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Estado de Minas UMA GUIA DE DIPLOMATAS

Faxineira poliglota vira celebridade no Mercado Central de BH

Contabilista que fala sete línguas e deixou faxina por recepção turística se torna celebridade no Mercado Central e vence o primeiro grande desafio: acompanhar embaixadores europeus


postado em 18/05/2013 07:00 / atualizado em 18/05/2013 07:07

Contabilista que fala sete línguas e deixou faxina por recepção turística se torna celebridade no Mercado Central e vence o primeiro grande desafio: acompanhar embaixadores europeus (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Contabilista que fala sete línguas e deixou faxina por recepção turística se torna celebridade no Mercado Central e vence o primeiro grande desafio: acompanhar embaixadores europeus (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Celebridade? Antes de responder, polidamente, com certeza Maria da Conceição da Silva esfrega as ásperas palmas das mãos, resultado do trabalho pesado, ao longo de 41 anos, como doméstica, pedreira, carpinteira, vendedora, bombeira hidráulica. Sem nenhuma sombra no rosto, além do azul discreta e delicadamente desenhado na pálpebra, diz: “Não tenho deslumbramento nenhum”. A pernambucana é a mulher que escondia atrás de um jaleco de faxineira no Mercado Central o diploma superior de contabilidade e o conhecimento de sete línguas – inglês, holandês, italiano, espanhol, alemão, um pouco de hebraico e, evidentemente, o português.


Mal ela acaba de falar, recebe os cumprimentos da professora Rejane Ruas, de 57, que foi ao mercado fazer uma comprinhas e aproveitou para conhecer Conceição no guichê de informações turísticas. “Li a reportagem sobre ela cedo. Achei a história interessantíssima, chique.” Mas esse não foi o começo do dia de ontem para Conceição, depois que história saiu no Estado de Minas. Ainda cedo, o superintendente do mercado, Luiz Carlos Braga, recebeu um telefonema marcando uma visita de embaixadoras e embaixatrizes, parte de um grupo de diplomatas e convidados da União Europeia em visita a BH. Os europeus queriam conferir os cheiros e as cores do mercado antes de cumprir uma agenda que inclui uma visita, hoje, ao instituto Inhotim.

Luiz Carlos abriu um sorriso largo. “Agora, estou preparado”, pensou. Mais uma vez, Conceição passou um discreto batom e desfilou pelos corredores do mercado na companhia dos europeus. Conversou em alemão, holandês e inglês. “Foi fácil o entendimento, Conceição?” “Sem problemas. As mulheres ficaram encantadas com o artesanato. Ganharam brindes e, como não poderia deixar de ser, provaram os queijos mineiros. E gostaram.” “Gostaram e levaram?” “Não, não levaram. Como vão ficar mais dois dias na cidade, não como guardar e conservar os queijos. Mas levaram lembranças.” Luiz Carlos não se contém de felicidade. “Isso mostra que o mercado está saindo na frente ao atendimento do turista nas copas das Confederações e do Mundo.”

Bagagem

Como está escrito, Maria da Conceição nasceu no Recife, filha de doméstica e caminhoneiro. Teve uma infância difícil e trabalha desde antes da adolescência. Acompanhou a mãe em mudanças para Elesbão Veloso e Teresina (PI), Fortaleza (CE) e Campina Grande (PB). Estudou em diferentes colégios e fez de tudo antes de embarcar, em 2005, para a Holanda, levando a companheira, grande amor de sua vida. Falava em inglês e na Europa aprendeu holandês, o alemão, o italiano, aprimorou o espanhol e ainda ganhou de um marroquino lições básica de hebraico.

A busca da sobrevivência na Europa não foi diferente: serviço doméstico, pintura de paredes, instalação de pisos de madeira e mais o que aparecesse e estivesse dentro de suas aptidões. “Passei fome no Brasil e lá fora. mas isso só se supera buscando. E a busca é o trabalho.” A aventura europeia terminou quando a companheira, 10 anos mais nova, foi chamada pela família, que mora na Grande BH. A moça veio e logo depois Conceição desembarcou em Minas com toda a sua bagagem de conhecimento. Emprego fácil? “Não. Encontrei muitas barreiras, por ser de outro estado, ser uma pessoa humilde e falar tantas línguas e ter mais de 40 anos.”

Desde setembro ela perambulava por hotéis, restaurantes, empresas, supermercados e shoppings procurando emprego. Em 2 de maio, parou no mercado para comprar uma goma de tapioca e soube que lá havia vagas na faxina. Com medo de outro não, omitiu o conhecimento de línguas e o diploma. Empregou-se, mas no dia seguinte seu segredo foi descoberto. José Severino de Oliveira, de 46, o Matipó, ouviu quando Conceição conversava ao telefone no dia seguinte. “Ou ela falava em outra língua ou era doida. Como não se vê faxineira, falando outro idioma, pensei: é doida mesmo.”

Matipó procurou Luiz Carlos, contou o que ouviu. Chama da à sala do superintendente, Conceição abriu o jogo. Imediatamente foi elevada de faxineira a recepcionista no guichê da Belotur de informações turísticas.


Humildade a toda prova

Além do trabalho no posto turístico, Maria da Conceição teve tempo para vestir o velho jaleco e posar para fotos com as ex-colegas da faxina(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Além do trabalho no posto turístico, Maria da Conceição teve tempo para vestir o velho jaleco e posar para fotos com as ex-colegas da faxina (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
O professor vietnamita Kiet To, de 48, natural de Saigon e radicado no Rio, visita BH a convite da amiga e publicitária Raquel Rocha, de 39. Foi ela que viu a notícia, de manhã. “Li no no site Uai e contei a história ao Kiet (leia-se kit). Ele ficou maluco. Então, viemos almoçar e conhecer a Conceição.” O vietnamita teve que se esforçar muito para dizer em português: “Uma vida fantástica. Adorei”.

Houve muitas mudanças na vida de Conceição. Essa é a mais rápida mais radical. Mas ela é durona, fruto de uma longa batalha pela vida. Esse movimento repentino em torno dela, essa aproximação, não alteram seu semblante, apesar de apreciar os gestos das pessoas e respeitá-las, com o compromisso de servi-las da melhor forma. “O que me emociona é a garra da minha mãe (falecida em 1991) para criar os filhos. Quando falo dela, sim, me comovo. Deus e minha mãe são minhas fontes de força.”

Antes do compromisso com uma emissora de TV, confraternização com as colegas da faxina. E elas formam um quadro feliz no corredor dos doces e queijos. Maria Olívia, de 48, Cláudia de Jesus, de 40, Maria Aparecida de Souza, de 52, Eunice da silva, de 53, Lilian Vieira, de 30, Maria Helena da Silva, de 51 e Rita de Cássia Alves, de 43. Embora haja disposição em Conceição para ensiná-las a falar em inglês, será preciso muita conversa para convencê-las, levá-las a acreditar que a vida não está estacionada numa vassoura.

“Essa ideia de a gente aprender inglês vai nos ajudar muito. Convivemos com estrangeiros e temos o dever de oferecer o melhor atendimento”, disse Rita de Cássia. “Conhecê-la e descobri-la foi uma surpresa agradável. Ela é simpática, carismática e nos trata muito bem. Um amor de pessoa, uma amiga verdadeira”, completou Lilian.

Maria da Conceição não viu o que se fala dela nas redes sociais. “Como ainda não recebi salário, eu e minha companheira estamos sem internet.” Mas se ela soubesse… “Esse é o novo mundo de Maria da Conceição dividido pela sugestão da fama e a proposta de ser sempre humilde e aprendiz, como a vida determinou e ela seguiu com a garra que herdou da mãe.


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