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Estado de Minas

Sósia de estuprador, preso injustamente, está aliviado com nova versão


17/04/2012 06:00 - atualizado 17/04/2012 07:11
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Paulo Antônio afirmou ontem à noite que a vítima tirou uma cruz das suas costas
Paulo Antônio afirmou ontem à noite que a vítima tirou uma cruz das suas costas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Depois de viver os últimos 15 anos sob o peso da acusação de ser um estuprador e de ficar preso injustamente por cinco anos e sete meses, o porteiro Paulo Antônio da Silva, de 66, sentiu ontem o primeiro alívio em muito tempo. Uma das mulheres que se diziam vítimas dele foi ontem espontâneamente à Delegacia de Mulheres e reconheceu o ex-bancário Pedro Meyer, de 56 anos, sósia de Paulo, como seu agressor. “Ela tirou uma cruz das minhas costas”, desabafa o homem, em sua casa simples no Bairro Ribeiro de Abreu, Região Nordeste da capital, onde mora sozinho. Na parede, vê-se um único quadro: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação”.

Paulo revela que, durante todos esses anos, “pedia a Deus, que é tão poderoso, que fizesse o encontro das pessoas que o acusaram com o verdadeiro criminoso. Isso aconteceu agora”. No período em que esteve atrás das grades, Paulo perdeu “a liberdade, a saúde, o emprego, o contato com as filhas e a mulher”, que se divorciou dele.

Certo de sua inocência, o porteiro tenta levar uma vida normal, apesar de ser obrigado a comparecer de dois em dois meses ao Fórum Lafayette, conforme as regras do regime aberto. “Não abaixo o rosto. Ando de cabeça erguida e não tenho medo de nada. Sei que tenho de assinar esse papel de dois em dois meses seguindo ordens da terra, mas a minha Justiça não é aqui, é lá no céu”, diz o idoso. No próximo dia 4, Paulo tem marcada audiência de livramento condicional na sala 245 do fórum, de onde poderá sair livre.

Desde que saiu a informação livrando-o da culpa de uma das vítimas, Paulo passou a receber cumprimentos de moradores. “Agora mesmo um vizinho pediu desculpa por ter me chamado de coisa que eu não sou. Dói demais”, completa Paulo, que mantém o bigode, agora totalmente grisalho, marca que o levou a ser confundido com o verdadeiro criminoso. “Uso bigode desde rapazinho. Meu pai usava bigode e aprendi com ele. Mas não me acho parecido com o bancário. Primeiro, por causa da aparência. Depois, porque ele é psicopata, enquanto tenho o meu juízo perfeito. Esse crime de estupro não tem cura”, compara ele, que, ao ser preso, tinha o bigode e o cabelo pretos. Segundo um amigo, Paulo envelheceu uns 20 anos.

Mochila

Paulo repete por diversas vezes a informação de que, antes de ser preso, trabalhava como porteiro na Rua Bernardino Sena Figueiredo, no Bairro Cidade Nova. “A delegada armou uma cama de gato para mim. No dia em que me pegaram, eu estava largando serviço. Na minha mochila tinha restos de marmita, pó de café e açúcar. Eu vivia da casa para o serviço, do serviço para casa. Às vezes nem voltava, ficava por lá fazendo biscates. A síndica do prédio foi minha testemunha”, revela ele, que chegou a tentar suicídio na cadeia. “Ao ver minhas filhas indo embora, não aguentei”, conta Paulo, que cortou os pulsos no antigo Departamento de Investigações, no Bairro da Lagoinha.

Paulo não se conforma de ter perdido a mulher, que, segundo ele, entrou com pedido de divórcio em 2002 para ter acesso à pensão para as filhas do casal, que na época estavam com 8 e 9 anos. Atualmente, a mais velha, de 21, trabalha como secretária no Tribunal de Justiça e a outra, de 20, é operadora de telemarketing. As três visitaram Paulo durante o período em que ele esteve preso.

“Na cadeia, os presos não fizeram comigo o que todos dizem que se faz com estupradores na prisão. Eles diziam que detento com esse tipo de crime não têm família e eles viam minhas filhas irem me visitar. Quando mexiam comigo, eu mandava pedir à polícia para puxar a minha ficha”, conta Paulo, mostrando que, por instinto de sobrevivência, aprendeu o linguajar do sistema penitenciário. Além da humilhação de ficar preso, ele sofreu uma tentativa de assassinato na transferência do regime fechado para o semiaberto. “Não poderia morrer sem deixar essa dúvida na cabeça das minhas filhas, dos vizinhos e dos meus parentes. Nunca fui um criminoso”, jura.

Vítima corrige identificação

Um erro de identificação que durou 15 anos e custou ao porteiro aposentado Paulo Antônio dos Santos, de 66 anos, uma condenação a 16 anos de prisão por crime de estupro, foi desfeito ontem. Uma jovem de 26 anos, violentada em 1997 e que, na época da agressão, havia reconhecido o porteiro como o autor da violência sexual, compareceu à Divisão de Proteção à Mulher, Idosos e Deficiente Físico e confirmou que se enganou. Diante da delegada Margaret de Assis Freitas Rocha, ela reconheceu o ex-bancário Pedro Meyer Ferreira Guimarães, de 57, como o responsável pelo estupro sofrido por ela.

A vítima já havia ido à Delegacia de Mulheres espontaneamente na sexta-feira para dizer que havia ajudado a incriminar erroneamente Paulo Antônio e diante de suas declarações a polícia marcou para ontem uma sessão de reconhecimento. Pedro Meyer e mais três homens com características físicas semelhantes (idade, aparência, estatura) foram postos lado a lado e a mulher não teve dúvidas ao apontar o ex-bancário como o estuprador.

Além dessa jovem, mais uma mulher foi ouvida ontem pela polícia e também reconheceu Pedro Meyer como o homem que a atacou na década de 1990. Com os dois depoimentos colhidos ontem, subiu para 10 o número de vítimas de estupro que já identificaram o ex-bancário como autor da violência sexual. Hoje, duas irmãs, de 27 e 30 anos, que moravam no Cidade Nova, na Região Nordeste da capital, e que foram violentadas em 1997, serão ouvidas pela delegada Margaret Freitas Rocha.

NADA MUDA

O depoimento da jovem que foi à Delegacia de Mulheres ontem para admitir que cometeu um erro ao acusar Paulo Antônio pelo crime de estupro por enquanto não muda em nada a situação do ex-porteiro, pois a pena que lhe foi aplicada continua valendo. Condenado a 16 anos de prisão, Paulo, que sempre alegou inocência, ficou cinco anos e sete meses preso e depois obteve o benefício da liberdade condicional.

Mas as declarações da vítima são um alento a mais para o aposentado, seus parentes e o advogado Marco Antônio Siqueira, que defende Paulo. Desde que a possibilidade do porteiro ter sido confundido com Pedro Meyer se tornou conhecida, publicada com exclusividade pelo Estado de Minas em 2 de abril, as evidências de que houve mesmo um erro judiciário só aumentaram. Tanto que o Ministério Público já pediu à Justiça vista do processo, para reexaminar o assunto e verificar que erros foram cometidos para que o porteiro fosse condenado por crimes que não cometeu.

Marco Antônio Siqueira diz que sempre acreditou na inocência de seu cliente. Para o defensor, na ocasião em que Paulo foi condenado “o retrato falado foi feito de maneira muito afoita”. O advogado aponta diversas fragilidades na acusação, inclusive o fato de Paulo Antônio ter um machucado na perna que o impedia de correr e havia a afirmação de que o estuprador deixava a cena do crime correndo. Ele afirmou que vai pedir a reabertura do processo, para uma revisão criminal.

A delegada Margaret de Assis Freitas Rocha, titular da divisão e que vem acompanhando as investigações atuais, admitiu haver semelhança entre o ex-bancário e o porteiro, mas afirmou depender da Justiça para desarquivar o inquérito contra Santos. “Cabe àPolícia Civil definir a autoria e a materialidade do delito. Estamos investigando e correndo atrás de provas que ligue o Pedro Meyer aos estupros. Sobre a questão de confusão de reconhecimento de autores a responsabilidade é da Justiça. Cabe ao âmbito judiciário a revisão do processo”, disse Margaret. Segundo ela, um dos caminhos para se conseguir a prova material é o confronto de DNA, com comparação entre o material genético do ex-bancário e o colhido das vítimas de estupros e arquivados no Instituto de Criminalística.

No entanto, segundo a delegada, Pedro Meyer não autorizou que fosse colhido o material genético para a análise. Também orientado por advogados, ele se recusa a prestar depoimento afirma que só irá falar em juízo.

Entenda o caso


O porteiro Paulo Antônio da Silva foi preso no Bairro Cidade Nova em 1º de abril de 1997, acusado de ter estuprado três meninas, com idades entre 11 e 13 anos.

Paulo, então com 51 anos, passou a noite na prisão, sendo liberado no dia seguinte.

Poucas horas depois, o porteiro voltou a ser preso. Na delegacia, foi reconhecido pelas meninas e por uma testemunha que declarou ter surpreendido Paulo seviciando uma das vítimas.

Com base no reconhecimento das meninas e da testemunha, o porteiro foi condenado a 16 anos de prisão, permanecendo preso por cinco anos e sete meses, até obter o benefício da liberdade condicional.

Em 1º de abril desse ano, alguns dias depois da imprensa noticiar a prisão do ex-bancário Pedro Meyer Ferreira Guimarães, reconhecido por uma vítima de estupro em 1997, também no Cidade Nova, Paulo Antônio falou ao Estado de Minas e disse ter sido vítima de um erro judicial.

De acordo com o porteiro, ele e o ex-bancário são bastante parecidos e por essa razão as vítimas dos crimes sexuais e a testemunha que o reconheceram se confundiram.

Sexta-feira, uma das meninas estupradas em 1997 e que acusou Paulo Antônio pelo crime compareceu espontaneamente à Delegacia de Mulheres e disse que havia se confundido e que o homem que a atacou era Pedro Meyer.

A vítima foi violentada em 26 de janeiro de 1997, quando Pedro a dominou no elevador do prédio onde ela morava e, sob a mira de um revólver a levou para as escadarias do edifício, onde ocorreu a violência sexual.

Ontem, essa mulher voltou à delegacia e reconheceu oficialmente o ex-bancário como o autor do estupro.


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