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Estado de Minas

Detentos de Ribeirão das Neves aprendem profissões e ajudam as famílias

Emprego em empresas parceiras passou a ser a única opção pela Justiça de Neves


postado em 10/05/2014 06:00 / atualizado em 10/05/2014 11:15

Convênio entre fábrica de estruturas metálicas e estado permite que presos trabalhem e façam poupança(foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS)
Convênio entre fábrica de estruturas metálicas e estado permite que presos trabalhem e façam poupança (foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS)


Máscara, óculos protetores, tinta preta na testa e macacão parecem transformar Wilson Severino Maximiano em um personagem de ficção científica ou de aventuras no espaço sideral. Por alguns momentos, lembra Darth Vader, de Guerras nas estrelas, ou um daqueles sobreviventes de atentados químicos. Mas a realidade é bem outra e a trajetória do detento, que cumpre pena em regime semiaberto, não tem nada da fantasia exibida nas telas de cinema. “Minha vida parecia mais um filme de terror. Eu vegetava. Agora é outro mundo, aceitei a oportunidade que me deram”, conta Wilson, de 35 anos, solteiro, que cumpre pena por tráfico de drogas na Penitenciária José Maria Alkmim, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Há dois anos ele viu surgir a chance de trabalhar na Betaflex Industrial – Soluções e Equipamentos, que emprega 60 detentos da unidade prisional por meio de uma parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). E deu certo.

A empresa é uma das 247 que têm acordo firmado com o estado para a contratação de presos em mais de 400 frentes de trabalho, desde construção civil, marcenaria, plantações e panificadora até artesanato. Atualmente, 2.750 pessoas trabalham por meio desse sistema, entre presos dos regimes fechado e semiaberto. No caso do sistema fechado, as empresas se estabelecem dentro das unidades prisionais.

Demonstrando competência no serviço, Wilson está há um ano com carteira assinada e, próximo do fim da sua sentença, tem esperança de continuar na firma de 120 empregados, especializada em móveis de escritório, conjuntos escolares e estruturas para construção civil (andaimes, material de escoramento), localizada no Bairro Santa Paula, em Ribeirão das Neves. “De tudo o que já vivi, só posso dizer que o trabalho dignifica o homem e que o crime não compensa. Na cadeia você perde a família, os amigos e não recupera o tempo perdido”, conta o detento, enquanto se dedica com cuidado e paciência ao ofício de pintura eletrostática.

Em Neves, a Justiça tem autorizado que os detentos trabalhem apenas no esquema das parcerias, como forma de evitar fraudes. “O preso recebe um salário mínimo, sendo que 25% serve como restituição ao estado, 25% é destinado ao pecúlio, uma espécie de poupança que é entregue ao detento quando ele sai do sistema, e 50% vai para uma conta, em nome do preso, que a família pode movimentar”, explica um dos entusiastas das parcerias, o promotor de Justiça de Execução Penal de Ribeirão das Neves Henrique Nogueira Macedo.

As empresas têm a responsabilidade de levar e buscar o preso da penitenciária para o trabalho, além de fornecer a alimentação. “Consigo dessa forma ter um controle maior do sistema, porque fazemos uma contagem diária de quantos detentos saem da penitenciária e o encarregado da empresa verifica quantos chegam”, afirma o diretor-geral da Penitenciária José Maria Alkmim, Igor Tavares, ressaltando que os internos também têm a oportunidade de continuar na vaga quando recebem a liberdade.

EXPECTATIVA Suando em bicas devido ao calor do maçarico e à máscara protetora, o soldador Wilas Pereira, de 29, está perto de completar a sentença e se sente profissional como outro qualquer. “Se tudo der certo, saio no mês que vem. Agora é só dar continuidade a tudo o que aprendi”, diz.

Roberto Marinho Filho, de 26 anos, solteiro, condenado por tráfico de drogas – 11 anos e seis meses, dos quais cumpriu três anos e seis meses – espera com paciência por esse momento. “Já tinha trabalhado de motorista e agora aprendo a pintura eletrostática e ajudo em outras atividades. Mais um ano na penitenciária, ganho a domiciliar e aí será outra vida”, planeja o jovem, que encontrou na empresa algo fundamental para enfrentar a falta de liberdade e esquecer os delitos cometidos: “Aqui, eles respeitam a gente”.

Em mais de três anos de convênio com a Seds, já passaram pela empresa mais de 1 mil detentos, que usam uniforme da Betaflex Industrial desde que deixam o presídio, de manhã, e são transportados pelo ônibus também da firma. “Recomendo a todos os empresários essa parceria. Nunca tive o menor problema e não há motivo para temer. Não tem nada de bicho-papão”, diz o proprietário, Clorilson Alencar, formado em direito e incentivador dessa modalidade de emprego de prisioneiros.

Olhando um grupo em ação, o empresário destaca que manter os presos na indústria é uma experiência fantástica. “Começamos com 14 internos e notei logo que todos tinham vontade de trabalhar, alguns mostrando a sua real vocação. Hoje temos operadores de empilhadeira, vigias, operadores de máquinas (corte de tubo, de chapa etc.), soldadores, enfim, várias ocupações. Devemos encarar cada um como profissional que bate ponto como os demais, usa equipamentos de segurança e tem um relacionamento normal no dia a dia com os colegas”, afirma.

Detentos na faixa etária de 18 a 50 anos trabalham de 7h às 17h, no total de 44 horas semanais. “A autoestima fica elevada e, se o preso falta, ele vem e pede desculpas no dia seguinte”, diz o empresário, lembrando que, antes de chegarem à empresa, todos passam pelo crivo de uma comissão técnica para avaliar se estão aptos ao trabalho.

Enquanto isso...

...Experiência
é exportada

A experiência de Ribeirão das Neves de tornar obrigatório o trabalho dos presos do regime semiaberto em empresas parceiras do governo, como forma de evitar fraudes, virou referência e está sendo levada para outras cidades brasileiras. A iniciativa faz parte do Plano Execução Penal e Gestão do Ministério Público de Minas Gerais e os promotores de Justiça de Neves, Henrique Nogueira Macedo e Ana Cecília Junqueira Gouvêa, têm visitado vários municípios para apresentar a proposta, que já virou parte das diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “Queremos que o MP atue de forma uniformizada”, afirma o presidente do CNMP, Alexandre Saliba. Para o subsecretário de Administração Prisional da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Murilo Andrade de Oliveira, a dificuldade de pôr a experiência em prática é sensibilizar a Justiça. “Em Minas, temos tentado replicar em outros lugares, mas depende dos juízes de outras comarcas”, ressalta.


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