Muitas versões para uma só lei. A norma que obriga locais fechados de acesso coletivo em Belo Horizonte a passarem pelo processo de “sanitização”, com objetivo de evitar transmissão de doenças infectocontagiosas, mal nasceu e já garantiu lugar de destaque no rol de legislações de letras vagas e eficácia duvidosa. A Secretaria Municipal de Saúde, responsável pela aplicação do texto, não explica com precisão seu conteúdo e validade, sob a justificativa de que ainda precisa ser regulamentado. Com isso, o que não falta são interpretações diferentes para a Lei 10.206, publicada sábado no Diário Oficial do Município (DOM), com sanção do prefeito Marcio Lacerda.
A nova regra foi publicada ao lado de um pacote de outras nove leis, entre elas a que obriga a instalação de detectores de metais em escolas com mais de 500 alunos, a criação do Dia Municipal do Autismo e a que dá nome de Jesuíno Celestino da Silva à Rua 60, no Bairro Jardim dos Comerciários, Região de Venda Nova. O texto, que começou a tramitar na Câmara em junho do ano passado, também faz parte do reduzido grupo de 39 projetos de lei aprovados de janeiro até segunda-feira pelos vereadores.
A lei define apenas que precisam de sanitização “locais fechados de acesso coletivo, públicos ou privados, climatizados ou não.” De acordo com o texto, sanitização consiste no “tratamento de todos os ambientes, incluindo paredes, tetos, pisos, mobiliários e ar-condicionado, por empresa cadastradas no órgão público competente”. Quem desrespeitar a norma, que será fiscalizada por 150 agentes da Vigilância Sanitária Municipal, poderá ser multado em até R$ 10 mil.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) limita-se a dizer que a lei tem 90 dias para ser regulamentada pelo Executivo e acrescenta que a regulamentação “vai detalhar locais passíveis de transmissão de doenças infectocontagiosas”. A SMSA completa que estabelecimentos que necessitam de licença sanitária para funcionamento já seguem normas que estabelecem cuidados para prevenção de infecções.
Desconhecimento
Antes de falar ao Estado de Minas, o vereador Pablo César, o Pablito, não sabia que a proposta havia sido aprovada em segundo turno. Ele explicou que o texto foi criado com base em comentários de eleitores e uma percepção pessoal. “Não consultei ninguém. Eu mesmo verifiquei muita sujeira em salas de cinema e teatro. Já tinha recebido comentários sobre isso de eleitores meus”, afirma, sem detalhar o que vem a ser o processo de sanitização. O que ele provavelmente desconhece é que cinemas, teatros, estabelecimentos de saúde ou relacionados a alimentos, hospedagem, ensino, diversão e lazer, esteticismo e cosmética precisam de licença sanitária municipal.
O fiscal sanitário municipal e presidente da Associação dos Fiscais Sanitários Municipais de BH (Afisa), Gilmar Xavier Lima, diz que a sanitização é para livrar a cidade de pragas e roedores. “Já exigimos esse tipo de limpeza de farmácias de manipulação, drogarias, clínicas e hospitais. Mas agora a lei deixa claro que são os ambientes fechados de uso coletivo, como prédios de lojas. Quando houver um evento na Praça da Estação vamos ter que exigir a contratação de uma empresa para a limpeza antes do evento.”
Dúvida
Na definição da Secretaria de Saúde, doenças infectocontagiosas são transmitidas por micro-organismos diretamente de pessoa a pessoa ou por alimentos, água, sangue ou superfícies. Entre elas estão sarampo, tuberculose, aids, dengue e hepatites. Mas, de acordo com o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, o médico Carlos Starling, é preciso conhecer melhor a lei para atestar sua eficácia. “Acho que os vereadores deveriam consultar a Associação Médica antes de criar algo desvinculado da realidade e de princípios científicos.”
LEI 10.206, DE 17 DE JUNHO DE 2011
Art. 1º – Fica instituída a obrigatoriedade de realização de processo de sanitização em locais fechados de acesso coletivo, públicos ou privados, climatizados ou não, a fim de se evitar a transmissão dedoenças infectocontagiosas.
Art. 2º – O processo de sanitização de que trata esta lei compreende o tratamento de todos os ambientes, incluindo-se paredes, tetos, pisos,mobiliários e ar-condicionado, devendo ser realizado por empresas devidamente cadastradas no órgão público competente.
Conversa com o autor do projeto
Repórter – Vereador, estamos fazendo uma matéria sobre a lei da sanitização...
Pablito – Esse projeto de lei já foi votado em segundo turno?
Repórter – Já, ele foi, inclusive, sancionado pelo prefeito e publicado sábado no Diário Oficial do Município.
Pablito – Ah!
Repórter – Então, vereador, qual é o objetivo dessa lei?
Pablito – O objetivo foi mais como um método de controle de infecções em ambientes coletivos. Várias epidemias são transmitidas pelo contato interpessoal.
Repórter – Mas em que consiste a sanitização?
Pablito – É um processo de limpeza, mas precisamos fazer um decreto para regulamentar a lei, para mostrar quanto tempo, qual método, em quais ambientes. O decreto é a melhor maneira de informar e destrinchar tudo dessa lei.
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Repórter – Mas a necessidade dessa lei partiu de alguma pesquisa ou de uma demanda de entidade de infectologia?
Pablito – Não consultei ninguém. Eu mesmo já verifiquei muita sujeira em salas de cinema e teatro. Já tinha recebido comentários sobre isso de eleitores meus. A partir desse contato é que eu fiz o projeto de lei.
Repórter – Mas o que seriam as doenças infectocontagiosas?
Pablito – É alergia, pneumonia, mais nesse sentido...
