(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Município de Conceição mescla modernização a hábitos típicos do interior

Os romances mudaram, a tecnologia chegou para ficar, como um aeroporto onde pastam animais


postado em 06/04/2012 06:53 / atualizado em 06/04/2012 08:37

Gladyston Rodrigues/EM/DA Press(foto: Movimento à noite: polícia manda bares baixarem volume de música depois de duas ou três reclamações)
Gladyston Rodrigues/EM/DA Press (foto: Movimento à noite: polícia manda bares baixarem volume de música depois de duas ou três reclamações)
Os enredos dos amores de Conceição do Mato Dentro são um capítulo à parte na história dessa cidade que retrata a evolução de tantos municípios espalhados pelo Brasil. Que o diga Maria Célia Costa, hoje aos 74 anos, que chegou à adolescência sem saber o que fazer ou dizer diante de um rapaz. A fim de aprender, ouvia escondida as confidências das irmãs mais velhas. Um dia, meteu-se embaixo da cama para seguir a conversa delas com a amiga Terezinha, que chorava. O pai de Terezinha havia lhe dado uma baita surra, desgostoso do namoro da filha. Célia passou a achar que o amor doía. Por isso, daí a uns dias, deixou o namorado depois de ser beijada no rosto, arrepiar-se e sentir, amedrontada, que estava apaixonada.

Mas o maior dos namoros proibidos de Conceição foi o de Rosa e Zé. Em uma poltrona na sala de estar de casa, Rosa Lima Carvalho, hoje com 84 anos, reluta em revelar, entre tantos Josés, por qual seu coração se acelerava. "Não posso falar o sobrenome", diz, com um sorriso frouxo. Sentada em um sofá na mesma sala, sua filha, Rosa de Fátima, a Rosinha, quebra o mistério: era José Aparecido de Oliveira, nascido em 1929 e falecido em 2007.

Natural de Conceição, José Aparecido foi deputado federal, governador do Distrito Federal e ministro da Cultura. Antes de tudo isso, porém, foi o Zé da Rosa. De noite, era possível ver os dois na Praça Daniel de Carvalho, onde vários enamorados suspiravam. Para escapar do pai da moça, contrário ao namoro, o casal também precisava se ocultar – o que não era muito difícil, já que chegava a faltar energia elétrica por muitos dias. "Coisa escondida parece que é diferente. Aí é que a gente gosta", diz ela.

Até os velhos da cidade davam palpite sobre o namoro. Quase todo mundo achava que os dois deviam ficar juntos. Mas Rosa acabou se cansando do cerco do pai, que "era bom, mas era bravo" e lhe deu umas pancadas com ela já crescida, maior de idade e empregada como professora. "Eu estava enfarada de sofrer prisão, não poder ir a Belo Horizonte. Meu pai não deixava por causa do Zé."

Um dia, assim, insatisfeita, viajou a Diamantina e conheceu seu futuro marido, Expedito, com quem se mudou para a capital e teve quatro filhos. O namoro de cerca de 10 anos com o Zé teve fim. E o rapaz chegou a sugerir a reconciliação? Meio envergonhada, Rosa responde: “Mais ou menos”. Mesmo depois de ela se casar? “Mais ou menos”, repete, sorrindo. Zé lhe dava “uns telefonemazinhos” insistentes. Ela admite que a tentação era forte. “Mas eu já tinha definido minha vida, tinha responsabilidade”. Acredita que foram apaixonados: “Dizem que as almas nascem aos pares, mas vivem separadas”.

Rapazes como o Zé da Rosa andavam pela cidade a fazer serenatas. Em uma ou duas noites na semana, grupos de amigos, que não passavam de cinco ou seis, cantavam pelas ruas, parando na frente de algumas casas, principalmente se ali morava determinada moça. O repertório era internacional: música argentina, mexicana, italiana. Muitos boleros. Tarcísio Lazzarini, 66, era um dos participantes mais assíduos. Lamenta que, pelos idos dos anos 1970, a serenata à moda antiga tenha caído em desuso: "Apareceu uma turma mais nova, que fazia serenata com aparelho de som. Isso desvirtuou, tirou o romantismo".

Leia a íntegra da matéria de Realidade

Da Telefônica às lan houses

Além das serenatas, havia os cinemas para distrair a juventude. Nos bons tempos, Conceição tinha dois: Cine Floresta e Cine Paroquial. O último funcionou pelo menos até o fim dos anos 1970. Chegava a ter quatro sessões por semana, quando o filme fazia sucesso e lotava o auditório. Em 1966, a cidade só tinha 30 aparelhos de televisão, que funcionavam depois das 10 da noite, de acordo com a reportagem da Realidade. Dez anos depois, a chegada da televisão em cores fez o Paroquial definhar. “A TV trazia muitos filmes. Nosso público foi caindo, as sessões diminuíram, começaram a dar prejuízo”, conta Maria do Rosário Andrade, bilheteira do cinema.

Atualmente, mesmo na área rural, é improvável achar casas sem televisão. O telefone também se disseminou, ainda que o sinal dos celulares seja bastante precário para além dos limites da sede. A internet deixou de ser artigo de luxo, ao menos na zona urbana, onde há, inclusive, lan houses.

Na década de 1970, Zé Lages foi presidente da Companhia Telefônica Conceicionense, que lutava para aumentar o número de adeptos da então nova tecnologia. O esforço rendeu inimizades. Calistrato Borges, à época diretor da extinta estatal Telemig, avisou: "Vocês estão lutando para perder o que de melhor há em Conceição. Você chega na casa de seu amigo, bate à porta, que nem campainha tem. Entra, senta, começa a bater papo. Chegam as filhas do amigo, aquelas moças bonitas, para alegrar o ambiente. Agora, o cara faz careta do outro lado da linha e você nem sabe". Na época, Zé Lages não concordou. Depois, viu que era isso mesmo. “O doutor tinha razão. A vida era mais gostosa.”

Prosa no mercado


Há rotinas que nem a tecnologia conseguiu alterar muito. Uma delas está nas manhãs do mercado municipal, que desperta cedo. Às 6h45 de uma sexta-feira, Tarcísio dos Santos, de 56 anos, é o primeiro feirante a chegar. Minutos depois, para em frente um ônibus escolar trazendo alunos do distrito do Tabuleiro para o colégio estadual São Joaquim, no Centro. Devidamente uniformizado, desce o filho de Tarcísio, entrega-lhe a marmita do almoço, pede “a bença” e segue para a escola.

O administrador do mercado, Ivan Yhorta, de 56 anos, abre as portas às 7h em ponto. Cinco minutos depois, surge a primeira cliente, a empregada doméstica Nilza Rodrigues, 34. Ela gosta de passar ali cedinho: “Daqui a pouco, vira uma ‘conversaiada’ que ninguém ‘guenta’.” Nilza leva alface e abacaxi do tabuleiro de Maria Aparecida dos Santos, de 48, que ainda nem tinha acabado de tirar tudo das caixas e dispor sobre a banca. Maria também trouxe cebolinha, rúcula, mostarda, almeirão. Artigos mais gordos surgem com os demais feirantes: queijos, biscoitos, farinha de mandioca, rapadura, banana, doces, carne de porco.

Para garantir um tabuleiro, basta se cadastrar na prefeitura. Alguns comerciantes vão embora antes do meio-dia, a depender das vendas. Muitos não são rigorosos com relação a pesos e preços. Na banca de Iza Célia Alves, de 48, quem comprar o pacote grande de biscoito polvilho, que já vem fechadinho, paga R$ 9 pelos cerca de 675 gramas. Agora, se o cliente pedir para pesar o produto, Iza cobra R$ 12,92 pela mesma quantidade, uma vez que o quilo custa R$ 19.

Uma das melhores queijeiras da região, Irenice de Fátima Bicalho, a Nicinha, de 37 anos, também vende, por preços módicos ou nem tanto, abóboras (R$ 1 o quilo) e quiabos (R$ 5 o quilo) trazidos de sua fazenda. Ela diz que gostaria de doar os legumes, mas o povo não aceita: "Se eu der, não querem, acham que ficam devendo obrigação".

Aos 86 anos, Geraldo Fernandes é um dos vendedores mais antigos do mercado: tem ponto há mais de seis décadas. Traz uma caixa pequena de quiabos e, apoiado na banca, espreita a oportunidade de engatar uma "prosinha". "Venho aqui mais pra ver os amigos. Conversa fiada, né?" A quem lhe pergunta, ele diz que o quilo do quiabo custa "10 cruzeiros".

No mercado quase nenhum jovem aparece. Hoje eles se divertem, basicamente, indo a poços, cachoeiras e, claro, bares. Dos poços que faziam sucesso há quatro décadas, apenas o do Sossego continua bem frequentado. No Poção, no Bairro da Vila Caetano, havia um ponto em que os jovens costumavam saltar das pedras na água. Pouca gente toma banho no Poço do Padre Elói, um dos preferidos das lavadeiras dos subúrbios, que caminham com dificuldade sob o peso das bacias equilibradas na cabeça.

Hoje, como as estradas foram asfaltadas, a preferência são as cachoeiras mais distantes, como Três Barras e Tabuleiro. O Poço de Piraquara, pejorativamente chamado por alguns de “Piscinão de Ramos”, é mais procurado pelos mais pobres. Fica lotado aos domingos. Escancarados, os porta-malas dos carros berram som alto, geralmente funk carioca. Disputa-se para ver quem tem as caixas acústicas mais potentes. Espalham-se churrasqueiras, algumas improvisadas com tijolos, e embalagens de isopor com cerveja, cachaça, vinho e refrigerante.

De noite, sempre há alguém no Churrasquinho do Dicinho, na Pizzaria Montecastelo, no Restaurante Parol. Como as opções de lazer não são tantas, o tenente Roger usa tolerância com os bares que têm musica alta. “Mandamos desligar só quando os vizinhos nos telefonam duas ou três vezes reclamando”, revela.

Ultimamente, o pessoal tem lotado o Bar Varanda da Serra às quintas-feiras, quando rola música ao vivo. À meia-noite, continua chegando gente. Em uma das semanas de fevereiro, a banda Entre Amigos abria sua apresentação tocando, em ritmo de pagode, La belle de jour, de Alceu Valença. Depois de alguns clássicos do samba, como Barracão de zinco e Trem das 11, vem a inevitável Ai, se eu te pego, popularizada na voz de Michel Teló.

“Boate é um negócio que faz falta em Conceição”, diz o jovem médico Cristiano Quintão, de 29 anos, sentado em uma das mesas do bar. Mas “sempre tem algo pra fazer”, nem que seja um churrasco na casa de amigos. “A cidade tem mais cachoeira do que lugar pra sair à noite. É meio parada, mas é boa para viver.”

É madrugada e as amigas Mariana e Daiane ainda estão no bar, situação impensável no tempo de seus pais. Mariana Andrade, de 22 anos, precisou se mudar para Sete Lagoas para estudar relações públicas, mas pretende voltar à cidade natal. Ela lembra que os amigos gostam de fazer churrasco. “O que não tem, a gente inventa”, comenta Mariana. Daiane Duarte, de 21 anos, que estuda ciências econômicas a distância, concorda. E resume, revelando apego ao seu chão impossível de não compreender: “Conceição não tem nada, mas a gente gosta”.

Brincadeiras na pista

Em Minas Gerais, há 68 aeroportos públicos. Fora os dois de Belo Horizonte, os demais se espalham por 66 cidades. Conceição do Mato Dentro é o 10º município com menos habitantes a ter uma pista de pouso, a do Aeroporto Governador Magalhães Pinto. A data de inauguração ninguém sabe informar: nem o governo estadual, administrador do aeroporto público, nem a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por homologá-lo. A prefeitura tampouco. Um técnico da Aeronáutica informou que, por não operar voos regulares e ter um movimento muito pequeno, seria difícil levantar o número de aviões que já pousaram naquela pista asfaltada de 960 metros de comprimento e 23 metros de largura.

O aeroporto de Conceição, construído a 711 metros de altitude no Bairro da Bandeirinha, vive ocioso. O portão branco de entrada está torto e enferrujado. Nascif Otoni, funcionário que guarda a chave do cadeado, informa que, este ano, nenhum avião baixou ali. Existe tráfego na época da principal festa religiosa da cidade, o Jubileu – “no último, desceram uns cinco ou seis” –, e durante campanha eleitoral. “Sempre vem político pra caçar voto desse povo”, diz Nascif.

Invasores se apossaram de parte do terreno do aeroporto e construíram casas à margem da rodovia MG-010. Por isso, muitos meninos brincam na pista e no mato alto em volta. Criadores de gado aproveitam a falta de vigilância para cortar o arame da cerca e botar os bichos para pastar. A gerência de fiscalização aeroportuária da Anac enviou uma correspondência à prefeitura da cidade, no ano passado, informando que pilotos reclamavam da presença de animais na pista. As cercas são remendadas, mas, vez por outra, voltam a ser rompidas.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)