais e imóveis espalhados por seis cidades mineiras das regiões Sul e Campo das Vertentes. O.M. ficou feliz com a notícia. Ainda tem esperança de reaver o que perdeu.
Foram 12 anos trabalhando sem salário em propriedades da seita. A costureira se acha corajosa por ter abandonado o grupo. “Enfrentei tudo para sair. O que a polícia está falando é verdade: até o líder religioso com quem eu convivi por seis anos não era quem a gente pensava”, denuncia. “Falavam que, se a gente fosse embora, seríamos amaldiçoados. Mas, antes, prometiam ajuda a quem desistisse, que pagariam três meses de aluguel e dariam todo o tipo de assistência. Saí em agosto de 2013 e meu marido saiu dois meses depois. Mas eu não quis mais ficar com ele“, conta.
A ex-seguidora sustenta que o grupo usou da sua fragilidade para convencê-la a entregar tudo o que tinha. “Eu era imatura, cheia de filhos. Minha mãe tinha acabado de morrer e meu padrasto era violento. Hoje, a minha sensação é de injustiça. Fico revoltada quando vejo os líderes da seita andando de BMW e Hilux e eu aqui, sem nada“, reclama. Ela conta que, por um tempo, o ex-marido permaneceu empregado fora da organização, doando todo o salário, na época R$ 1,2 mil. Quando largou o serviço para trabalhar de graça para a comunidade, transferiu até o Fundo de Garantia.
CENSURA E RESTRIÇÕES Na comunidade, havia regras para tudo, diz O.M.. “Dormíamos todos em alojamentos. Eu e minhas filhas, em um galpão com mais de 30 pessoas; os homens em outro galpão. Sexo, só para procriação e não para o deleite, como diziam. Encontros íntimos, só de vez em quando. Cheguei a ficar três anos sem relações com meu marido”, disse ela. A programação de TV também era censurada. “Só permitiam noticiários e os filmes evangélicos que eles passavam. Não podíamos nem ouvir rádio, só louvores“, conta.
As refeições eram feitas para todos, segundo O.M.. O sino soava pontualmente às 6h30, quando todo mundo tinha que estar de pé. O café coletivo era servido das 6h às 8h30. Pão, só aos domingos. Nos outros dias, cuscuz, mandioca ou batata-doce cozida para acompanhar o café com leite. O almoço era das 11h às 13h – a única refeição com carne. O jantar, das 18h às 20h. Os cultos eram celebrados nos fins da tarde.
Nesse contexto de privação, líderes da comunidade tinham privilégios, sustenta a ex-seguidora. Alguns viviam em imóveis de luxo na cidade, e mesmo os que moravam na fazenda tinham tratamento diferenciado, disse. “Eu morria de vontade de comer um chocolate, tomar um vinho, uma cervejinha. Mas, para muitos, bebida é pecado. Mesmo assim, entrava bebida escondida na fazenda.”
Quando decidiu sair, a costureira conta ter enfrentado muita dificuldade para recomeçar a vida com seis filhos, dois nascidos na comunidade. “Fiz um curso e consegui emprego em uma fábrica de calçados.” Mas, ainda em 2013, ela conta que precisou abandonar o trabalho para cuidar do filho de 13 anos, diagnosticado com um tumor na cabeça. “Fiquei desesperada e procurei o grupo para pedir ajuda. Não me deram assistência. Para falar a verdade, me deram uma geladeira velha e quatro camas caindo aos pedaços. Hoje, sobrevivo com a pensão dos meus filhos e com o dinheiro da Previdência, por causa do meu filho doente“, disse.
“Minha sorte é que encontrei aqui fora muita gente de coração bom, pessoas que me ajudaram sem ficar brincando com a fé em Deus. Apesar de tudo, minha fé é inabalável. E é Deus que tem me ajudado“, disse, emocionada. “Chegaram a dizer que o tumor na cabeça do meu filho era maldição, por eu ter saído da seita. Não acredito nisso“, conta.
Na comunidade, até as crianças trabalhavam, segundo ela. “Meu menino com 9 anos já tirava leite no curral. A de 11 cuidava dos cavalos e também ajudava a tirar leite”, relatou. Outra filha completou 16 anos e foi levada para trabalhar em um restaurante da comunidade, em Pouso Alegre, Sul de Minas.
Com o dinheiro de suas atividades, líderes da seita compraram em São Vicente de Minas posto de combustível, loja de roupas, centro automotivo, quitanda, pastelarias e vários outros empreendimentos comerciais, além de imóveis de luxo. “Eles já venderam muita coisa, como pastelaria e o mercado. Muita gente deles já foi embora, para outras fazendas em São Paulo e Bahia. Vão criando ramificações”, alerta a seguidora que escapou do grupo.

