(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

BR-040 pode ser considerada a estrada mais traiçoeira de Minas

Rodovia concentra os kms recordistas em número de óbitos, com mais feridos e mais acidentes


15/11/2011 06:59 - atualizado 15/11/2011 07:16

O trecho crítico em Três Marias e a lembrança da última vítima: o frentista Odilon, morto em julho
O trecho crítico em Três Marias e a lembrança da última vítima: o frentista Odilon, morto em julho (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)

Dominando a descida que parte de uma altitude de mais de 900 metros até o vale cercado por mata de cerrado e pelas veredas pouco habitadas da zona rural de Três Marias, na Região Central de Minas, a pista da BR-040 entre o Posto Planalto e a Ponte do Ribeirão da Extrema é desconhecida da maioria dos mineiros. Afastado, a 45 quilômetros da sede do município e a 36 da cidade vizinha de Felixlândia, na saída para Brasília, o trecho de mil metros identificado pelas autoridades rodoviárias como km 320 é um assassino silencioso, que já levou cinco vidas somente de janeiro a agosto, em cinco acidentes. Nas estradas federais, é dos pontos que matam com mais regularidade no estado. No mesmo período, a 040 conserva também o recorde de número de mortes em um único desastre, no km 647, no sentido oposto, em Cristiano Otoni, saída para o Rio de Janeiro: foram sete vítimas, a maioria com óbito constatado ainda no local da batida. A BR concentra também outros números surpreendentes para quem se acostumou a ver o título de Rodovia da Morte associado à 381, no trecho entre Belo Horizonte e Governador Valadares.

Em um alerta aos motoristas que cruzam hoje as rodovias mineiras na volta do feriadão, o Estado de Minas levantou no banco de dados do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quais são os quilômetros mais mortíferos das rodovias federais mineiras e encontrou seis trechos com cinco mortes ou mais. Além de concentrar dois pontos com maior número de óbitos (kms 320 e 647), a BR-040 ostenta os quilômetros campeões em feridos e em número de acidentes, tornando-se, para especialistas, a estrada mais traiçoeira do estado. “Quando a rodovia tem essas armadilhas – trechos onde de repente o motorista se depara com problemas, depois de longas distâncias dirigindo dentro de um padrão –, o risco é grave. A surpresa é pior do que um percurso reconhecidamente perigoso, no qual o condutor está sempre atento”, avalia o especialista em transporte e trânsito Paulo Rogério da Silva Monteiro, do Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro.

Os riscos na 040 são tamanhos que o Ministério Público Federal ajuizou, na sexta-feira, ação civil pública contra o Dnit e a União, exigindo a instalação de balanças móveis em outro trecho da rodovia (entre os kms 544 e 619), devido ao alto índice de acidentes. Se a Justiça se pronunciar favoravelmente à ação, o poder público terá 90 dias para cumprir a determinação, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Porém, apesar das armadilhas da estrada federal que cruza o estado ligando o Rio de Janeiro a Brasília passando por BH, a 040 não toma o título de Rodovia da Morte da BR-381, que de janeiro a agosto tirou a vida de 186 pessoas, considerando o trecho da divisa com São Paulo à divisa com o Espírito Santo. Com 136 vítimas, a BR-040 fica atrás ainda da BR-116, que registrou 140 óbitos em seu trecho mineiro. O perigo, contudo, está na concentração de mortes por quilômetro, que chegou a sete no trecho mais crítico da 040. O pior percurso da Rodovia da Morte, nos 110 quilômetros entre BH e João Monlevade, matou 54 pessoas, média de uma a cada dois quilômetros.

Vizinhos do medo


O silêncio na área desabitada nos arredores do km 320 da BR-040, em Três Marias, é cortado pelo ruído do tráfego intenso de carretas com mais de 20 metros de comprimento. Por ali elas descem rápido, no ritmo de viagem de quem enfrentou longas retas até chegar àquele ponto. Antes de entrar no trecho de descida forte, com mais de seis quilômetros, indícios são ignorados ou simplesmente atropelados: dezenas de tiras de pneus de caminhões que se desprenderam em freadas bruscas, marcas de borracha no pavimento, cortes fundos deixados no asfalto por carrocerias que tombam, cacos e mais cacos de para-brisas e de faróis. Rastro que segue acompanhando o mergulho dos veículos até encontrar, de repente, uma curva fechada. Para piorar, as pistas desembocam em uma ponte estreita, que só fica visível quando se está a 50 metros da travessia sobre o Córrego da Extrema.

No trecho, os indícios que materializam as estatísticas estão por todos os lados. Cruzes que lembram os mortos se espalham pelos acostamentos, em meio a guard rails retorcidos, destroços de automóveis e restos de cargas diversas. Um dessas más recordações é um pequeno oratório com cobertura de metal, que abriga uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e recebe sempre velas e orações. Foi ali que perdeu a vida Cleiton Fabiano Silva, aos 18 anos, o filho do meio dos três que tinha dona Zildete Piedade Silva, de 50. “Essa rodovia maldita tirou minha vontade de viver. Arrancou meu filho e abriu uma ferida que nunca mais fecha. Queria mesmo era ter ido com meu menino”, desabafa a mãe, ainda de luto, em meio ao choro e tentando vencer as falhas na falha para falar do episódio.

Ela é mais uma moradora de Forquilha dos Cabrais, distrito de Três Marias, onde os desastres do km 320 marcaram toda a comunidade. O povoado pacato, de apenas 40 habitantes, fica a 10 quilômetros da 040. Difícil alguém ali não contar uma história de dor ligada à rodovia. “Perdi uma irmã e dois sobrinhos. O problema é o excesso de velocidade e a armadilha da curva perigosa que acaba na ponte. Ali, em julho, morreu um frentista do posto de gasolina aqui perto”, conta o aposentado Geraldo Diniz, de 63, que precisa passar pela BR todos os dias com a família e reza para não se tornar outra vítima.

Bem na cabeceira da ponte sobre o Ribeirão da Extrema foi fincada a cruz que marca a morte do frentista a que Geraldo se refere: Odilon Francisco da Costa, 59 anos. O marco fúnebre de metal branco se tornou mais um alerta visível para quem chega à curva em alta velocidade. No ferro, ficou gravada a expressão de dor que acompanhará os parentes sempre que passarem por ali: “Ninguém morre enquanto permanece vivo em nossos corações”.

Memória


Data marcada para sempre no asfalto

O acidente que tornou o km 647 da BR-040 aquele que individualmente produziu mais vítimas em Minas de janeiro a agosto ocorreu por volta das 18h de 10 de maio, perto de Cristiano Otoni, na Região Central do estado. Um Peugeot com placa de Conselheiro Lafaiete e um Renault de Belo Horizonte trafegavam em sentidos opostos na estrada que liga BH ao Rio de Janeiro, quando se chocaram de frente e pegaram fogo. Uma sétima vítima chegou a ser levada para o Hospital São José, de Conselheiro Lafaiete, e precisou ser transferida de helicóptero para o Hospital João XXIII, na capital, mas não resistiu aos ferimentos.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)