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Estado de Minas

Mineiros de Ouro: sonho no fundo do tacho

Personagem da culinária de Tiradentes, Chico Doceiro prova que em qualquer atividade é possível construir vida digna com muito trabalho, o que já lhe rendeu reputação e respeito


postado em 06/07/2013 06:00 / atualizado em 06/07/2013 07:30

Avô de cinco netos, Chico conta com a ajuda do filho José no fogão e da mulher, Conceição, na loja(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Avô de cinco netos, Chico conta com a ajuda do filho José no fogão e da mulher, Conceição, na loja (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Fazer o que com um tacho pequeno e cinco litros de leite? A sugestão mais simples é derramar o leite no tacho, botar um pouco de açúcar e mexer por umas três horas. O doce pode render um dinheirinho, mas não o suficiente para mudar uma vida. Teoricamente, não. Mas Francisco de Paula Xavier contrariou a teoria. A partir de um tachinho e cinco litros de leite, ele construiu um sonho e, aos 82 anos, continua vivendo uma bonita aventura de coragem, determinação, trabalho e respeito pelo que faz.

Francisco é Chico Doceiro, um dos personagens imperdíveis da culinária de Tiradentes, nos Campos das Vertentes. Da rapa do tachinho conseguiu, em 47 anos, ganhar reputação e a capacidade de atender encomendas de até 5 mil doces, sem deixar de oferecê-los também a antigos clientes e a turistas na sua cozinha e loja instalada numa tranquila rua da cidade histórica. Chico é o exemplo de que nada é impossível para quem simplesmente acredita e trabalha.

“Nasci em Floriano Veloso, hoje Bichinho, distrito de Prados, também nos Campos das Vertentes. Meu pai tinha uma terrinha e plantava milho, feijão, arroz e outras coisas para o sustento da família. Com 12 anos, comecei a ajudá-lo depois da escola. Aos domingos, ele comprava doces de uma quitandeira e montava uma barraca em frente à igreja. Não pensava ainda que doce estaria ligado ao meu destino.” O pai vendeu a barraca e Chico continuou ajudando-o na lavoura até completar 22 anos.

“Foi quando decidi ir para São Paulo, começar a minha vida.” Na capital paulista, Chico arranjou emprego em loja de variedades, daquelas que, em tempos idos, vendiam de tudo, de tecidos a ferramentas. Trabalhador, deu-se bem. Nas idas e vinda entre a grande cidade e a pequena Bichinho para visitar os pais, conheceu Conceição Pessoa da Silva. Do aconchego ao casamento. Levou-a consigo. Montou casa em solo paulistano. Parecia definitivo.

Canudinho

Mas o burburinho de São Paulo sufoca, por mais que se esforce, não encobre a saudade da terra natal de um mineiro pacato. Depois de 12 anos, voltou para Bichinho com a mulher, a mobília, uma filha no colo e alguma economia no bolso. “Cheguei e cismei de fazer doce. E nem sabia fazer. Para começar, peguei um tachinho e cinco litros de leite com minha mãe. Botei o leite e açúcar no tacho e fui mexendo, mexendo e provando… até acertar o ponto.”

Chico queria começar o negócio com canudinho. “Ninguém fazia canudinho nesta região, pois é um doce que dá muito trabalho. A massa eu tinha ideia de como fazer, pois observava muito o trabalho dos pasteleiros em São Paulo.” E conseguiu. Enrolava a massa em bambu e a recheava de doce de leite. E a doceria disparou. “Passei a fazer também beijinho de coco, doce de abóbora, cajuzinho. Fiz também de batata-doce, mas era preciso usar anilina para dar cor, o que acabou sendo proibido pela vigilância sanitária.”


Turista chega, prova e se encanta

O negócio cresceu e a família também. Nasceu o filho, José, que hoje o ajuda no negócio. “Comprei um lote em Tiradentes, onde estou até hoje.” O fogão a lenha e o grande tacho ficam nos fundos da loja. Doce de laranja-da-terra, cocadas e doces de frutas da época estão também entre as ofertas de Chico Doceiro. O turista chega, prova, se encanta, vai embora, sente saudade e manda buscar. “É gente de todos os lugares e temos uma boa embalagem para as encomendas.”

Comer um doce apenas na loja da Rua Francisco Pereira de Morais é agradar o paladar, mas o prazer é maior ainda se Chico, avô de cinco netos, estiver ao lado do fogão, mexendo o tacho com uma grande pá e respirando fumaça sem reclamar. “Trabalho 12 horas por dia, das 6h às 18h.” A fumaça da queima da lenha não faz nenhum mal aparente aos pulmões de Chico. “Acabei de fazer um chek-up e está tudo bem. Não fumo e não bebo. Gosto de café, feijão, arroz e pouca carne. Doce, como pouco.”

 A companheira, Conceição, um pouco mais nova que o marido, nunca foi ao tacho. “Não faço doce. Sou só uma ajudante na loja.” E nem precisa fazer. Chico, 1,64m, 58kg e sem um grama sequer de gordura no corpo, dá conta do recado. Mesmo porque gosta de estar ao lado do fogão e do tacho, e feliz. “A gente tem de viver alegre. E agradeço a Deus a toda hora por tudo isso.” “O homem pode realizar o seu sonho, bastam coragem e vontade de trabalhar.” Vida longa, Chico Doceiro, orgulho de Bichinho e da sedutora Tiradentes.


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