(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Mineiros de Ouro apresenta uma mineira revolucionária

Nilza Rolla é, aos 93 anos, a personificação da cidadania. Desenvolve, desde jovem, ações voltadas para a causa humana, que a transformam em orgulho de São Domingos do Prata


postado em 10/08/2013 06:00 / atualizado em 10/08/2013 07:11

"Não vamos resolver os problemas do mundo, mas podemos amenizar o sofrimento de pessoas" "Devemos lutar pela paz, pelo desenvolvimento do ser humano, não apenas no plano material, mas também no cultural" (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

“Sou mesmo revolucionária.” A convicção é de Nilza Rolla Perdigão, nascida há 93 anos em São Domingos do Prata, na Região Central de Minas, às margens do modesto rio que, em parceria com o santo, deu origem ao nome do município. Simples assim? Não. Trata-se de uma mulher que viveu e vive com a mente sempre à frente de seu tempo. Ciente de que esteve e está um passo adiante, não se negou e não se nega a se colocar a serviço da causa dos semelhantes. Ferramentas para isso trouxe da infância: trabalho e delicadeza, principalmente delicadeza.

Ajudou a construir e a reformar casas de conterrâneos necessitados, buliu na autoestima das mulheres pratenses, vestiu crianças maltrapilhas, amparou idosos e tem sempre os braços e o coração abertos para quem grita ou estende a mão por uma necessidade qualquer. Não se deu ao casamento e é feliz, extremamente feliz. Saudável. “Tirando uma dorzinha nos quadris, culpa da artrose…” E lá vai ela, a pé ou ao volante do Palio modelo 2012 pelas ruas apertadas e bem cuidadas de São Domingos do Prata. Tia Nilza, como todos a conhecem na cidade, dirige e bem, quebrando preconceitos e ultrapassando o tempo.

(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
  “Nasci aqui nesta casa”, diz, diante das visitas na ampla sala da confortável moradia ao fim da rua que homenageia o pai: Astolfo Perdigão. “Foi com ele que aprendi duas das principais virtudes que carrego comigo: trabalho e delicadeza. Era um artesão da terra. Cultivava-a com carinho. Lembro-me do cuidado dele coma alimentação dos colonos que trabalhavam para ele. Ia todos os dias à cozinha ver a comida. Abria as panelas, o que deixava intrigada a minha mãe, Thereza Rolla. Só para ver o que seria servido. Isso, para mim, era delicadeza.”

Tia Nilza nem precisa de endereço. Não há ninguém no município de cerca de 18 mil habitantes que não a conheça. É uma referência em solidariedade comunitária. Tanto que foi homenageada pela prefeitura na semana passada, ao lado de outras duas personalidades pratenses, como exemplo de cidadania e retidão. A medalha ela exibe com orgulho, mas sem o mínimo de vaidade. “Não faço nada por mim. O importante é estar presente na comunidade.”

Indubitavelmente, cidadania Tia Nilza cultiva desde o berço. Conviveu com as pessoas indiferente à cor da pele, ao credo ou condição social. Mas não indiferente à carência, material ou imaterial. Não deixa de agradecer ao pai pelo zelo com a educação dos 11 filhos (seis mulheres e cinco homens. “Ele trabalhou muito para isso. Fiz o curso normal – correspondente ao científico ou ao ensino médio de hoje – em Ponte Nova e as escolas particulares já eram caras. Não havia, na época, oferta em todas as regiões de ensino público além do curso primário (equivalente ao fundamental).”

“Quando saí da escola, senti um vazio.” É que manifestava nela a necessidade de quebrar paradigmas. Reuniu um grupo de mulheres em São Domingos do Prata e fundou o Clube Dedo Verde, uma ideia que partiu da consciência ambiental de Tia Nilza, algo raro na época, para mostrar que a perspectiva feminina podia estar além do forno e do fogão. Formou-se um grupo de 30 companheiras. Percorreram reservas e hortos florestais, universidades, visitaram o cultivo de rosas em Barbacena. Abriu-se para elas uma ampla janela social e cultural. Isso pode ser chamado de cidadania.

Nas andanças, o coração de Tia Nilza balançava diante de casebres, de convivência promíscua de famílias em ambientes exíguos. Aliou-se à irmã Mônica, freira dominicana, e criou um projeto para tirar aquele gente da aflição. “Corremos atrás de apoio.” Um tio, que trabalhava na Vale, conseguiu a doação de uma quantia em dinheiro. Era pouco. Precisava de mais. E Tia Nilza não se avexou. Pediu e a ajuda veio de outro tio, João Rolla, fundador da Casa Rolla, em BH, e de todos os lados. Reuniu o suficiente para dar início à construção de casas simples, mas arejadas e confortáveis.

"Fizemos 104 casas.” E ainda hoje não nega a mão a quem pede para tirar a família de ambientes insalubres. João Rolla colaborou muito. Até enviou para Nilza uma fardo de pano que ela distribuiu às costureiras do município para que fizessem roupas e vestissem crianças carentes. A tradicional Casa Rolla, em lamentável processo de fechamento, é um dos exemplos do empreendedorismo da família. Joaquim Rolla (1889-1972), mineiro de Dom Silvério e irmão de João, passou de tropeiro a vencedor em negócios ligados ao turismo e ao jogo. Foi dono do extinto cassino da Urca (Rio) e comandou outros em Icaraí (Niterói), Pampulha (BH) e em estâncias hidrominerais do estado, como Araxá, Lambari e Poços de Caldas.

A inquietação, como se vê, está no DNA de Nilza Rolla Perdigão, que um dia arregaçou as mangas também para recompor todo o vestuário do Hospital das Dores, de São Domingos do Prata. A conversa com ela pode durar dias, mas agora essa revolucionária, que deixaria o papa Francisco orgulhoso, pede licença para escrever cartas com letrinhas miúdas e bem bordadas, sem óculos, por sinal, para sobrinhos e sobrinhas. Isso por pouco tempo. Daqui a pouco alguém bate à porta: “Tia Nilza…”


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)