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Estado de Minas

Relógio da Copa que ficava na Praça da Liberdade vai parar em galpão

Ele foi inaugurado com pompa e depois virou alvo constante de vandalismo. Idealizador ainda não decidiu o que fazer com ele


postado em 07/07/2014 00:12 / atualizado em 07/07/2014 07:08

Eduardo Tristão Girão

 

(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. )
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press. )

Era para ser uma existência de pura alegria por conta da Copa do Mundo, mas não foi exatamente assim. Antes de caírem gigantes como as seleções da Espanha e Itália, foi o Relógio de Copa que tombou, na calada da noite, depois de quase três anos fincado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. A grande ampulheta espelhada que fez a contagem regressiva de mil dias para o início do mundial tornou-se, além de parte da paisagem, alvo constante dos manifestantes indignados com a realização do evento. Assim que o painel foi zerado, horas antes da estreia do Brasil, um caminhão encostou ali para removê-lo. Entretanto, a história não se resume nem termina aí.

Idealizado por Rene Salviano, empresário belo-horizontino que atua na área de marketing esportivo, o Relógio da Copa entrou pela porta da frente, instalado em setembro de 2011 com festa e presença de Pelé e autoridades. A saída é que foi pela porta dos fundos. Ninguém esperava que ele fosse ser tão hostilizado, depredado, coberto de cartazes de protesto e até hackeado, por diversas vezes cercado por manifestantes e policiais. Na madrugada do dia 11 para o dia 12 do mês passado, foi retirado da praça sem alarde e levado para a sede da empresa que o construiu, em Contagem, na Grande BH.

Encontrar o relógio na posição horizontal, numa pequena área ao ar livre e atrás de um portão acima de qualquer suspeita, é algo bastante inusitado. É possível ter outra impressão do seu tamanho (oito metros de altura e cerca de 400 quilos) e observar as derradeiras marcas deixadas por manifestantes – curiosamente, não são muitas. “Ele foi quebrado e pichado cerca de 30 vezes, mas muitas vezes ninguém viu isso, pois íamos até lá de madrugada consertar. Por causa disso, passei tanto frio que minha pele ficou ressecada e avermelhada”, conta Salviano.

Sim, a cada problema com o relógio (e foram muitos), ele próprio fazia questão de comparecer ao local para auxiliar no resolução. Mais do que zeloso com sua imagem profissional no mercado, Salviano se sente pai do cronômetro da Copa. “No dia em que retiramos ele da praça, minha mulher estava lá e disse a ela que estava com vontade de chorar. Eu o criei, cuidei dele no frio”, lembra. Apesar de ele ter tido a ideia e feito os primeiros esboços, o visual do relógio ficou a cargo de um amigo, o designer Vittorio Torchetti.

Salviano conta que ligou para ele por volta das 16h e recebeu do amigo telefonema de volta às 21h, no mesmo dia, comunicando que o projeto já estava pronto. “Disse para ele: ‘Não sei se vamos ganhar dinheiro, mas faremos um projeto para contar para nossos netos’”. Com o desenho na mão, bateu na porta do patrocinador (Coca-Cola), que comprou a ideia na hora. Assim, foi garantido dinheiro suficiente para cobrir as despesas de fabricação da enorme peça, custeadas pelo próprio empresário. “Prefeitura e governo acharam o máximo, mas me disseram que não bancariam nada. Apenas me cederam o espaço”, conta.

O que ele não poderia prever é que, no final das contas, teria de gastar com manutenção e reparo cerca de R$ 200 mil, valor superior ao custo de fabricação do relógio. “As pessoas acharam que estavam atingindo a Fifa ao depredá-lo, mas me atingiram. Não imaginei que haveria tanta manifestação, e a ‘gordura’ que coloquei no orçamento do projeto para meu lucro nem era grande”, revela. Só o painel de LED do cronômetro foi quebrado sete vezes por manifestantes. Sem contar outros imprevistos, como a reposição do televisor especial para ser embutido no relógio, que foi danificado durante o voo entre os Estados Unidos e BH. Importado, cada um custou R$ 25 mil.

Elefante branco Se tanta dor de cabeça valeu a pena? “Tenho muitas histórias para contar, mas essa será especial. Financeiramente, não foi viável. Essa Copa foi murcha. Antes, a gente pintava rua, decorava a casa. O relógio será a maior lembrança da Copa. Minha ideia foi dar um presente para a cidade. Queria ter uma história para contar e não apenas uma foto minha no Mineirão. Governo e prefeitura não gastaram nada, a marca patrocinadora ficou exposta mil dias, fotografada e compartilhada por milhares de pessoas, e eu ganhei uma história para a vida toda. Considero que deu certo”, resume.

O que fazer com esse elefante branco, entretanto, ainda é um mistério. Todas as possibilidades já passaram pela cabeça de Salviano (leiloar, vender, doar, colocar num museu), e a que mais lhe agrada, atualmente, é a de fracionar o relógio em mil partes, que seriam sorteadas entre clientes do patrocinador. Ele conta que, assim que retirou o relógio da praça, começou a receber dezenas de telefonemas de conhecidos sugerindo os mais diversos destinos para o enorme cronômetro. “Propuseram que eu o colocasse no Mineirão, na Praça do Papa e até que ele fosse levado num roteiro itinerante por cidades do interior de Minas”, conta.

Orgulhoso por ser o dono de uma ideia que nem a própria Fifa havia tido (“Eles tomaram um susto comigo, foi um furo”, diz) e que foi copiada por outras cidades-sede da Copa, ele acredita que, no próximo mundial, na Rússia, a entidade se apropriará do conceito do contador regressivo. “Não posso patentear isso, pois qualquer um pode fazer um cronômetro. Na verdade, não me importo com isso, pois nunca foi meu foco”, afirma, com a satisfação de quem pegou marqueteiros nacionais e internacionais de surpresa e ganhou uma história e tanto para contar.

VOCÊ SABIA?

Como não pôde ser concretado nem parafusado, o relógio tem a parte de baixo mais pesada que a de cima, de maneira a evitar que caia. A estrutura inferior foi preenchida com sacos de areia.

O relógio conta com um alçapão na parte superior, o que permite a entrada de uma pessoa para realizar a manutenção. Para essas tarefas, eram contratados alpinistas industriais.

Trinta dias antes de zerar o cronômetro, três câmeras foram instaladas no topo do relógio, reflexo do temor em relação aos protestos. O que ninguém sabia é que eram falsas.

Os primeiros esboços do relógio nada têm a ver com sua forma final. Cogitou-se instalá-lo no Viaduto Santa Tereza e até mesmo ao lado da Igreja da Pampulha.

O relógio foi construído em 35 dias e montado em 24 horas. Uma empresa checou, durante os mil dias, se ele estava avariado ou sujo. A cada 15 dias, ele era lavado com água e sabão.

O relógio foi testado muitas
vezes antes da inauguração, sempre com sucesso, mas 30 minutos antes da cerimônia para apresentá-lo, um dos testes surpreendeu a todos pela mensagem: “Faltam 700 dias”.

LINHA DO TEMPO
 
16/9/2011

O Relógio da Copa é inaugurado em BH, com presença de celebridades, políticos e outras autoridades.

18/6/2013
Durante as manifestações do ano passado, um grupo de mascarados depredou o relógio com pedras e cones, após danificar o prédio da prefeitura.

12/5/2014
Em nova onda de protestos, manifestantes atearam fogo a uma catraca em frente ao relógio como forma de reivindicar suspensão do reajuste nas passagens de ônibus.

11/6/2014
Policiais do Batalhão de Choque cercam o relógio para protegê-lo de vândalos que se separaram de manifestação pacífica e depredaram a região.

12/6/2014
O relógio é retirado da praça e levado para a sede da empresa que o construi


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