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Estado de Minas

Sequestro de menina em Contagem expõe facilidade na falsificação de documentos

Registro de garota sequestrada surpreende até a polícia, diante da facilidade de expedir documento autêntico para acobertar crimes que vão da exploração ao tráfico de pessoas


postado em 19/08/2011 06:00 / atualizado em 19/08/2011 06:26


O sequestro de uma garota de 7 anos em Contagem, Região Metropolitana de BH, e o registro da vítima em cartório pelo casal suspeito de cometer o crime – a dona de casa Neli Maria Neves e o cabo-PM reformado Jair Narcizo de Lacerda – alertam a polícia para a facilidade de esquentar documentos de crianças, atestando um parentesco inexistente. A conclusão é da própria delegada de Pessoas Desaparecidas, Cristina Coelli, que considera esse um elemento facilitador para uma série de crimes, como cárcere privado, exploração sexual e até tráfico internacional de seres humanos. “Com essa certidão de nascimento, o criminoso pode se deslocar com a criança em nível internacional”, disse a delegada.

Rodrigo da Cunha Pereira - Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 11/11/05)
Rodrigo da Cunha Pereira - Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 11/11/05)
Na manhã dessa quinta-feira, Cristina Coelli ouviu dois irmãos de Neli que serviram de testemunhas no registro da menina, em cartório de São Joaquim de Bicas, também na Grande BH. Um deles, o motorista José Antônio dos Santos, de 46, contou ao Estado de Minas que eles têm o costume de ir comprar cachaça em um alambique da cidade – “cachaça boa e barata”, comentou – em companhia do casal suspeito. No dia 9, dois dias depois do sequestro da menina, Neli chamou os irmãos para comprar bebida e sugeriu aproveitar a viagem para registrar uma criança, que ela dizia ter adotado.

“No cartório, o funcionário só pediu a carteira de identidade de todos e entregou a certidão em menos de meia hora. Não conheço a menina e só fiquei sabendo de tudo depois, pela televisão”, contou o irmão, que agora está sujeito a responder por falsidade ideológica. Segundo o motorista, Neli já manifestava desejo de adotar uma criança havia muito tempo, por não poder engravidar. O outro irmão, o pedreiro Antônio Maria da Silva, de 51, não quis dar entrevista. O Cartório Maia, onde a criança foi registrada, informou que as testemunhas apenas foram indagadas se viram a mãe grávida e se realmente a criança era dela. Não há esse depoimento registrado, mas o cartório atesta que ambos responderam afirmativamente às perguntas.

A delegada Cristina Coelli informou que as investigações sobre o sequestro estão adiantadas, mas que permanece o mistério sobre a motivação do crime. A policial, que não descarta a possibilidade de outras crianças terem sido vítimas do casal, pediu nessa quinta-feira a prorrogação da prisão temporária dos dois, que é de cinco dias.

Prima

Outra investigação da polícia diz respeito à situação da jovem Natália, de 24 anos, encontrada na casa dos acusados. Há suspeita de que ela também tenha sido sequestrada por Neli e Jair Narcizo e registrada como filha do casal em novembro de 1986 – conforme consta no livro 125-A e folha 273-V do Cartório Nogueira, em Contagem, Grande BH. Natália seria, na verdade, prima de Neli.

A mãe biológica da jovem foi morta por estrangulamento em 2001, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Segundo a irmã dela, a pensionista Maria Aparecida da Silva, de 80 – que é a mãe de Neli –, a mulher era alcoólatra e entregou os 16 filhos, ainda recém-nascidos, a outras pessoas. “Entregou a menina para Neli ainda com o ‘umbigo verde’. Não tinha condições de criar ninguém. Vivia tonta”, contou a aposentada ao Estado de Minas, acrescentando que tinha pouco contato com a filha Neli. “Ela aparecia lá em casa de vez em quando, mas nem entrava. Vez por outra, levava a Natália, mas a menina parecia abobada, sempre com os braços cruzados, com vergonha de falar”, disse a pensionista, que teve outros 13 filhos.

Uma irmã de Neli, de 43 anos, e uma sobrinha, de 23, que pedem anonimato, endossam a versão de que Natália foi realmente entregue para adoção, mas acrescentam que sempre estranharam o comportamento de Neli, que não deixava a filha adotiva conversar com ninguém. “Ela sempre estava por perto. Escoltava Natália o tempo todo”, disse a jovem, acrescentando que a prima parecia “um bonequinho” nas mãos da “mãe”.

“Neli é um diabo, um monstro. Quero ir para o túmulo sem ter que encontrar com ela de novo”, disse uma irmã da acusada, que teve o último contato com ela há dois meses. Na família de Neli, há pelo menos três casos de mulheres que assassinaram os maridos, o que lhes valeu o apelido de “viúvas negras”. A própria protagonista do sequestro já esteve presa por matar o primeiro marido.

A jovem Natália, segundo a delegada Cristina Coelli, sofreu “um grande impacto psicológico” durante as buscas em sua casa e está sendo atendida em local sigiloso, por uma equipe de saúde. “Somente vou entrevistá-la quando liberada pelos médicos”, disse a policial. Receitas em nome da jovem e medicamentos controlados foram apreendidos. “Estamos investigando o possível sequestro de Natália. Há informações de que ela foi entregue para adoção, mas há outra versão de que ela foi tirada da mãe de forma violenta”, disse Cristina Coelli, que interrogou na tarde dessa quinta-feira o cabo reformado Jair Lacerda. Irritado, ele dirigiu palavrões aos repórteres e não respondeu às perguntas durante o depoimento. A polícia, porém, já considera que ele tem envolvimento com os casos de  cárcere privado.

Palavra de Especialista
Regras tornam o registro fácil

  “Não é conduta indevida registrar uma pessoa sem o documento hospitalar, caso ela tenha nascido em casa. O que ocorre é que hoje não é mais comum esse tipo de situação. Normalmente, as pessoas têm o documento necessário para o registro. O que um cartório precisa e deve fazer é ficar atento a qualquer indício de fraude. A melhor maneira de detectar problemas é registrar os depoimentos das duas testemunhas e tentar confrontá-los, para ver se há veracidade ou contradições nas informações de cada uma. Caso o responsável pelo cartório acredite que há indício de fraude, tem todo o direito de negar a certidão de registro e deve comunicar o fato à Corregedoria de Justiça. Porém, se o cartório não achar que há possibilidade de fraude, e que as informações procedem, o documento pode ser gerado sem problemas. As testemunhas são consideradas prova do nascimento.”

 


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